Por Fabiano Ramalho
O século XXI inaugurou uma nova era do
desenvolvimento econômico global. Novas formas de exercer atividades
tradicionais vêm ganhando espaço rapidamente, sob a lógica da inovação
constante, inaugurada por Schumpeter há cerca de 100 anos. (1988, p.48-49).
Conceitos como obsolescência programada ou inovação destrutiva passaram a
dominar os debates sobre o progresso econômico e social, condenando ao descarte
ou à descontinuidade o modelo anterior, com a introdução de um novo bem, um
novo serviço, um novo método de produção, um novo mercado, criando novas
necessidades.
Ensina Schumpeter (1988, p.49) que:
[...]
as novas combinações [inovações], via de regra, estão corporificadas, por assim
dizer, em empresas novas que geralmente não surgem das antigas, mas começam a
produzir ao seu lado; Para manter o exemplo já escolhido, em geral não é o dono
de diligencias que constrói estradas de ferro.
Herdeiras dessa cultura da inovação
radical, novas empresas surgem com um potencial de crescimento
extraordinariamente acelerado, aliando inovação e tecnologia para a satisfação
de demandas globais. São as chamadas startups,
empresas do setor de tecnologia da informação, responsáveis por grande parte
das mudanças atuais nos paradigmas da economia mundial.
Dados da Associação Brasileira de Startups indicam que, em julho de 2017,
o número de startups em atuação no
Brasil ultrapassou a cifra de 4.200 empresas, a maioria delas nos segmentos de
aplicativos de Internet, mídia, e-commerce e entretenimento, num ritmo de
crescimento médio superior a 20% ao ano. São números ainda modestos,
especialmente se comparados com países onde o ecossistema startup é nutrido com fortes incentivos governamentais. Na França,
por exemplo, uma estatística da Agência Digital do governo apontou, em 2016, a
existência de 9.400 startups, num
ritmo de crescimento de cerca de 30% entre os anos de 2012 e 2015, o que é dez
vezes maior do que o crescimento das empresas tradicionais no mesmo período[1].
Exemplos de sucesso de startups estão espalhados em vários
setores da economia, como no de transporte de passageiros, por meio dos aplicativos
de Internet Uber[2]
e Blablacar[3], e
no de hospedagem, através do aplicativo AirBnB[4].
Com o suporte dessas novas tecnologias e
sob a lógica da inovação radical, uma nova realidade social e econômica se
impôs, mudando a forma com que os indivíduos se relacionam. Segundo Ferry
(2016), estamos passando para uma nova etapa da revolução industrial, chamada
“economia colaborativa”, cuja principal característica é a autonomia extrema
dos indivíduos no desenvolvimento de atividades econômicas. Por meio da economia
colaborativa, desenvolvem-se modelos de negócios onde os indivíduos exploram
seu patrimônio pessoal para fins econômicos, utilizando soluções baseadas no big data[5],
na inteligência artificial e nos objetos conectados (ou Internet dos objetos),
ou seja, as atividades são facilitadas por plataformas colaborativas
(aplicações de internet), que criam um mercado aberto para a exploração
econômica temporária de bens ou serviços por parte dos indivíduos.
O aplicativo AirBnB, por exemplo, foi
desenvolvido por uma startup situada
na Califórnia, EUA, fundada em 2008. Utilizado por indivíduos espalhados em mais
de 65.000 cidades e 190 países ao redor do mundo, conta um portfólio de mais de
3.000.000 de acomodações particulares[6].
Por meio dele, os indivíduos disponibilizam seus imóveis para locações de curta
temporada, normalmente para turistas, num sistema baseado no compartilhamento
do patrimônio pessoal e na colaboração mútua entre os usuários, que opinam
reciprocamente sobre o relacionamento criado, gerando um perfil acessível a
todos os usuários.
No entanto, no Brasil, as startups ainda enfrentam uma dura
realidade. Apenas uma em cada cinco startups
sobrevive aos primeiros 5 anos de vida. Um estudo efetuado pela Parallaxis
Economia e Ciências de Dados entre julho e outubro de 2016 indica que somente
42,1% das startups já estão há mais
de dois anos no mercado[7].
Esse cenário decorre não só da falta de
regulamentação do setor ou da incipiente cultura econômica das startups, mas também da deficiência do
Estado em estabelecer um marco regulatório e um modelo tributário adequado para
o setor, em especial aquelas startups voltadas
para a economia colaborativa ou compartilhada. Medidas de incentivo fiscal e um
tratamento tributário diferenciado são fundamentais para a sobrevivência de uma
empresa no ecossistema startup, que,
na maioria das vezes, inicia suas atividades com o esforço pessoal de uma ou
duas pessoas e com orçamento extremamente modesto.
Na França, as startups que investem em inovação são isentas do imposto de renda
nos dois primeiros anos de vida, gozam de uma redução substancial nos encargos
sociais trabalhistas por sete anos e ainda contam com um crédito fiscal
especial, que permite recuperar um crédito de 30% sobre as despesas
relacionadas com pesquisa e 20% com as relacionadas com inovação. Além disso,
uma favorável regulação dos aportes de capital incentiva o investimento no
setor, o que resulta nessa taxa de crescimento surpreendente.
Outros países possuem tratamento
tributário semelhante, como os EUA e o Reino Unido, o que incentiva a migração
de startups, na medida em que esse
tipo de empreendimento, com vocação global, pode se deslocar facilmente para
qualquer lugar. Recentemente, o Google lançou o programa Launchpad Accelerator, uma espécie de programa de aceleração de
crescimento de startups em países
emergentes. Segundo o criador desse programa, Roy Glasberg, “se o país onde você vive não está preparado
para suportar seu projeto, busque outro mercado”.[8]
No Brasil, as micro e pequenas empresas,
modelo adotado pela quase totalidade das startups,
recebem um tratamento tributário diferenciado por meio do SIMPLES NACIONAL, com
alíquotas reduzidas incidentes sobre a receita bruta, partindo de 4%, e com a
simplificação das obrigações acessórias. Mas ainda há muito que avançar em
termos de estímulo à inovação, especialmente com a desoneração fiscal do setor
e a criação de uma política de estímulo à pesquisa e à inovação.
Porém, uma alteração recente na
legislação, promovida pela LC 155/2016, acrescentou os artigos 61-A, 61-B, 61-C
e 61-E à Lei Complementar n° 123/2006, promete dar um novo impulso no
desenvolvimento das startups
nacionais, com a regulamentação da figura do Investidor-Anjo.
O aporte de investimento nas startups era feito por meio de
empréstimos conversíveis em ações e de contratos de opção de compra de ações, o
que desestimulava o investimento, já que os investidores, tornando-se sócios,
sujeitavam-se às consequências do insucesso do empreendimento, como as
responsabilidades trabalhista e fiscal. Agora, com a alteração legislativa, o
investidor-anjo não figura mais entre os sócios da startup, mitigando esse risco, já que o investimento não integrará
mais o capital social da startup e
não caracterizará receita tributável, como ocorria até 2016. É assim que
determina o §4°, do art. 61-A, da LC 123/2006:
§ 4° O investidor-anjo:
I - não será considerado sócio nem terá
qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa;
II - não responderá por qualquer dívida
da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50
da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;
III - será remunerado por seus aportes,
nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos.
Outra inovação legislativa trazida pela
LC 155/2016 foi a previsão, no art. 61-D, de que “os fundos de investimento poderão aportar capital como investidores-anjos em microempresas e empresas de pequeno porte”.
Essa possibilidade abrirá um novo canal de investimento nas startups, contribuindo para o
desenvolvimento do setor de tecnologia da informação no Brasil.
Mais um avanço importante
está em tramitação no Congresso Nacional. Trata-se do Projeto de Lei n° 6625/2013,
originário do PLS 321/2012, de autoria do senador José Agripino (DEM/RN), que
dispõe sobre a criação de um regime tributário diferenciado específico para as startups, denominado Sistema de Tratamento Especial a Novas Empresas de Tecnologia (SisTENET),
pelo qual será concedida uma isenção total de impostos federais para as
empresas que se enquadrarem no novo regime, pelo período de 2 anos,
prorrogáveis por igual período. Assim dispõe o art. 3° do referido projeto:
Art. 3° A empresa que se
enquadre na definição do art. 2° [startup] poderá optar por
aderir ao Sistema de Tratamento Especial a Novas Empresas de Tecnologia
(SisTENET) pelo prazo de 2 (dois) anos contado de sua fundação, prorrogável por
mais 2 (dois) anos, realizando a opção no momento de sua inscrição na
Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Parágrafo Único. A
Inscrição no SisTENET implica a isenção total e temporária do pagamento de
todos os impostos federais.
O texto já conta com algumas
emendas que o aperfeiçoam, como a que alterada a redação do §2° do art. 2°,
proposta pelo relator do projeto na Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática da Câmara, o deputado Vitor Lippi (PSDB/SP), que
amplia para R$ 60.000,00 a receita bruta trimestral para fins de enquadramento
no SisTENET. Durante sua tramitação legislativa, o projeto deverá sofrer novas
alterações, dentre elas, espera-se, a alteração do termo “todos os impostos”, prevista no parágrafo único do art.3° acima
citado, para “todos os tributos”, mas
já sinaliza a vigência de um importante instrumento de legal de apoio ao
desenvolvimento do setor de tecnologia da informação.
Embora um pouco atrasadas em
relação aos polos mundiais de desenvolvimento das startups, as políticas públicas que estão sendo implementadas no
Brasil, especialmente as que promovem a desoneração fiscal, prometem criar
condições propícias para o desenvolvimento do setor de Tecnologia da Informação
no país, o que é fundamental para garantir um espaço de competitividade e sucesso
para as nossas startups na nova
economia global.
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Congresso Nacional. Lei Complementar n°
155, de 27/10/2016. Altera a Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de
2006, para reorganizar e simplificar a metodologia de apuração do imposto
devido por optantes pelo Simples Nacional; altera as Leis n° 9.613, de 3 de
março de 1998, 12.512, de 14 de outubro de 2011, e 7.998, de 11 de janeiro de
1990; e revoga dispositivo da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp155.htm>. Acesso em
02/09/2017.
BRASIL, Congresso Nacional. Projeto de Lei n°
6625/2013. Dispõe sobre o Sistema de Tratamento Especial a Novas Empresas
de Tecnologia (SisTENET) e seu regime tributário diferenciado e dá outras
providências. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=598004.
Acesso em 02/09/2017.
FERRY,
Luc. L’uberisation
du monde et la naissance de l’économie collaborative, Parenthèse
Culture: 2016. Disponível em
<http://www.parenthese-culture.fr/event/luberisation-du-monde-et-la-naissance-de-leconomie-collaborative-aibnb-blablacar-etc-chance-ou-danger-eclipse-du-capitalisme-ou-hyperliberalisme-fin-du-travail-ou-nouvell/>.
Acesso em 30/07/2017.
SCHUMPETER,
Joseph Alois. Teoria do Desenvolvimento
Econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e ciclo
econômico. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
[1]
FrenchTech, Les 10 chiffres
incontournables de l’écosystème startups français. Disponível em <
https://www.maddyness.com/entrepreneurs/2017/03/21/frenchtech-ecosysteme-startup-francais-10-chiffres/>. Acesso em 02/09/2017.
[2]
Aplicação online desenvolvida por uma startup norte-americana de mesmo nome, que possibilita a conexão entre
motorista a passageiros, oferecendo serviços de transporte semelhantes ao táxi,
com recursos de inteligência artificial e conectividade.
[3]
Aplicação online desenvolvida por uma startup francesa de mesmo nome, que
conecta motoristas e passageiros para o compartilhamento de viagens com divisão
de custos, sem obter lucro, com recursos de inteligência artificial e
conectividade.
[4]
Aplicação online desenvolvida por uma startup norte-americana de mesmo nome,
que permite aos indivíduos alugar o todo ou parte de sua própria casa,
oferecendo serviços de hospedagem semelhantes ao hotel, com recursos de
inteligência artificial e conectividade.
[6]
AIRBNB, 2017. Quem Somos. Disponível
em <https://www.airbnb.com.br/about/about-us>. Acesso em 30/07/2017.
[7]
Convergência Digital, Maioria das
startups fatura menos de R$ 50 mil por ano. Disponível em < http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=site&infoid=45448&sid=5>. Acesso em 02/09/2017.
[8]
Olhar Digital, Sete Lições do Google para
Fazer uma Startup Decolar. Disponível em <
https://olhardigital.com.br/pro/noticia/7-licoes-do-google-para-fazer-uma-startup-decolar/69934>. Acesso em 02/09/2017.
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