DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

O Brasil tem jeito?

Velocino Pacheco Filho

Aumentar impostos será a única forma possível de resolver os problemas de caixa do Governo?

O art. 37 da Constituição prevê a eficiência como um dos princípios que informam a Administração Pública. Isso significa que deve ser dado o melhor uso possível aos recursos disponíveis e também o seu corolário, o princípio da eficácia ou obter os melhores resultados possíveis. A Administração Pública tem o dever de ser eficiente.

Uma Administração eficiente não deve tolerar o desperdício, as despesas desnecessárias ou o descaso no gerenciamento da coisa pública. Mais ainda, a Administração eficiente pressupõe a responsabilização do gestor público pela gestão ineficiente.

No início do sec. XX Osvaldo Cruz empreendeu uma campanha vencedora pela erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro e de seu vetor o nosso conhecido Aedes Aegypti. O retorno do mosquito, agora trazendo a dengue, o zika vírus e a chikungunya, não poderia sugerir que houve relaxamento no seu controle? Não estaria demonstrando a ineficiência do controle sanitário em nosso País?

As recentes manifestações populares que colocaram milhares de cidadãos brasileiros nas ruas não podem ser interpretadas ingenuamente como apenas contra a Presidente ou contra o PT. Isso seria reduzir a importância das manifestações. Elas demonstram, sim, o descontentamento com a má gestão da coisa pública, com os políticos de modo geral, contra a corrupção, contra a impunidade e contra a precariedade dos serviços públicos prestados em contrapartida aos impostos exigidos do cidadão. Mas, também foram manifestações a favor da legalidade, da responsabilidade na gestão da coisa pública, de uma justiça atuante e de uma polícia eficiente. Essa foi a mensagem das ruas.

Haverá alguém tão ingênuo que acredite sinceramente que o impeachment, por si mesmo, seria solução para o Brasil ou, melhor dizendo, atenderia aos anseios do povo brasileiro? 

E no tocante à Administração Tributária? A eficiência não é apenas arrecadar o máximo possível; é arrecadar o que for devido e apenas o que for devido, observados os princípios constitucionais que informam o direito tributário e a realização dos objetivos fundamentais da República.

A Administração Tributária eficiente deve procurar maximizar a arrecadação sem violar princípios constitucionais ou os direitos fundamentais do cidadão-contribuinte. A Administração Tributária eficiente não pode recorrer a artifícios como não atualizar as tabelas relativas à tributação da renda ou do patrimônio, face à desvalorização da moeda.

Por outro lado, a Administração Tributária eficiente é incompatível com a renúncia fiscal não autorizada por lei (e por convênio no caso do ICMS), em proveito apenas de alguns (privilégio odioso), sem alcançar a maioria. Ricardo Lobo Torres (A Legitimação da Capacidade Contributiva e dos Direitos Fundamentais do Contribuinte. Direito Tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. Coordenação de Luis Eduardo Schoiueri. Vol. I, São Paulo: Quartier Latin, 2003, pg. 437) define privilégio odioso como “a permissão, destituída de razoabilidade, para que alguém deixe de pagar os tributos que incidem genericamente sobre todos os contribuintes ou receba como alguns poucos, benefícios inextensíveis aos demais”.

Acrescenta esse autor que o privilégio odioso ofende o direito fundamental de propriedade, uma vez que implica discriminação contra o contribuinte excluído do privilégio, que vai arcar com o tributo de que foi dispensado o beneficiário do tratamento favorecido.

Todos devem contribuir para o financiamento do Estado, na medida da capacidade contributiva de cada um. Nesse sentido, leciona Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 59): “A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário”.

Conforme Souto Maior Borges (Isenções Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, pg. 39), se todos devem contribuir, na medida da sua capacidade, para a satisfação dos encargos públicos, então não devem ser toleradas pelo ordenamento jurídico, discriminações tributárias, enquanto impliquem um tratamento privilegiado ou de favorecimento de determinadas pessoas.

Podem ser estabelecidas em lei apenas isenções compatíveis com o sistema constitucional da tributação, isto é, não violatórias do princípio de isonomia ou igualdade de todos perante o fisco. Podem ser outorgadas isenções que não contrariem o princípio da generalidade da tributação, mas que tão-somente o excepcionam.

Desse modo, os benefícios fiscais devem ser justificados, ou pelo princípio da igualdade ou por razões de extrafiscalidade. O princípio da igualdade, conforme magistério de Celso A. Bandeira de Mello (Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 22), exige que o tratamento desigual deve ser justificado pela identificação  de uma correlação lógica concreta, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. Nessa perspectiva, deve ser investigado se o critério discriminatório adotado constitui justificativa racional para “atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada” (p. 38).

Já a extrafiscalidade consiste no uso de tributos, não com vistas à arrecadação, mas a induzir comportamentos do cidadão-contribuinte. Ela pode consistir tanto no agravamento da imposição tributária (e.g. desestimular o consumo de determinadas mercadorias, como fumo, álcool etc.), como em renúncia fiscal. Nesse último caso, a renúncia deve estar afinada com os valores prestigiados pela Constituição, como os objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3º, a promoção dos direitos e garantias fundamentais e a efetivação das políticas públicas. É a finalidade constitucional que define o tributo como extrafiscal. 

Desse modo, a revisão dos benefícios fiscais e a supressão daqueles que não tenham justificativa plausível, com fundamento em princípios constitucionais, devem fornecer os recursos necessários para o financiamento do Estado e do cumprimento de suas finalidades essenciais.