DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Base de cálculo do ITCMD

Velocino Pacheco Filho

Conforme dispõe o art. 38 do Código Tributário Nacional, a base de cálculo do imposto de transmissão o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Em Santa Catarina, o ITCMD rege-se pela Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, cujo art. 7º define a base de cálculo como o valor venal (ou de mercado) do bem ou direito, ou o valor do título ou crédito transmitido.

Contudo, a herança compreende não só bens e direitos, mas também dívidas que são assumidas pelos herdeiros. Então, o imposto deve incidir apenas sobre o valor venal dos bens e direitos ou sobre o valor deduzidas as dívidas do de cujus. 

O art. 12 da Lei 10.705/2000, do Estado de São Paulo, dispõe que “no cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”. Portanto, o Fisco paulista está obrigado a exigir o imposto, sem deduzir qualquer valor a título de dívida, enquanto estiver em vigor o referido dispositivo. Ao contribuinte restaria somente invocar a tutela jurisdicional do Estado, em defesa de seu dirteito.

Contudo, não existe dispositivo semelhante na lei catarinense. Qual deve ser a base de cálculo do ITCMD em Santa Catarina?

A quem pertencem as dívidas? Se forem do espólio, devem ser abatidas; pelo contrário, se forem encargos dos herdeiros, não podendo ser abatidas.

Leciona Luiz Eduardo de Oliveira Leite (Comentários ao Novo Código Civil, (5ª ed., volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 824) que com a abertura da sucessão (o falecimento) “instaura-se entre os herdeiros um verdadeiro condomínio sucessório, um estado de comunhão, relativamente aos bens do acervo hereditário, que só cessará com a partilha”. Para tanto, procede-se ao inventário dos bens deixados pelo autor successionis que são relacionados, descritos minuciosamente e avaliados, para possibilitar a repartição do acervo entre os herdeiros de modo a cada um receber o que é seu. Assim, à medida que prossegue o inventário, o direito dos herdeiros passa, paulatinamente, de mera expectativa de direito a direito concreto. 

Mas, como o patrimônio compreende tanto bens e direitos quanto obrigações, como devem ser tratadas as dívidas contraídas pelo de cujus? O mesmo autor responde que onde há dívidas, há responsabilidade solidária dos herdeiros. Assim, somente se pode falar em bens da herança em relação àqueles que sobram, depois de deduzidos do espólio aquilo que a outrem pertence. Portanto, antes que se proceda à distribuição da herança, deve-se atender ao pagamento das dívidas. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido que são divididas pro rata entre os herdeiros, conforme suas cotas hereditárias. 

Uma vez aberta a sucessão, as obrigações do finado se transmitem, juntamente com a herança, aos herdeiros. Mas, esses somente respondem pelas dívidas preexistentes ao falecimento do de cujus, nos limites da herança. A responsabilidade do herdeiro não é ultra vires hereditatis

Os bens constitutivos da herança respondem pelo passivo desde a abertura da sucessão até a partilha. Mas, uma vez efetuada a partilha, a responsabilidade dos herdeiros é proporcional à parte que couber a cada herdeiro. Enquanto a herança se manteve em estado de indivisão, todos os bens hereditários respondiam coletivamente, porque nenhum dos herdeiros tinha ainda direitos sobre bens certos e determinados. A partir da divisão da herança, cada herdeiro passa a responder individualmente pela satisfação das dívidas da herança, proporcionalmente à respectiva quota.

Conforme Leandro Paulsen (Direito Tributário. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p.729), a sujeição passiva do imposto é limitada à quota parte transmitida a cada herdeiro. Mas, os quinhões hereditários – i.e. as bases de cálculo – somente são conhecidas ao final do procedimento de inventário, com o esboço de partilha. 

A seu turno, Sacha Calmon Navarro Coêlho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, 458) diz que a transferência patrimonial apenas na aparência é o fato gerador do imposto. O que se tributa na verdade são os acréscimos patrimoniais obtidos pelos donatários, herdeiros e legatários. Em outras palavras, o que se tributa é o acréscimo patrimonial atribuído a cada um na partilha.

Não tem sido outra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como no RE 109.416, Primeira Turma, Rel. Min. Octavio Gallottti, DJ de 7/8/87:

IMPOSTO DE TRANSMISSÃO 'CAUSA MORTIS'. INCIDE SOBRE O MONTANTE LÍQUIDO DA HERANÇA, SENDO LÍCITO ABATER DO CÁLCULO AS DESPESAS FUNERÁRIAS PREVISTAS NO ART. 1.797 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE QUE SE CONHECE PELA LETRA 'D' DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL, PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. 

Mais recentemente, nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Agravo Nº 70038681482, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 14/10/2010):

AGRAVO. ITCD. BASE DE CÁLCULO. DÍVIDAS. NÃO INCIDÊNCIA. As dívidas não devem ser acrescidas, mas abatidas do monte-mor para efeitos de base de cálculo de tributos, razão pela qual não podem servir de base para a incidência do ITCD. NEGARAM PROVIMENTO.

Esse tem sido o entendimento majoritário como, inclusive, orienta a Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Minas Gerais, entre outros, em sua página na internet: “para se obter a base de cálculo do ITCD, deve-se avaliar a totalidade do patrimônio, abater as dívidas do falecido que tenham sido declaradas habilitadas pelo juiz e, em seguida, excluir a meação do cônjuge ou companheiro, se for o caso”. 

O art. 12 da lei paulista vigora apenas em relação ao Estado de São Paulo e, enquanto estiver em vigor, abriga apenas os servidores do Fisco paulista. Nos demais Estados, como Santa Catarina, querer adotar semelhante regra caracterizaria infração à moralidade administrativa.