DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

terça-feira, 25 de março de 2014

O Protocolo 21/2011 e o e-comerce

Velocino Pacheco Filho

Antes de entrar propriamente no tema, é oportuno relembrar as características do ICMS. Trata-se de imposto de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal, que incide em todas as fases do ciclo de comercialização e submete-se ao princípio da não cumulatividade (o imposto devido pode ser compensado, no todo ou em parte, com o imposto cobrado nas fases anteriores).

Os impostos não cumulativos, como concebidos na Europa do pós-guerra, visam uma tributação neutra sobre o consumo, ou seja: o tratamento tributário não deveria constituir vantagem ou desvantagem de qualquer empresa em relação a suas concorrentes no mercado. As empresas, em um mercado de concorrência, deveriam ser indiferentes à tributação. Em outras palavras, o aparelho produtivo não deve ser onerado pelo imposto o qual deve repercutir integralmente sobre o consumidor final.

Como se pode constatar, as Administrações Tributárias não tem levado a sério o princípio da tributação neutra sobre o consumo, apesar do art. 170, IV, da Constituição da República prever a livre concorrência como princípio informador da ordem econômica. Por conseguinte podemos afirmar que a tributação neutra é um princípio constitucional implícito.

A livre concorrência, como princípio constitucional, pressupõe uma tributação neutra – o Estado deve assumir, em relação ao mercado, uma atitude não intervencionista (ressalvada a garantia da efetividade dos demais princípios da ordem econômica, previstos no art. 170, já referido).

Pois bem, contextualizado o problema, passemos ao tema proposto do Protocolo 21/2011 e do e-comércio.

Ora,  compete ao Senado da República a determinação das alíquotas interestaduais, pois, elas visam à repartição da receita tributária entre Estados produtores e Estados consumidores.

Dispõe ainda o art. 155, § 2º, VII, da Constituição, que nas operações que destinem mercadorias a consumidor final localizado em outro Estado, será adotada a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto, e a alíquota interna (do Estado de origem) quando não for. Conforme inciso VIII, do mesmo parágrafo, no caso do destinatário ser contribuinte do imposto, o Estado de destino poderá exigir o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual.

Contudo, com o crescimento de formas não presenciais de comercialização, tais como internet, telemarketing etc., alguns Estados tiveram sua receita tributária diminuída, devido ao crescimento das vendas diretamente a consumidor final, não contribuinte, caso em que passaram a ser tributadas integralmente pelo Estado de origem.

Para fazer face a esse problema, alguns Estados celebraram o Protocolo 21/2011, pelo qual os Estados destinatários passariam a exigir o imposto correspondente à diferença entre as alíquotas, também no caso das venda não presenciais, inclusive quando egressas de Estados não signatários do referido protocolo. A imposição dessa nova sistemática aos Estados não signatários constitui, naturalmente, aberta agressão aos princípio da Federação.

O Protocolo 21/2011, para atingir o seu objetivo, valeu-se de um instituto polêmico: a substituição tributária “para a frente”. O imposto correspondente à diferença entre as alíquotas seria recolhida, por responsabilidade, ao Estado de destino, mediante GNRE. Caso não fosse efetuado esse recolhimento, o imposto seria exigido por ocasião da entrada no território do Estado, sob pena de retenção da mercadoria.

Santa Catarina, como os demais Estados das Regiões Sul e Sudeste, não é signatária do Protocolo 21/2011.

A reação não se fez esperar. Foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.628 DF, com parecer favorável da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público Federal. Recebida a ADI, foi deferida a medida cautelar pleiteada, em decisão monocrática do Min. Luiz Fux, em vista da inconstitucionalidade manifesta do Protocolo 21/2011.

Com efeito, a celebração de protocolo entre os Estados não é forma válida de modificar a Constituição, adotando nova regra de distribuição da receita tributária entre os Estados. A decisão do Ministro faz expressa referência à instituição de uma “anarquia normativa”. Em síntese, nova regra de distribuição somente poderia ser adotada via emenda constitucional. Esse seria o procedimento correto. O Min. Fux fez, inclusive, referência à “instituição de anarquia normativa”, se os Estados passarem a adotar novo modelo, de forma isolada.

A decisão também considerou vulnerados outros importantes princípios constitucionais, como o da segurança e previsibilidade da tributação. O contribuinte deve conhecer qual a carga tributária com que irá se defrontar, sob pena de instaurar-se o caos na economia e comprometimento dos objetivos de desenvolvimento nacional. É o que acontece quando os Estados signatários passam a exigir o imposto correspondente à diferença entre as alíquotas, quando o Estado de origem já havia cobrado o imposto calculado com a sua alíquota interna. O resultado é um aumento indevido da carga tributária.

Além disso, os Estados de destino podem apreender a mercadoria, como forma de compelir o contribuinte a recolher o tributo exigido. Com isso, fica caracterizado o efeito confiscatório, além da restrição ao direito de ir e vir.

Trata-se de disputa entre os Estados de origem e de destino sobre a repartição da receita tributária que, em princípio, não deveria afetar o contribuinte. Sucede, entretanto, que os contribuintes é que passam a sofrer o ônus da disputa entre os Estados: majoração do tributo, retenção de cargas e veículos etc. A majoração corre por conta da exigência da parcela correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual tanto pelo Estado de origem como pelo Estado de destino.

Mas, o Protocolo 21/2011 não é apenas inconstitucional. A solução adotada pelos Estados consumidores atenta ainda contra o princípio da moralidade, albergado pelo art. 37 da Carta. A Administração Pública, inclusive a tributária, deve conduzir-se, não só observando o princípio da legalidade, mas também o da moralidade. Os tributos devem ser cobrados de acordo com princípios morais.

Em termos de moralidade tributária, não podemos esquecer a obra de Klaus Tipke que analisa separadamente a moral tributária do Estado, do contribuinte e da Administração.

No fundo, retoma-se uma velha discussão: princípio de destino versus princípio de origem. Argumenta-se que, nos tributos não cumulativos sobre o consumo, a receita tributária deveria ser atribuída ao Estado onde consumidas as mercadorias, que seria utilizada para custear serviços públicos em favor do consumidor final (que arca com o ônus do tributo). Considera-se que esta seria uma distribuição mais justa da receita tributária.

A propósito, está tramitando no Congresso Nacional a PEC 197-A, que atribui ao Estado de destino o tributo correspondente à diferença entre as alíquotas, sempre que o destinatário for consumidor final, seja contribuinte ou não. A proposta atingiria todas as vendas interestaduais a consumidor final e não apenas as formas não presenciais.

Os proponentes da PEC 197-A a justificam como meio de atingir os objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º) de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais

segunda-feira, 17 de março de 2014

A INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS

Velocino Pacheco Filho

     A Constituição Federal repartiu a competência tributária entre União, Estados e Municípios descrevendo as materialidades sobre as quais cada ente tributante pode instituir impostos. Assim, o art. 155, II, deferiu aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre as seguintes materialidades: (i) operações relativas à circulação de mercadorias, (ii) prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e (iii) prestação de serviço de comunicação.

     Aos Municípios, por outro lado, cabe tributar serviços de qualquer natureza, definidos (ou relacionados) em lei complementar (CF, art. 156, III). Os serviços tributáveis pelos Municípios são os que constam da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, cujo art. 1º, § 2º, dispõe que “ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias”.

     Apenas para balizamento, devemos examinar também o fato gerador do IPI. Diz o  art. 153, IV, que compete à União instituir imposto sobre produtos industrializados. Contudo, o art. 46 do CTN dispõe que o IPI tem como fato gerador: (i) o desembaraço aduaneiro, (ii) a saída do estabelecimento ... (iii) a arrematação em leilão ..... Ou seja, o fato gerador do IPI envolve tanto um fazer (industrialização) quanto um dar (relativamente ao próprio bem industrializado).

     Então, em quais hipóteses incide ICMS sobre prestação de serviços? Basicamente na (i) prestação de serviços de transporte e de comunicação; (ii) na prestação de serviços, com fornecimento de mercadoria, quando a incidência do ICMS (concomitante com o ISS) está prevista na própria Lista de Serviços: e (iii) no fornecimento de mercadoria, com prestação de serviço não previsto na Lista de Serviços (CF, art. 155, § 2º, IX, “b”). Portanto, a exigência de ICMS sobre outros serviços, que não sejam transporte ou comunicação, sem que haja fornecimento de mercadorias, constitui invasão (ainda que potencial) da competência reservada aos Municípios.

     Como o IPI envolve tanto um fazer quanto um dar, supõe-se que a incidência do IPI afasta a incidência do ISS (será?). Por outro lado, a incidência do ISS, por expressa previsão legal, afasta a incidência do ICMS, salvo se a própria lista de serviços contiver expressamente previsão da incidência do imposto estadual sobre as mercadorias utilizadas na prestação do serviço. A incidência do ICMS, nesse caso, não é regra, mas exceção. Isto por que somente há incidência do ICMS se houver obrigação de dar, enquanto o ISS incide somente se houver obrigação de fazer. Se não houver obrigação de dar, não há que se falar em incidência do imposto estadual. Do mesmo modo, se não houver um fazer, não se poderá falar em incidência do imposto municipal.

     Já no caso do IPI, não é afastada a incidência do ICMS e vice versa. Assim, quando incide o IPI, normalmente incide também o ICMS (há um dar concomitante ao fazer), embora a recíproca não seja verdadeira.

     Não se tratando de prestação de serviços de transporte e comunicação, o fato gerador do ICMS somente se caracteriza com o fornecimento de mercadoria ou do produto industrial, acabado ou semi-acabado (obrigação de dar). O ISS tem por fato gerador a prestação de serviço, excetuados transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, relacionados em lei complementar. O fato gerador do IPI compreende tanto um “fazer” (industrialização), como um “dar” (saída do produto industrializado do estabelecimento).

     Tendo presentes esses conceitos, passemos ao exame de um caso concreto. Quais tributos incidiriam, por exemplo, sobre a facção? Entende-se por “facção” a indústria de confecção ou vestuário que presta serviços exclusivamente a outras empresas, industriais ou comerciais. É uma forma de terceirização que vem ganhando espaço na indústria de confecções: uma indústria de maior porte contrata outras empresas para fazer a montagem (facção) de peças remetidas pela contratante e que serão devolvidas montadas.

     Que tributo(s) pode(m) incidir sobre a facção? Vamos considerar a situação típica em que todos os insumos são fornecidos pela contratante. Vamos desconsiderar os insumos utilizados pelo prestador de serviço (linha, energia elétrica etc.) cujo valor seja irrisório em relação ao valor da facção (princípio da insignificância). Os principais candidatos são o ICMS, o ISS e o IPI.

     Ora vejamos! Se os insumos e as peças são fornecidas pelo encomendante e a empresa de facção apenas “devolve” as peças prontas, não há circulação de mercadorias o que permite eliminar de plano a incidência do ICMS. Com efeito, mesmo nos casos em que a própria lista de serviços ressalva a incidência do ICMS, há fornecimento de mercadorias juntamente com o serviço (o “fazer” se viabiliza com o “dar”).

     Muito bem, a facção consiste, então, em uma prestação de serviços. Mas, será ela tributável pelo ISS? A incidência do imposto municipal vai depender de expressa previsão da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Mas, estando ou não a facção prevista na lista de serviços, podemos afirmar com segurança que não há incidência do ICMS, pelo simples motivo de não haver prestação de dar.

     Coerentemente com o raciocínio exposto, a Receita Federal editou o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 20, de 13 de dezembro de 2007, que, para fins de apuração do IRPJ e da base de cálculo do CSLL, considera “prestação de serviço as operações de industrialização por encomenda quando na composição do custo total dos insumos do produto industrializado por encomenda houver preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante”.

     Por conseguinte (PC 465/07 SRRF da 9ª RF), para fins de aplicação do art. 18 da Lei Complementar 123/2006 (Simples Nacional), se o contribuinte industrializa sob encomenda e (i) na composição do custo total, há preponderância dos custos adquiridos pelo próprio contribuinte, a receita por ele obtida deveria ser tributada pelo Anexo II (indústria), mas se (ii) na composição do custo, há preponderância dos custos fornecidos pelo encomendante, deveria ser tributada pelo Anexo III (prestação de serviços).

     Contudo, esse entendimento foi modificado pelo Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 27, de 25 de abril de 2008, que singelamente considerou industrialização todas as operações definidas como tais pelo Regulamento do IPI.  A partir daí, passou-se a tributar todas as industrializações por encomenda, por empresas enquadradas no Simples Nacional, pelo Anexo II, sem cogitar se os insumos foram fornecidos pelo contratante ou pelo contratado. Com efeito, para a incidência do IPI, a questão é irrelevante. Contudo, não é irrelevante para a incidência do ICMS ou do ISS.

     Ora, a incidência do ICMS não pode pautar-se por um “ato declaratório interpretativo” da Receita Federal. Os Estados estão sujeitos à legislação federal apenas em matéria de normas gerais (CF, art. 24, § 1º) que deve ser tratada em lei complementar (CF, art. 146, III), o que, certamente, não é o caso.

     O fato é que, ressalvadas as prestações de serviço de transporte e comunicação, não há que se falar de incidência do ICMS sem que esteja caracterizada a operação de circulação de mercadorias, ou seja, sem que haja fornecimento de mercadorias (matéria-prima ou outros insumos), juntamente com a prestação de serviços. O fornecimento de mercadorias (obrigação de dar) é o elemento fundamental para a incidência do imposto estadual.
      A situação descrita difere radicalmente da industrialização da mercadoria em estabelecimento de terceiro quando esta se insere como etapa da circulação da mercadoria, devendo retornar ao estabelecimento do encomendante. Dispõe a legislação estadual que a saída da mercadoria do estabelecimento do encomendante, para industrialização em estabelecimento de terceiro, bem como o seu retorno, suspende a exigibilidade do ICMS. Ora, a suspensão (ou o diferimento) pressupõe a incidência. Mas, se não há incidência do imposto, não há o que suspender ou diferir. Resta, portanto, saber se incide o imposto estadual sobre a parcela acrescida pelo estabelecimento industrializador. Havendo incidência do imposto nessa fase, ele é diferido para a fase seguinte.
      Não há qualquer paralelo entre a facção com fornecimento dos materiais a serem industrializados pelo contratante e a apreciada pela ADI/MC 4.389 DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, em que o conflito de competências entre Estados e Municípios foi resolvido a favor dos primeiros, em sede de medida cautelar – por isso mesmo com eficacia apenas ex nunc – reconhecendo o tribunal que “o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria”. É que, nesse caso, a incidência do ISS impediria o aproveitamento do crédito relativo às mercadorias fornecidas juntamente com a prestação de serviços que, nessa hipótese, são significativos. A diferença é que nesse caso há uma obrigação de dar, o que não ocorre no primeiro caso (onde há apenas a devolução das peças acabadas).

     A incidência do ICMS supõe um “dar”. Ora, no caso de todos os insumos utilizados pelo industrializador serem fornecidos pelo encomendante, não há um “dar”, mas apenas um “fazer”. A devolução da mercadoria já industrializada não se confunde com um “dar”. Devolver não é dar.
      O diferimento do valor acrescido torna a questão, para o ICMS, irrelevante, já que o imposto diferido se subsume na operação subsequente. Mas, não havendo incidência do imposto, por não ter ocorrido o fato gerador respectivo, não há o que diferir, o que abre caminho para a tributação municipal, se for o caso.

     A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nesse caso, consolidou-se no sentido da incidência do ISS, com exclusão do ICMS. Se não há um dar (caso da facção), mesmo que a industrialização por encomenda integre o ciclo de comercialização, incide apenas o ISS.  Nesse sentido, decidiu a Segunda Turma (AgRg no AResp 309.854 ES): “não interessa se haverá comercialização do produto no futuro, pois esta não é o traço distintivo da incidência do imposto como quer fazer crer o agravante. O que há de aferir é atividade-fim do prestador do serviço, "tendo em vista que, uma vez concluída, extingue o dever jurídico obrigacional que integra a relação jurídica instaurada entre o ‘prestador' (responsável pelo serviço encomendado) e o 'tomador' (encomendante)”.


      Em síntese, a prestação de serviços somente sofre tributação pelo ICMS se houver fornecimento de mercadorias (ou utilizados insumos) com a prestação de serviço, e a lista de serviços ressalvar expressamente a incidência do ICMS sobre as mercadorias ou insumos empregados.

quarta-feira, 12 de março de 2014

O Confaz e o princípio da legalidade

Velocino Pacheco Filho

Dispõe o art. 150, § 6º, da Constituição: “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155,§ 2º, XII, g”.

O dispositivo citado diz que “cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. A Lei Complementar 24, de 1975, trata da concessão e revogação de isenções e outros benefícios fiscais do ICMS, mediante convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal.

Conforme art. 4º dessa lei, os convênios serão ratificados mediante decreto publicado pelo Poder Executivo de cada Unidade da Federação. Considera-se tacitamente ratificado o convênio se não houver manifestação do Estado no prazo previsto no referido artigo. Determina o art. 7º que os convênios ratificados obrigam todas as Unidades da Federação, inclusive as que não se tenham feito representar na reunião.

A expressão “sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”, contida no § 6º do art. 150 da Constituição, ressalva o que? (i) que as exonerações do ICMS podem ser concedidas apenas por convênio, sem necessidade de lei? (ii) ou que o convênio é uma condição necessária para que o Estado conceda, por lei, a isenção ou benefícios fiscal?

A concepção da Lei Complementar 24, de 1975, portanto, exclui o Poder Legislativo das deliberações sobre as concessões e revogações de benefícios fiscais relativos ao ICMS. Tudo é decidido pelo Confaz, colegiado que reúne os secretários de fazenda ou de finanças dos Estados e do Distrito Federal.

Contudo, as leis que integram ordenamentos jurídicos anteriores à Constituição somente são recepcionadas pelo ordenamento vigente na medida em que forem compatíveis com a Constituição vigente.

Ora, as isenções e demais exonerações tributárias são matérias sujeitas à reserva absoluta de lei. Quer dizer: não podem ser delegadas ao Poder Executivo. Logo, não podem ser concedidas por convênios negociados e celebrados por servidores do Poder Executivo. 

Assim, não poderia ser outra a posição do Pretório Excelso, no julgamento da ADI 1.247/MC PA, Rel. Min. Celso de Mello, em 17-8-95 (DJ 8-9-95, pp 28354; Ementa vol 1799-01, pp 20):

“A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades politicas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributaria pertinente ao ICMS. MATÉRIA TRIBUTARIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsidio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei especifica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO”.
Mais recentemente, a Primeira Turma desse Tribunal Superior, no julgamento do AgR no RE 630.705 MT; Rel. Min. Dias Toffoli, em 11-12-2012, decidiu:

“2. Os convênios são autorizações para que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário”. 
Portanto, a concessão e a revogação de isenções e outras exonerações tributárias, em tema de ICMS, devem atender, simultaneamente, duas condições: (i) ser autorizada por convênio e (ii) ser editada a competente lei em sentido formal. 

O Poder Legislativo não pode ser afastado do processo, como vem sendo feito até agora. Os Estados devem rever o seu procedimento, sob pena das isenções e benefícios fiscais em vigor perderem sua eficácia, porque se tornaram inconstitucionais. 

segunda-feira, 3 de março de 2014

O ICMS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO: PROTOCOLO 21 E REFORMA TRIBUTÁRIA (Parte 1/4)


Ubaldo Cesar Balthazar
Luciane Aparecida Filipini Stobe
 

1. Introdução - O presente artigo tem o objetivo de demonstrar que a forma de tributação do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transportes e comunicações (ICMS) nas operações concernentes à circulação de mercadorias quando da aquisição destas no comércio eletrônico é empecilho ao cumprimento dos objetivos da República Federativa da Brasil, em especial quanto ao desenvolvimento nacional equilibrado com vistas à redução das desigualdades regionais. 

A análise do tema é conduzida pelo viés constitucional. Primeiramente, apresenta-se o modelo do Estado Brasileiro: estado federado, de forma republicana e regime democrático, que encontra na tributação sua sustentabilidade. No segundo momento, demonstra-se a incidência tributária do ICMS, especialmente quanto à circulação de mercadorias e serviços.

Por fim, faz-se um estudo dos desdobramentos do advento do Protocolo 21, que trata da repartição da receita do ICMS incidente nas operações relativas à circulação de mercadorias adquiridas por meio eletrônico. O exame é perpassado por princípios constitucionais aplicáveis à matéria.

A importância do estudo evidencia-se pelo aumento significativo do comércio de mercadorias via internet, entre Estados fornecedores e consumidores domiciliados em outras unidades da Federação. Sobre estas operações de compra e venda, há incidência tributária do ICMS, que tradicionalmente incidia e era recolhido no Estado em que se operava a circulação da mercadoria. Mas, com a possibilidade de empresas virtuais, o local físico perdeu importância, o que trouxe consequências no campo tributário.

2. República e federação no Brasil - A discussão da incidência tributária do ICMS sobre mercadorias adquiridas no comércio eletrônico precisa ser situada no campo da República Federativa Brasileira, onde há autonomia dos entes federados e objetiva-se um desenvolvimento nacional equilibrado.

Luiz Roberto Barroso explica que a democracia, a república e federação constituem o trinômio essencial do Estado brasileiro (BARROSO, 2004, p. 203). O desdobramento desses conceitos em seus princípios correlatos orienta o agir estatal no sentido de limitação de poder e garantia de direitos fundamentais.

Ensina Geraldo Ataliba que:

A República é a expressão concreta do Estado de Direito que a cidadania brasileira quis criar, ao plasmar suas instituições. A partir da consciência cívica da titularidade da res publica e da convicção da igualdade fundamental entre todos os cidadãos, estruturou-se o Estado brasileiro na base da idéia de que o governo seria sujeito à lei e esta haveria de emanar do órgão da representação popular (ATALIBA, 2007, p.95).

Roque Antonio Carraza coaduna com este entendimento ao afirmar que a República é o “tipo de governo, fundado na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade” (CARRAZZA, 2006, p.58).

Na República todos os cidadãos, na qualidade de detentores da res publica, estão investidos de poder. Todavia, no regime democrático representativo brasileiro, o exercício do poder político dá-se por representação, escolhida pelo voto – expressão da vontade do povo. Assim, a democracia é o regime político que o Brasil adotou para eleger seus governantes. A origem da palavra (demos “povo” e kratos “autoridade”), indica claramente que a autoridade do Estado está nas mãos do povo.

Originariamente, o povo é o detentor do poder político, e a origem deste poder está prevista no artigo 1º da Constituição Federal. Ao eleger seus governantes o povo participa, ainda que indiretamente, da vida e do governo do Estado. Segundo Dalmo de Abreu Dallari, “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões” (DALLARI, 2007, p.85)

Existem casos em que a democracia é praticada de forma direta, como, por exemplo, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

O poder político (recebido por delegação) deverá ser exercido em harmonia perfeita com a Constituição Federal e às leis a ela submetidas, para que o princípio republicano não seja corroído e se respeite a soberania popular. É inadmissível na República que o povo, em cujo nome o poder é exercido, seja lesado por omissão ou comissão estatal. A essência republicana indica que o “bem estar do povo seja a lei suprema” (CARRAZZA, 2006. p.63)

Desta forma, o conceito de República no Brasil não coaduna com o favorecimento de apenas algumas camadas da sociedade. Dessa forma, importante salientar que a República como forma de governo difere da democracia plena, tendo em vista que nesta o poder é integral e soberanamente de todo o povo. Na República brasileira, com algumas exceções como, por exemplo, o plebiscito, nenhum ato governamental é exercido diretamente pelo povo. Concretamente, o povo transfere o poder que lhe pertence, temporariamente, aos representantes que elege através de sufrágio universal e pelo voto direto e secreto.

No Brasil, é através do voto que o cidadão participa do governo e volta sua atenção para o interesse público; pode-se dizer que o direito ao voto liga-se à soberania nacional e à democracia representativa (CARRAZZA, 2006, p.63)

República é, ao lado de federação, o princípio fundamental mais forte do sistema jurídico brasileiro. É um princípio de base e fundamental para toda a Constituição. A Constituição Federal reporta-se ao princípio republicano e propaga-o para todo o sistema. Ensina Geraldo Ataliba:

Tal é sua importância no contexto do nosso sistema, tão dominante sua força, que influi, de modo decisivo, na interpretação dos demais princípios constitucionais e, com maior razão, de todas as regras constitucionais. A fortiori, todas as leis devem ter sua exegese conformada às suas exigências, inclusive as leis constitucionais, a começar do Texto Magno (ATALIBA,1985, p.05).

O princípio republicano irradia sua força e alcança diretamente os estudos tributários, considerando ser o tributo a principal fonte de sustentação estatal e ter, por determinação constitucional, função social.

A República liga-se diretamente à Federação, pois a República implica em poder emanado do povo, poder que, logicamente, necessita estar próximo do povo. É basicamente esse o objetivo da federação: uma organização do poder, “o modo como se dá a distribuição espacial do poder político” (BARROSO, 2010, p. 172).

Elucidativa a lição de Alexandre de Moraes:

No processo dinâmico da história, o Estado federal e presidencialista apresentava mudanças inicialmente caracterizadas por um modelo idealizado fraco (rei sem coroa), que nunca chegou a existir ou ser aplicado na prática, logo modificado por um processo político autoritário e centralizador em torno da figura da União e do presidente; e, mais modernamente, em uma tentativa de ampliação dos poderes de controles parlamentares e judiciais em relação ao Executivo e à divisão constitucional de competências, para garantia de maior estabilidade democrática e força aos estados-membros. (MORAES, 2011, p. 12)

O pacto federativo foi consagrado, inicialmente, na primeira Carta republicana, em 1891. Na época os Estados-membros possuíam teoricamente um poder político, mas na prática este se concentrava nas mãos do Presidente da República. 

A Constituição de 1934 ratificou o federalismo, tendo porém incluído o Distrito Federal e criado os Territórios. Mesmo durante a ditadura Vargas (1937 a 1945), o princípio foi mantido, mas praticamente ineficaz. Em 1946 o federalismo é revigorado, porém durante a ditadura militar (1964-1985), os Estados ficaram destituídos de força política e econômica, centralizada na União.

Com a volta da democracia na Constituição de 1988, a forma federativa vem pactuada no artigo 1º da Carta Magna, conforme se lê: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)” O princípio federativo consta do artigo 18: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição (...).” A indissolubilidade da federação é uma de suas marcas (art. 1º, caput, CF) e cláusula pétrea (art. 60,§ 4º, CF).

A Federação caracteriza-se pela comunhão perpétua e indissolúvel de seus integrantes, mostrando laços mais apertados entre seus componentes, em ambiente e paridade e coordenação (KFOURI, 2012, p.368).

O federalismo tem como características: a) A repartição de competência legislativa, administrativa e tributária. É imprescindível atribuir aos entes competência em matéria tributária, que garanta renda própria, como previsto nos artigos, 145, 148, 149, 149-A, 153 a 156, da Constituição Federal; b) Autonomia dos entes federados, entendida como poder de autodeterminação; c) Participação na formação da vontade do ente global (através da composição paritária do Senado Federal) (BARROSO, 2010, p. 173)

Na Federação os Estados são independentes entre si, porém ligados e submissos a União. Trata-se de uma aliança entre os estados federados da União. Neste sentido Roque Antonio Carrazza leciona:

De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foederis, aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diversos dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício da União (CARRAZZA, 2006, p.127).

A federação também se caracteriza pelos vários níveis de poder em que é dividida, representado pelos seus entes federados. Da descentralização administrativa e política, fraciona-se o poder soberano do Estado para garantir autonomia aos seus entes.

Para tal autonomia ser possível, foram estabelecidas competências para a instituição de tributos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, pois para a existência fática da autonomia dos entes é imprescindível os recursos financeiros, de forma que cada ente possa desempenhar suas atribuições sem depender do poder econômico dos outros (KFOURI. 2010, p.29).

O modelo de Estado Federado foi adotado no Brasil a fim de promover a descentralização da arrecadação e da administração das receitas, contrariamente evidenciada no regime ditatorial anterior à Constituição de 1988, dessa forma possibilitando igualdade entre os entes que fazem parte do país. Ou seja, suscitando um meio de distribuir proporcionalmente verbas para as diversas regiões do país, levando em conta o número populacional, posição geográfica e capacidade econômica e disponibilizando autonomia às regiões para investir em seus problemas específicos sem, contudo, afrontar aos princípios constitucionais, e dessa forma direcionando, teoricamente, o país a um crescimento uniforme e harmônico (GREGÓRIO, 2008, p.54).

O centro do conceito de federalismo no Brasil está na caracterização de duas entidades: a União e as coletividades regionais autônomas (SILVA, 2002, p.100).

Dotado de personalidade jurídica de Direito Público internacional, o Estado federal é o todo. A União é formada pela reunião dos Estados Federados e constitui pessoa jurídica de Direito Público interno. A esta cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado e é autônoma em relação aos Estados. Os Estados membros são entidades federativas componentes, dotadas de autonomia e também de personalidade jurídica de Direito Público interno.

No Estado federal, a soberania é titularidade do Estado, o todo, e os Estados são titulares tão somente da autonomia. A autonomia é compreendida como governo próprio dentro do circulo de competências traçadas pela Constituição Federal.

A autonomia dos entes federados assenta-se sobre os elementos da existência de órgãos governamentais próprios, e sobre a posse de competências exclusivas. Sobre a autonomia dos entes federados, nas palavras de Roque Antonio Carrazza:

Parece certo que, sendo autônomo, cada Estado deve, sem interferências federais ou estaduais, prover as necessidades de seu governo e administração. Para isto, a Lei Maior conferiu a todos o direito de regular suas despesas e, conseguintemente, de instituir e arrecadar, em caráter privativo e exclusivo, os tributos que as atenderão (CARRAZZA, 2006, p.148).

Assim, revela-se imprescindível e de severa importância abordar o conceito de federação sob a ótica tributária, já que com a descentralização, todos os estados federados buscam na União e através de sua competência tributária, a arrecadação de verbas para melhor satisfazer as demandas de suas populações.

O olhar de Hugo de Brito Machado sobre o federalismo lhe permitiu afirmar ser o Brasil é um exemplo de Estado Federal, ou Federação, embora a centralização do poder político e especialmente a centralização das rendas tributárias, antes da Constituição de 1988, fossem de tal ordem a caracterizar o Brasil como Estado Unitário. Com a Constituição de 1988 deu-se um passo significativo rumo ao federalismo, embora a dependência dos Estados e Municípios ainda seja bastante acentuada, posto que a distribuição das quotas destes nos fundos de participação continua a ser administrada pelo Governo Federal (MACHADO, 2003, p. 41).

O ICMS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO: PROTOCOLO 21 E REFORMA TRIBUTÁRIA (Parte 2/4)



O ICMS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO:
PROTOCOLO 21 E REFORMA TRIBUTÁRIA
Ubaldo Cesar Balthazar
Luciane Aparecida Filipini Stobe

PARTE 2/4

3.  O tributo como instrumento à serviço da República - A República Federativa do Brasil tem por objetivos:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, CF).

Para atingir seus fins, o Estado Brasileiro tem no tributo um instrumento eficaz. Pelo poder de tributar que lhe é conferido, o Estado pode exigir contribuições compulsórias para obter as receitas públicas de que necessita para atingir seus fins. “A atividade da tributação é o principal instrumento utilizado pelo Estado para poder manter-se” (BALTHAZAR, 1999, p.13).

Das lições de Hugo de Brito Machado é possível extrair que a tributação é o “instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica” (MACHADO, 2003, p. 42).

Ensina Ubaldo Cesar Balthazar que o tributo é instrumento vital para realização de propostas sociais, políticas e econômicas. É o tributo que dá vida ao Estado e, através dele, faz-se intervenções na economia do setor privado, visando atender os interesses públicos e aqueles próprios do Estado (BALTHAZAR, 2005, p. 194).

No Brasil o poder de tributar é partilhado entre os entes tributantes, definindo a Constituição Federal as competências. Quanto aos impostos, o sistema tributário é rígido, fixando as competências conforme previstas nos artigos 153 a 156, da Carta Republicana.  Para os tributos cuja exigência depende de uma determinada atuação estatal, referível ao contribuinte, o critério de partilha da competência se conecta com essa atuação: “quem estiver desempenhando legitimamente tem competência para cobrar o tributo (taxa, pedágio, e contribuição de melhoria)” (AMARO, 2008, p. 96).

A função social do tributo está intimamente ligada ao desenvolvimento do Brasil. Ora, o tributo é uma das ferramentas utilizadas para o desenvolvimento da nação no setor político, econômico e cultural.

Deve esta ferramenta servir como uma balança entre as regiões do país, ou seja, as regiões menos desenvolvidas recebendo incentivos fiscais para seu crescimento, fazendo com que não haja uma saída em massa dessas regiões para os grandes centros causando com isso grande parte do crescimento desordenado das cidades (como ocorreu com o aumento do número de favelas em São Paulo, por exemplo).  Por outro lado, há de se lembrar o que ocorreu com a Zona Franca de Manaus, onde o incentivo fiscal foi responsável por várias melhorias e crescimento, desacelerando o êxodo da população.

Assim, o poder de tributar, além de angariar fundos, age extrafiscalmente, interferindo no domínio econômico (MACHADO, 2006, p. 88). Por este viés, ele é instrumento capaz de promover o desenvolvimento equilibrado do país, buscando uma forma de equalizar os Estados da federação, para reduzir desigualdades sociais e regionais.

O panorama da economia brasileira é marcado por desequilíbrios regionais, conforme demonstram os estudos da Receita Federal do Brasil, que exigem um papel efetivo do Estado na função de redistribuição de renda, o que sem dúvida é um condicionante do modelo tributário[1]. 

Na concepção contemporânea de Estado, a tributação caracteriza-se pelo poder-dever estatal, de utilizar-se de instrumentos, legais cabíveis, que possibilite a obtenção dos recursos necessários ao desempenho de suas atividades. Histórica, política e constitucionalmente os tributos são reservados exclusivamente para fins públicos (BALEEIRO, 2006, p. 785).

Devido a toda essa força motriz da tributação, o poder de tributar é uma atividade típica do Estado, exercida por meio de lei, e indelegável. A “arrecadação e a fiscalização tributárias constituem competências administrativas e, portanto, passíveis de delegação a pessoas de direito público ou privado (art. 8º, CTN)” (COSTA, 2009, p.03).

A participação na receita tributária é diversa da competência dos entes tributantes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A receita arrecadada com a incidência tributária é repartida de acordo com ditames constitucionais (arts. 157 a 159 da Constituição Federal).

Ensina Eduardo Sabbag que a repartição da receita tributária, entre as entidades impositoras, é meio garantidor da “autonomia política” dos entes federados, uma vez que esta inexiste dissociada da autonomia financeira (SABBAG, 2011, p. 548).

No modelo brasileiro, a transferência ocorre sempre do governo de maior nível para os de menores níveis, constituindo uma discriminação das rendas pelo produto. Por exemplo, o Município não reparte a receita do IPTU, ISS e ITBI (impostos de sua competência) com os demais entes, mas recebe participação da receita do ICMS de seu Estado (SABBAG, 2011, p. 559).

4.  O ICMS e o comercio eletrônico - A Constituição Federal atribui competência tributária em matéria de ICMS para os Estados e Distrito Federal, com previsão expressa no artigo 155, II: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. A regulamentação do ICMS dá-se pela Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), conforme determina o artigo 146, e o inciso XII, § 2º do artigo 155, da Constituição.

O referido imposto incide sobre a circulação de mercadorias no território nacional, sobre a prestação de serviços de transportes, interestaduais e intermunicipais, sobre os serviços de comunicação e sobre a importação.

O fato gerador do tributo é um fato ou um conjunto de fatos, que faz com que nasça uma obrigação jurídica de pagar o tributo determinado. Os fatos geradores do ICMS são atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica, que implicam na circulação de mercadorias, dessa forma fazendo com que a mercadoria seja transportada da produção até o consumo.

A circulação traz o sentido de transporte, mobilidade, porém o ICMS não incide na simples circulação física do bem móvel, mas para ocorrer seu fato gerador é necessário que sua circulação física seja acompanhada da mudança de titularidade da mercadoria. O conceito de circulação segundo Eduardo Sabbag é a “mudança de titularidade jurídica do bem (não mera movimentação “física”, mas circulação jurídica do bem). O bem sai da titularidade de um sujeito e passa à titularidade definitiva de outro.” Esta troca de titularidade ocorre com finalidade da mercancia (SABBAG. 2012. p.1062).

O artigo 2° da Lei Complementar 87/96, enumera os fatos geradores do ICMS. Todavia, destaca-se que o objeto deste estudo se vincula apenas à incidência nas operações relativas à circulação de mercadorias (art. 2°, I) especificamente aquelas adquiridas no comércio eletrônico.

Nestes casos, conforme prevê o artigo 12 da Lei Complementar 87/96, “considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte”.

Não existe grande ofuscamento no entendimento quanto às operações tributadas pelo ICMS, nos casos em que o comprador e vendedor, ou prestador de serviço, situam-se no mesmo Estado, pois toda a arrecadação do tributo pertencerá à mesma Fazenda Estadual. Estas são as operações internas, que acarretam a incidência de alíquotas internas.

O grande transtorno e motivo que gera a guerra fiscal entre os Estados, centro desse estudo, são as alíquotas interestaduais, que são as alíquotas fixadas sobre o ICMS, quando o vendedor se encontra em um Estado e o comprador em outro Estado.

Dependendo do Estado de incidência, as alíquotas internas, regra geral, são de 17%, 18% ou 19%[2]. Porém, em observância ao princípio da seletividade do ICMS, as alíquotas internas poderão ser reduzidas ou majoradas, sendo que 7%, 12%, 17% e 25%, são as alíquotas mais utilizadas.

Os conflitos tributários entre os Estados ocorrem quando o vendedor situa-se em Estado diverso do comprador (contribuinte do ICMS), tendo por fim definir a qual Estado pertence o ICMS. Para resolver  problema, criou-se um critério de repartição, por meio das alíquotas interestaduais, que se aplicam às operações interestaduais.

O comprador (contribuinte) da mercadoria receberá um crédito, referente ao imposto pago nas etapas anteriores, e este poderá abater do imposto referente à futura venda da mercadoria, isto considerando que o ICMS é um imposto não cumulativo (art. 155, §2º, I, CF).

Assim, ao aplicar a alíquota interestadual do imposto inferior à alíquota interna, o comprador situado no Estado de destino deixará de recolher parte da alíquota, fazendo com que a arrecadação seja dividida entre os Estados envolvidos, conforme previsto no artigo 155, § 2º, VIII, da Constituição Federal.

Nos casos em que o destinatário final não for contribuinte do ICMS, o imposto será cobrado totalmente no Estado do vendedor. É o que ocorre na venda no comércio eletrônico direto para o consumidor final. Nesta situação, a Constituição Federal, em seu artigo 155, §2º, VII, b, determina a adoção de alíquota interna, nas operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final localizado em outro Estado, quando o destinatário não for contribuinte do imposto.

Assim prevê a Constituição, literalmente:

Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias (...)
§2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
(...)
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele”.

Com o vultoso crescimento do comércio eletrônico, os Estados predominantemente produtores têm se valido de sua competência arrecadatória e de sua capacidade fabril, para ampliar a arrecadação sobre a incidência sobre produtos comercializados pela internet. Ao tempo em que nos Estados predominantemente consumidores, a arrecadação tem ficado estagnada ou ainda presencia-se decréscimo de receita, pelo fato de não terem mercados produtores expressivos.

Para Letícia Canut, o comércio eletrônico é entendido como toda relação jurídica onerosa estabelecida para fornecimento de produto ou serviço, realizado por meio de uma rede de computadores (CANUT, 2007, p.135).

O comércio eletrônico é instrumento de grande importância para o desenvolvimento econômico, e se caracteriza pela compra, venda e troca de produtos e ainda podendo-se incluir a prestação de serviços ao cliente, via rede mundial de computadores (internet). (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2001).

Atualmente é que a legislação tributária não responde as demandas de um comércio eletrônico sempre maior, com uma tributação com base constitucional elaborada no século passado[3].

A disparidade arrecadatória é motivo de ampliação das desigualdades regionais, com reflexo direto nos Municípios que recebem, por participação, fração dos recursos do ICMS, conforme artigo 158, IV, da Constituição.

Neste aspecto, o ICMS destoa dos objetivos da República Federativa do Brasil e tem servido para acentuar ainda mais as diferenças (MACHADO. 2006. p.372).


[1] Ver: www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/estatísticas, acesso em 03/08/2013.
[2] Com exceção dos Estados de Minas Gerais, Paraná e São Paulo, que possuem alíquota interna de 18%, e do Rio de Janeiro, com 19%, todos os demais Estados de federação adotam alíquota interna de 17%.
[3] De fato, a Constituição prevê que quando, por exemplo, um produto produzido em São Paulo for vendido no mercado varejista da Bahia a alíquota é dividida entre os dois Estados, sendo que 11% ficam no Estado onde o produto foi vendido ao consumidor final e 7% ao Estado produtor. No caso da compra on-line a Constituição prevê que todo o tributo fique no Estado de origem.