DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

A progressividade aparente do ITCMD em Santa Catarina

Velocino Pacheco Filho
Sempre que possível, dispõe o § 1º do art. 145 da Constituição, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Têm caráter pessoal os impostos que levam em conta as condições de cada contribuinte. A capacidade econômica (ou contributiva), por sua vez, respeita ao critério pelo qual cada um é chamado a contribuir para o financiamento do Estado.
A implementação dos princípios da pessoalidade e da capacidade econômica levam à progressividade da tributação, entendida como aplicação de alíquotas mais altas em razão do aumento da base de cálculo. Desse modo, os mais ricos contribuem em proporção maior para o financiamento da coisa pública.
A progressividade das alíquotas do ITCMD, como forma de realizar a justiça fiscal, encontrou respaldo no Pleno do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do RE 562.045 RS, rel. p/ acórdão a Min. Carmem Lúcia (DJe 233, pub. em 27-11-2013), decidiu:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
O art. 9º da Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, de Santa Catarina, adotou a progressividade de alíquotas, variando de 1% para a parcela da base de cálculo igual ou inferior a R$ 20.000,00 até 7%, para a parcela da base de cálculo que exceder a R$ 150.000,00. Esses valores ainda são os originais de 2004; apesar da inflação, eles nunca foram atualizados. 
Conforme disposto no art. 10 dessa Lei, são isentos do pagamento do imposto, o herdeiro, o legatário ou o donatário que houver sido aquinhoado com um único bem imóvel, desde que se destine à moradia própria do beneficiário que não possua qualquer outro bem imóvel e cujo valor não seja superior a R$ 20.000,00. Também está isento o herdeiro, o legatário ou o donatário, quando o valor dos bens ou direitos recebidos não exceder ao equivalente a R$ 2.000,00. Nos demais casos, a transmissão é tributada. 
Esses valores são irrisórios e fazem com que a pretendida progressividade pareça uma burla. Com a passagem do tempo e a persistência do fenômeno inflacionário, a tendência é “nivelar por cima” de modo que todos, não importa quão diminuta seja a herança, legado ou doação, passem a ser tributados pela alíquota máxima de 7%.
Além disso, a própria Constituição do Estado determina, conforme art. 130, IV, que o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação não será exigido quando o acervo hereditário ou os quinhões forem considerados irrelevantes em razão de sua reduzida expressão monetária ou o adquirente for deficiente físico ou mental incapaz de prover a própria subsistência. Essas disposições jamais foram implementadas na legislação tributária estadual, de modo que se tornaram letra morta, apesar de constarem da Lei Magna do Estado de Santa Catarina.
Para o Estado, a situação é muito cômoda! Basta não fazer nada, que a receita tributária do ITCMD tende a aumentar, sem que isto represente aumento da riqueza ou maior eficiência dos órgãos fiscalizadores.
No entanto, diz a Constituição da República que um de seus fundamentos é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). O art. 3º, III, por sua vez, elege como objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais. A progressividade das alíquotas do ITCMD colabora com a consecução desses objetivos, mas a progressividade da Lei 13.136/2004 é apenas aparente. A falta de atualização dos valores leva todos para a alíquota máxima.
A questão, contudo, tem uma componente de ordem moral. 
Klaus Tipke distingue entre a moral tributária do Estado, a moral tributária dos contribuintes e a moral tributária da Administração. A esta última refere-se o princípio da moralidade administrativa prevista no art. 37 da Constituição Federal. 
A moral tributária do Estado, segundo Tipke, repousa no princípio da capacidade econômica. Será moral o tributo que cobre de cada um conforme a sua capacidade de contribuir.
Entre nós, Marco Aurélio Greco (Notas sobre o Princípio da Moralidade, in Direito Tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. Coord. Luis Eduardo Schouri. São Paulo: Quartier Latin, 2003) leciona que “conduta imoral não é a que ‘desobedece’ um padrão prévio, mas sim a que causa ‘injustiça’ a alguém. Moralidade, pois, é conceito que só pode ser aferido em relação ao Outro que é destinatário da conduta”.
Em síntese, o crescimento da arrecadação, devida à não atualização da tabela do ITCMD, de modo que todos passem gradualmente a ser tributados pela alíquota mais alta, caracteriza uma imoralidade, na medida que subverte a progressividade e o princípio de cada um ser tributado na medida de sua capacidade econômica.