Velocino Pacheco Filho
O art. 37 da Constituição Federal consagra a eficiência entre os princípios informadores da Administração Pública. Ora o lançamento tributário é uma atividade administrativa. Com efeito, o art. 3º do CTN, ao caracterizar o tributo, diz que é cobrado mediante “atividade administrativa plenamente vinculada”. Do mesmo modo, o art. 142 refere-se especificamente ao lançamento como um procedimento administrativo de constituição do crédito tributário. Assim sendo, o lançamento também deve obedecer ao princípio da eficiência.
Pois bem, como pode ser caracterizada a eficiência no lançamento tributário? O lançamento será tanto mais eficiente quanto mais perfeito tecnicamente for, de modo a passar incólume pelos controles da legalidade dos atos administrativo, interno (contencioso administrativo tributário) e externo (julgamento pelos órgãos do Poder Judiciário). Com isso, queremos dizer que o lançamento, mais que atender aos requisitos formais exigidos por lei, deve estar conforme com o devido processo legal e assegurar ao sujeito passivo tributário o contraditório e a ampla defesa. Desse modo, a peça que dá conhecimento da constituição do crédito tributária deve ser clara, completa e sem ambiguidades. O sujeito passivo deve ser informado, com transparência, do tributo que está sendo exigido, qual o fato imponível, métodos de cálculo, conjunto probatório e todas as demais informações necessárias para que possa fazer sua defesa.
O lançamento, por outro lado, somente poderá ser considerado eficiente se obtiver o melhor resultado possível, sem ferir os direitos e garantias do cidadão-contribuinte. Assim, não será eficiente o lançamento baseado em prova ilícita, obtida mediante desrespeito ao direito de privacidade. Também não será eficiente o lançamento que estabelecer diferenças injustificadas entre contribuintes em igualdade de condições.
O lançamento deve se manter de acordo com as exigências legais e com a interpretação dada às normas tributárias pela jurisprudência administrativa e judicial.
A eficiência implica também a eficácia do lançamento, ou seja, que o crédito tributário constituído seja efetivamente recolhido ao Erário. Em outras palavras, o lançamento eficiente deve poder embasar adequadamente a ação de execução fiscal.
Podemos dizer, por outro lado, que o lançamento ineficaz será necessariamente ineficiente? Ora, vejamos: o lançamento pode ser ineficaz por várias razões: (i) por defeito no próprio lançamento: erro ou imprecisão na capitulação legal da exigência, conjunto probatório falho, descrição imprecisa da infração, ou seja, ele é ineficaz porque ineficiente; (ii) por ineficiência do órgão encarregado da execução; (iii) porque a interpretação da norma tributária pelo tribunal diverge da adotada pelo Fisco; (iv) devido a subsequente lei que concede anistia, remissão etc. Podemos falar, então, em ineficácias externas que não são devidas a defeito no próprio lançamento. Resumindo, podemos dizer que o lançamento eficiente deve ser ao menos potencialmente eficaz.
Que fatores contribuem para a eficiência e eficácia do lançamento? Em primeiro lugar, a adequada capacitação dos agentes fiscais. Essa capacitação deve envolver não somente o domínio dos procedimentos de fiscalização e das ferramentas de informática disponíveis, mas também o conhecimento aprofundado dos diferentes ramos do direito envolvidos: tributário, constitucional, processual, administrativo etc. A legislação tributária deve ser clara, razoável e factível, não apenas no que se refere à obrigação principal, mas também quanto às obrigações acessórias ou instrumentais que deve ser adequadas ao objetivo colimado de fiscalização e arrecadação dos tributos. Isto por que as obrigações acessórias devem, no mínimo, atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O art. 37 da Constituição Federal também impõe à Administração os princípios da moralidade e da impessoalidade. Podemos dizer que o conceito de lançamento eficiente abrange também a moralidade administrativa e a impessoalidade na relação entre Fisco e contribuinte.
Falar em moralidade administrativa como norma de direito positivo encerra algumas dificuldades, ou melhor dizendo, perplexidades. Existe toda uma construção doutrinária para distinguir entre norma moral e norma jurídica: a norma jurídica é dotada de sanção, enquanto a transgressão da norma moral implica apenas a reprovação social. O próprio Kant equipara a norma moral ao imperativo categórico (generalização de máxima individual) e a norma jurídica ao imperativo hipotético (a consequência está vinculada a uma condição ou hipótese). O art. 37 da Carta traz a norma moral para dentro de uma norma jurídica, de modo que o descumprimento da norma moral, que constitui o antecedente da norma jurídica, acarreta a sanção prevista nesta última (conforme art. 5º, LXXIII, da CF, o ato lesivo à moralidade administrativa pode ensejar a propositura de ação popular).
Devemos ainda distinguir entre a moralidade do Estado (com base na capacidade contributiva, como propõe Klaus Tipke) e a moralidade da administração tributária (relação entre Fisco e contribuinte) que deve pautar-se na boa-fé, na lealdade e na ausência de malícia.
A impessoalidade, a seu turno, supõe que todos os contribuintes sejam tratados igualmente pela Administração, sem favoritismos ou discriminações: todos são iguais perante a lei; todos são iguais perante a Administração Tributária.
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