DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A criminalização da falta de recolhimento do ICMS

Velocino Pacheco Filho
A conduta delituosa prevista no inciso II do art. 2º da Lei 8.137/1990 não é apenas deixar de recolher tributo no prazo legal, mas deixar de recolher tributo descontado ou cobrado. Incorre nesse crime o responsável tributário, conforme definido no inciso II do parágrafo único do art. 121 do CTN, os seja aquele a quem a lei atribui o dever de recolher o tributo no lugar do contribuinte. O exemplo perfeito é a retenção de Imposto de Renda pela fonte pagadora.

Mas, incorreria também nesse crime o contribuinte do ICMS que deixasse de recolher aos cofres públicos o ICMS declarado, relativo a operações próprias? Em outras palavras, o contribuinte de direito seria um mero agente arrecadador, descontando ou cobrando o ICMS devido na operação do comprador da mercadoria – contribuinte de fato? Nesse caso, apenas o dever de recolher teria sido atribuído a um terceiro, na forma do art. 128 do CTN. Conforme José Alves Paulino (Crimes contra a Ordem Tributária: comentários à Lei 8.137/90, Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 68):

... esse substituto tributário, na verdade, tem a natureza jurídica de depositário fiel das importâncias retidas de terceiros para, no prazo legal, fixado pela lei, fazer o recolhimento delas aos cofres públicos.
É a lei formal que prevê a obrigação de retenção e, igualmente por definição legal transformou as empresas em fonte arrecadadora de tributos e contribuições devidas por terceiros.

O ICMS declarado e não pago, nos termos da legislação vigente, caracteriza evidentemente infração tributária. Como tal deve ser inscrito em dívida ativa e levado à execução, acrescido da multa respectiva. Mas, além disso, constituiria também crime, punível com pena privativa de liberdade – detenção de seis meses a dois anos?

A descrição da conduta delitiva deve ser exata. Cesare Beccaria enunciou o princípio da legalidade no direito penal nos seguintes termos: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. O princípio foi consagrado no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição da República – portanto, entre os direitos fundamentais: “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Em outros termos, somente lei em sentido estrito pode definir qual conduta deve ser considerada criminosa. Não se admitem lacunas na configuração dos tipos criminais ou nas condutas que os caracterizam. Nem mesmo as chamadas “normas penais em branco” admitem lacunas, pois o conteúdo ausente deve ser preenchido por outra norma pertencente ao sistema. Se a previsão legal for inexistente ou incompleta, não fica caracterizado o crime e, sem crime, não há punição. O direito penal é, portanto, completo. Não se admite que a analogia, os costumes ou os princípios gerais de direito criminalizem condutas quando a lei não o fez expressamente. A analogia, no direito penal, somente é admissível em favor do acusado (in bonam partem). 

Assim, a conduta para ser tida como criminosa deve ser descrita de modo pormenorizado. Caso contrário, não pode ser punida. Conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal. Vol. 1: Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 2008, p.11):

... pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras  é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida.

Ainda segundo esse autor, a descrição da conduta proibida não pode ter o seu sentido completado pelo juízo valorativo do magistrado, o que representaria grave violação à segurança jurídica e ao princípio da reserva legal.

Assim, para a caracterização do crime previsto no inciso II do art. 2º é imprescindível que o ICMS repercuta integralmente sobre o contribuinte de fato que arcaria com todo o ônus tributário. Apenas em tal hipótese o contribuinte de direito se caracterizaria como mero agente arrecadador.

Então, a falta de recolhimento do ICMS declarado pelo contribuinte de direito caracteriza o crime capitulado no inciso II do art. 2º da Lei dos crimes contra a ordem tributária?

Decidiu afirmativamente a esta questão a Quinta Turma do STJ, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 44465 SC, relator o Min. Leopoldo de Arruda Raposo, publicado no DJe 25-6-2015:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS DECLARADO PELO PRÓPRIO CONTRIBUINTE. FATO QUE SE AMOLDA, EM TESE, AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/1990. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

O relator, em seu voto, deixa claro que o contribuinte deixou de recolher aos cofres públicos os valores apurados e declarados em Declarações de Informações do ICMS e Movimento Econômico - DIMEs à Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, nos períodos de fevereiro a outubro de 2009, e dezembro de 2009 a fevereiro de 2010. Entendeu a Turma que pratica o ilícito aquele que não pagou, no prazo legal, ICMS que foi incluído em serviços ou mercadorias colocadas em circulação, mas não recolhido ao Fisco.

Contudo, em sentido contrário entendeu a Sexta Turma do mesmo Sodalício, no julgamento do REsp. 1.543.485 GO, Sexta Turma do STJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura (DJe 15-4-2016):

RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II,  DA  LEI  8.137/1990.  NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS PRÓPRIO. MERO INADIMPLEMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1.  O delito do artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.137/90 exige que o sujeito passivo desconte  ou  cobre valores de terceiro e deixe de recolher o tributo aos cofres públicos.
2. O comerciante que vende mercadorias com ICMS embutido no preço e, posteriormente,  não  realiza  o  pagamento  do tributo não deixa de repassar  ao  Fisco  valor  cobrado  ou  descontado de terceiro, mas simplesmente torna-se inadimplente de obrigação tributária própria.
3. Recurso desprovido.

Quem tem razão? A matéria discutida envolve os conceitos de contribuinte de fato e de direito. Tratando-se de impostos sobre o consumo – como é o caso do ICMS – o contribuinte de direito é aquele que realiza o fato gerador, como definido no art. 121, parágrafo único, I, do CTN. O contribuinte de fato, por sua vez, é quem sofre a repercussão do tributo ou quem arca com o seu ônus financeiro – o consumidor, em última análise.

Alfredo Augusto Becker (Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 533) distingue entre a repercussão jurídica e a repercussão econômica do tributo. A “incidência jurídica do tributo significa o nascimento do dever jurídico tributário que ocorre após a incidência da regra jurídica sobre sua hipótese de incidência realizada”. O contribuinte de direito é a pessoa que sofre a incidência jurídica do tributo. Enquanto a “pessoa que suporta definitivamente o ônus econômico do tributo (total ou parcial), por não poder repercuti-lo sobre outra pessoa, é o contribuinte ‘de fato’”. 

Ora, leciona o mesmo autor que a repercussão do ônus econômico do tributo, do contribuinte de direito para outra pessoa, poderá ser total ou parcial, bem como poderá ser sobre uma só pessoa ou sobre diversas pessoas.

.... o legislador, ao criar a incidência jurídica do tributo, simultaneamente, cria regra jurídica que outorga ao contribuinte de jure do direito de repercutir o ônus econômico do tributo sobre outra determinada pessoa. Desde logo, cumpre advertir que esta repercussão jurídica do tributo, de modo algum, significa a realização da repercussão econômica do mesmo. Esta repercussão econômica pode ocorrer apenas parcialmente ou até não se realizar, embora no plano jurídico tenha se efetivado (idem, p. 534).

Contudo, “os fatores decisivos da repercussão econômica do tributo são estranhos à natureza do tributo e determinados pela conjuntura econômico-social” (idem, p. 541). Com efeito, embora o tributo seja sempre uma componente do preço, não necessariamente será suportado pelo contribuinte de fato. Ele pode ser suportado, no todo ou em parte pelo contribuinte de direito (via redução do mark up). Quando isso acontece?

Em primeiro lugar, a capacidade de transferir o tributo ao adquirente da mercadoria depende de como o mercado daquele produto se organiza. Assim, em um mercado oligopolista (poucos vendedores e muitos compradores), quem vende pode impor o preço a quem compra, inclusive repassando integralmente o imposto que onerou a mercadoria. Contudo, no caso dos monopsônios (um só comprador) ou oligopsônios (poucos compradores e muitos vendedores) o poder de monopólio atua contrariamente à repercussão do tributo. Como exemplo, temos o mercado de fumo em folha em que temos muitos produtores vendendo o seu produto e poucos compradores que determinam o preço que irão pagar pelo produto, inclusive fazendo o tributo recair sobre os vendedores. Geralmente o ICMS relativo a produtos agrícolas é diferido, de modo que o comprador desconta do produtor e recolhe ao Erário. Nesse caso, e falta de recolhimento caracterizaria o crime previsto no inciso II do art. 2º da Lei 8.137/1990. 

Contudo, em regime de concorrência – muitos compradores e muitos vendedores – o preço é definido pela interação entre vendedores (oferta) e compradores (demanda). A empresa é uma tomadora de preços e consequentemente ela somente transfere o tributo ao adquirente se e na medida em que o mercado o permitir. A repercussão do tributo, nesse caso, depende de características do mercado do produto em questão, tais como a elasticidade-preço da demanda (i. e. como a demanda do produto reage a um aumento de preços).

Não é demais lembrar que o art. 170, IV, da Constituição consagra a livre concorrência como um dos princípios informadores da ordem econômica e que o § 4º do art. 173 determina que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Por outro lado, o art. 146-A, acrescido pela EC 42/2003, dispõe que lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência. 

Ora, em regime de concorrência, a empresa não vende o produto pelo preço que quiser, de modo a transmitir ao consumidor a integralidade do tributo. A empresa é uma tomadora de preços. Vejamos como isso ocorre: 

O preço cobrado do consumidor pode ser dividido em duas parcelas: uma que representa a remuneração do vendedor e outra que é receita do Estado (o tributo). Partindo de uma situação inicial sem tributação, a introdução do tributo implica em elevação de preço à qual os consumidores reagem diminuindo as quantidades demandadas (lei da demanda). Ao final, define-se uma nova posição de equilíbrio: novos preço e quantidade de equilíbrio. A questão é saber se a variação de preço (em relação à situação inicial) é suficiente para absorver o tributo. Caso afirmativo, a repercussão do tributo será total. Caso contrário, a repercussão será parcial e parte do tributo terá de ser absorvida pela diminuição da remuneração do vendedor. Nesse caso, o contribuinte de direito arca efetivamente com o ônus do tributo (ou parte dele) e não há que se falar em tributo “descontado ou cobrado” de terceiro como exige o art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, para ficar caracterizado o crime contra a ordem tributária.

Poder-se-ia objetar que este é um raciocínio econômico e não jurídico. Costuma-se dizer que “o direito cria suas próprias realidades”. Com efeito, o direito utiliza frequentemente ficções e presunções: ao completar 21 anos, quem na véspera era relativamente incapaz, adquire, de chofre, capacidade plena; o inimputável, passa, ao completar 18 anos, a responder criminalmente pelos seus atos. Conforme Becker, “na presunção a lei estabelece como verdadeiro um fato que provavelmente é verdadeiro; na ficção a lei estabelece como verdadeiro um fato que provavelmente ou com toda certeza é falso” (op. cit. p. 522).

O legislador lança mão de presunções e ficções para atender a propósitos de praticabilidade ou para resolver dificuldades. É por esse motivo que o legislador abandona a realidade e cria conscientemente uma falsidade. O poder do direito de criar suas próprias realidades, porém, não é ilimitado. O direito não pode revogar a lei da gravidade, nem a lei da oferta e da procura. O fato, em toda a sua complexidade não pode ser totalmente ignorado pelo direito. Em primeiro lugar, o uso de presunções e ficções deve ser justificado; em segundo, trata-se de prerrogativa do legislador e não do intérprete. 

Pois bem, o direito tributário brasileiro reconhece expressamente a repercussão econômica do tributo no art. 166 do CTN que ao tratar da restituição do indébito, para preservar os direitos do contribuinte de jure, condicionou a restituição à prova de que o requerente não repassou o ônus do tributo ao adquirente da mercadoria ou, tendo-o repassado, estar por ele autorizado a pedir restituição. Daí que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 546, do seguinte teor: “Cabe restituição de tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o ‘quantum’ respectivo”.

O requerente poderá demonstrar que arcou com o ônus do imposto e não o repassou no preço cobrado. Em outras palavras, o legislador reconhece expressamente que o tributo não necessariamente repercute sobre o contribuinte de fato, caso em que será suportado, ainda que parcialmente pelo contribuinte de direito.

Nesse caso, a criminalização da simples falta de recolhimento decorre de uma ampliação, não pretendida pelo legislador, e da adoção de uma ficção pelo intérprete (qual seja: que o tributo sempre repercute, integralmente, sobre o consumidor). Porém, a repercussão econômica não foi afastada pelo legislador positivo. Pelo contrário, ele a reconhece ao tratar de repetição do indébito.

Então, considerando a repercussão econômica, não podemos afirmar simplistamente que todo o tributo é sempre suportado pelo contribuinte de fato. Por conseguinte, não se pode afirmar que o ICMS declarado e não recolhido caracterizaria necessariamente o crime previsto no inciso II do art. 2º da Lei 8.137/1990.

Becker, com espeque em Earl R. Rolph, critica o entendimento de que o acréscimo do tributo ao preço, por si só, significa repercussão do mesmo. É o caso dos que se julgam tributados quando se lhes apresenta uma fatura em que o vendedor põe o imposto como uma das parcelas. O preço cotizado separadamente do imposto na ausência deste não seria um fato observável (BECKER, 2002, p. 541). 

O autor citado refere-se a esta visão esquemática do direito tributário, como “a simplicidade da ignorância”. O direito de reembolso – o direito de recuperar o imposto recolhido do contribuinte de fato – não constitui prova da repercussão. Mediante o direito de reembolso, ocorre no plano jurídico uma repercussão jurídica do tributo que é independente da repercussão econômica do mesmo (op. cit, p. 414).
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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A regra de contagem de prazos no direito tributário

Velocino Pacheco Filho

O art. 219 do novo Código de Processo Civil – Lei 13.105, de 2015 – adotou a regra de computarem-se somente os dias úteis, na contagem de prazos em dias. Deverá essa regra ser adotada também no direito tributário?

A resposta deve ser negativa, por dois motivos.

Em primeiro lugar, a aplicação das regras do novo CPC, conforme dispõe o § 2º do art. 1.046, as suas disposições aplicam-se apenas supletivamente aos procedimentos regulados em outras leis, como é o caso do direito tributário que tem regra própria para a contagem dos prazos – art. 210 do CTN. Trata-se da velha regra de resolução de antinomias: lex specialis derrogat generali.

Aplicação supletiva quer dizer que se aplica de modo complementar. Apenas quando o ramo do direito em questão não tiver regra própria é que pode ser aplicada a regra do CPC. Como o parágrafo único do próprio art. 219 esclarece, a regra de contagem de prazos aplica-se somente aos prazos processuais.

Em segundo lugar, o Código Tributário Nacional – Lei 5.172/1966 – embora promulgado como lei ordinária, foi recepcionado como lei complementar – conforme sua materialidade – pela Constituição de 1967, pela EC 1/1969 e pela Constituição de 1988. Nessa última a recepção foi expressa, nos termos do § 5º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Com efeito, o § 1º do art. 19 da Constituição Federal de 1967 reservou à lei complementar a competência para estabelecer normas gerais de direito tributário, dispor sobre conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regular as limitações constitucionais do poder de tributar.

O direito brasileiro não admite inconstitucionalidade formal superveniente. Assim, se determinada matéria foi tratada por lei ordinária, de acordo com o rito legislativo então em vigor e se o seu conteúdo não for contrário à nova constituição, ela será recepcionada pela nova ordem constitucional, mesmo que a nova constituição exija lei complementar para tratar da mesma matéria.

Então, se o Código Tributário Nacional adquiriu o status de lei complementar – é materialmente lei complementar – somente pode ser alterado por lei complementar. Ora, o Código de Processo Civil não é lei complementar, logo, suas disposições não tem o condão de alterar disposição do Código Tributário Nacional.

Os prazos fixados na legislação tributária continuam regendo-se pela regra do art. 210 do CTN, ou seja, são contínuos, excluindo-se na sua contag

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Em tempos de PEC 241

Velocino Pacheco Filho

Como solução heroica para equilibrar as contas públicas, o Governo propõe o engessamento do gasto público pelos próximos vinte anos, reajustado apenas pela inflação. A irresponsabilidade na gestão da coisa pública ao longo dos anos levou a isso.

Contudo, outros aspectos devem ser levados em conta, como a deterioração dos serviços públicos em geral oferecidos à população. Quem mais sofre com isso é exatamente a população de baixa renda, os mais desprotegidos, que dependem mais dos serviços oferecidos pelo Estado.

Alguns setores reclamam investimentos urgentes como saúde, educação e segurança pública. Quanto à segurança, a escalada da violência, o crime organizado e o desaparelhamento da polícia levam a crer na falência do próprio Estado que demonstra ser incapaz de proteger o cidadão e seus bens.

A falência dos serviços públicos atinge, por fim, a própria economia: a mão-de-obra disponível cada vez mais desqualificada e vulnerável à doenças; necessidade de maior gasto do setor privado em segurança, etc.

O Governo anuncia que não irá aumentar impostos, o que constitui uma política sensata, considerando que a capacidade de contribuir dos brasileiros está chegando ao seu limite. O engessamento do gasto combinado com aumento de impostos é uma receita segura para a recessão. Por outro lado, a dívida pública, como forma de financiamento do Estado, revela-se inviável pela forte pressão que provoca sobre o gasto. 

Então, como poderão ser financiados os investimentos urgentes e necessários em serviços públicos?

Dois caminhos se oferecem – embora politicamente impopulares – que devem ser enfrentados conjuntamente: a busca da maior eficiência na administração pública e a revisão dos benefícios fiscais. Qual a justificativa para a renúncia fiscal?

O art. 37 da Constituição da República consagra a eficiência como um dos princípios que informam a administração pública. A eficiência – com a eficácia como seu corolário – consiste na melhor utilização dos recursos disponíveis para obter o melhor resultado possível. Eficiência administrativa implica eliminação do desperdício, da irresponsabilidade na gestão pública, da protelação e de negociação nas licitações públicas. Eficiência administrativa tem como contrapartida a prestação de contas, a gestão transparente, o respeito pelo cidadão-contribuinte, a ética no serviço público, enfim, aquilo que na língua inglesa é designado como accountability.

Mas isso não basta! Urge revisar os benefícios fiscais que se eternizam na legislação. Todos são iguais perante a lei; todos devem contribuir para o financiamento do Estado, na medida da capacidade contributiva de cada um. A exceção a esta regra deve ser devidamente justificada. Porque alguém deve ser dispensado de uma obrigação que deve ser de todos - um dever da cidadania? 

A desoneração tributária, quando não justificada, conforme os princípios que regem o Estado democrático de direito, não passa de um privilégio odioso que beneficia alguns em detrimento da maioria. Nessa perspectiva devem ser revistos os regimes especiais de tributação e os tratamentos tributários diferenciados que impliquem dispensa de tributos concedida individualmente. A boa hermenêutica manda que tudo o que for exceção a uma regra geral, como o dever de todos de pagar impostos, deve ser interpretado restritivamente.