Velocino Pacheco Filho
A analogia é técnica de integração da legislação tributária, prevista no art. 108, I, do CTN: “Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia”.
São duas as condições para o emprego da analogia: (i) a existência de lacuna, como uma incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico e (ii) a existência de pelo menos um elemento de identidade entre o caso previsto e o não previsto. Segundo Limongi França (Hermenêutica Jurídica. 7ª e. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 45), “a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis”. Carlos Maximiliano fala de uma semelhança essencial, “da qual dependem todas as conseqüências merecedoras de apreço na questão discutida”.
Por sua vez, a lacuna não se confunde com o silêncio eloquente da lei (o que a lei quis, disse, o que não quis, guardou silêncio). A distinção, elucida Marco Aurélio Greco (Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo Dialética, 2011, p. 176):
a lacuna é a não previsão no sentido de falta de norma específica para a hipótese; o silêncio eloqüente é o não querer que esteja previsto, no sentido de existir uma norma que determina que o caso não está alcançado. Não é meramente o não prever; silêncio eloqüente é uma não previsão que corresponde a uma vontade que o caso não esteja alcançado.
No caso do direito tributário, uma terceira condição se impõe: conforme § 1º do art. 108 do CTN, “o emprego da analogia não poderá resultar em exigência de tributo não previsto em lei”. Sobre o tema, leciona Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. II, São Paulo: Atlas, 2004, p. 225) que “a lei que define as hipóteses de incidência tributária não admite integração analógica”, porque seria incompatível com o princípio da legalidade. Ou seja, não se poderia cogitar de lacuna porque em face do princípio da legalidade tributária, não há tributo sem lei anterior que o institua.
Seria o caso do assim chamado “diferencial de alíquotas” nas operações interestaduais – a diferença entre a aplicação da alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual. A partir da Emenda Constitucional 87/2015 que alterou a redação do inciso VII do § 2º do art. 155 da Constituição da República, o ICMS resultante da diferença entre as alíquotas pertenceria ao Estado de destino.
Normalmente, o imposto devido é o resultado da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo que, no caso do ICMS, é o valor da operação. Entretanto, no caso da importação de mercadoria do exterior, a mercadoria não vem onerada pelo ICMS, de modo que a simples aplicação da alíquota sobre o valor da operação representa que o imposto está sendo calculado “por fora”, ao contrário das operações no mercado interno. Isto significa que a mercadoria importada sofre tributação menor que a similar adquirida no mercado interno.
Em vista disso, a Emenda Constitucional 33/2001 acrescentou a alínea “i” ao inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República: “cabe à lei complementar fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”.
O dispositivo constitucionaliza o cálculo “por dentro” do ICMS e dispõe que o cálculo por dentro também será aplicado às importações. Isto por que, até então, o ICMS nas importações era calculado “por fora”. A inclusão é expressa para o ICMS relativo à importação e não a qualquer outro caso. Por outro lado, o dispositivo comete à lei complementar a fixação da base de cálculo, ou seja, o cálculo do imposto.
Ora, a Lei Complementar 87/1996 define a base de cálculo na importação no art. 13, V. O § 1º, I, do mesmo artigo, com redação dada pela Lei Complementar 114/2002, dispõe que “integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo, o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle”. A alteração introduzida pela Lei Complementar 114/2002 torna expressamente obrigatório o cálculo por dentro no caso de importação.
Outras situações, entretanto, como é o caso do diferencial de alíquotas, continuou sendo calculado “por fora”, apesar de apresentar os mesmos efeitos. Poderia ser aplicada, por analogia, a mesma solução?
A situação é análoga ao da importação. A mercadoria é tributada no Estado de origem pela alíquota interestadual, o que significa que o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna no Estado de destino e a alíquota interestadual é calculada “por fora”. Como na importação, há vantagem em comprar de outro Estado.
A ratio legis, então, nos dois casos, é a mesma: o cálculo “por fora” não equaliza o ônus tributário, conforme a mercadoria seja adquirida internamente ou importada do exterior ou de outro Estado. Por não haver previsão expressa da legislação, a lacuna, como incompletude insatisfatória do ordenamento jurídico, está caracterizada.
Contudo, a adoção do cálculo “por dentro” representa uma inovação e um agravamento do ônus tributário. Até agora, o diferencial de alíquota tem sido calculado “por fora”. Nessas condições, a integração do direito tributário, pelo emprego da analogia, esbarra na vedação inserta no § 1º do art. 108 do CTN.
A adoção do “cálculo por dentro”, no caso do diferencial de alíquota, exige lei em sentido estrito. A própria Constituição da República dispõe que compete à lei complementar, em relação aos impostos que discrimina, a definição da respectiva base de cálculo. (CF, art. 146, III, “a”). Trata-se do princípio da reserva legal que, conforme magistério de Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª e. São Paulo: Atlas, 2003, p. 199), é de abrangência mais restrita que o princípio da legalidade: “Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei. Este é, portanto, de menor abrangência, mas de maior densidade ou conteúdo, visto exigir tratamento de matéria exclusivamente pelo Legislativo, sem participação normativa do Executivo”.
O Estado de Minas Gerais editou a Lei 21.781/2015, tratando do diferencial de alíquota, seguido do Decreto 46.930/2015 que disciplinou o cálculo por dentro do imposto relativo à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual.
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