DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Critérios para identificação das mercadorias sujeitas ao ICMS-ST

Velocino Pacheco Filho

Uma dúvida recorrente é saber se determinada mercadoria está inclusa no regime de substituição tributária “para frente” ou não. Mais exatamente, se o sujeito passivo está obrigado a recolher antecipadamente o tributo devido nas etapas subsequentes de comercialização até o consumidor final ou não.

Para definir critérios objetivos de enquadramento, vamos nos basear em duas regras de interpretação: a) interpretação restritiva do direito excepcional e b) o conceito de reserva legal.

O art. 155, II, da Constituição Federal atribuiu aos Estados competência para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e à prestação dos serviços que menciona. O § 2º, I, do mesmo artigo diz que o imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Então, o caso normal é o imposto incidir em cada etapa de circulação da mercadoria (ou da prestação de serviço), compensando-se o imposto devido em cada etapa com o imposto que incidiu nas etapas anteriores (não-cumulatividade). O regime de substituição tributária “para frente”, que concentra toda a arrecadação em uma única etapa, ao exigir que o fabricante ou importador recolha antecipadamente todo o imposto devido nas etapas futuras, constitui exceção à não cumulatividade. 

Por conseguinte, as normas que instituem a substituição tributária, por serem normas de direito excepcional, devem ser interpretadas restritivamente, ou seja, apenas nos estritos termos da legislação. Em primeiro lugar, temos a descrição da mercadoria na lei. A mercadoria estará sujeita ao regime de substituição tributária apenas se corresponder exatamente à descrição contida na lei. A classificação da mercadoria na NCM/SH desempenha um papel subsidiário. Vejamos as seguintes hipóteses:

a) dentro de cada posição, subposição ou código da NCM/SH, estarão sujeitos à ST apenas as mercadorias que corresponderem à descrição na lei; 

b) as mercadorias abrangidas na posição, subposição ou código da NCM/SH que não corresponderem às mercadorias descritas na lei não estão submetidas à ST; e

c) no caso de conflito entre a descrição da mercadoria na lei e na NCM/SH, prevalece a descrição contida na lei.

Eventualmente, a legislação pode condicionar a inclusão da mercadoria no regime de substituição tributária à sua destinação. Nesse caso, apenas as mercadorias que tiverem essa destinação estariam sujeitas ao regime. A pergunta óbvia é: como o substituto tributário poderia saber qual a destinação que será dada à mercadoria pelo consumidor? No caso, a destinação deve ser a prevista pelo fabricante, mesmo que o consumidor lhe dê outra destinação. 

Por fim, tratando-se de norma de direito excepcional, é inviável a utilização da analogia para incluir no regime, mercadorias não descritas expressamente na lei. Isso porque, o direito excepcional afasta a possibilidade de lacuna o que inviabiliza a integração da legislação tributária, nos termos do art. 108. Ainda que fosse o caso de lacuna, o emprego da analogia é vedado pelo § 1º desse artigo.

O substituto tributário deve recolher (i) o ICMS relativo à operação própria e (ii) a antecipação, como responsável, do ICMS relativo ao fato gerador presumido. Então, no caso de inclusão por analogia de outras mercadorias no regime, estaria sendo exigido tributo não previsto em lei.

A substituição tributária nada mais é que a atribuição de responsabilidade pelo recolhimento do ICMS a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador, mas diversa do contribuinte – aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador (CTN, art. 121, p. único, I). Assim, a norma que institui a substituição tributária modifica o critério subjetivo, situado no consequente da norma de incidência tributária – ou regra matriz de incidência. 

Ora, segundo o art. 150, § 7º da Carta da República, somente a lei – em sentido formal – poderá atribuir a condição de responsável pelo pagamento de imposto cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente. Em outras palavras, somente a lei pode instituir a substituição tributária “para a frente” que, portanto, está abrangida pelo princípio da reserva legal. Conforme Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª e. São Paulo: Atlas, 2003, p. 199), se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente os campos materiais especificados pela Constituição estão submetidos ao da reserva da lei.

Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 223), por sua vez, esclarece que a lei deve conter todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária, inclusive o sujeito passivo, elementos estes que, portanto, somente podem ser definidos por lei (em sentido estrito) e não podem ser objeto de delegação ao Poder Executivo.
Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal (ADI 1.296 PE): “o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado – como o Poder Executivo – produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar”.

A sujeição da substituição tributária ao princípio da reserva legal foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (R. Esp 1.370.908 SC, rel. Min. Humberto Martins, DJe de 4-12-2014), ao decidir que a fixação do regime de substituição tributária por decreto afronta o princípio da reserva legal.
Por conseguinte, o ICMS-ST somente pode ser exigido em relação às mercadorias expressamente previstas em lei como sujeitas ao regime – mais precisamente, no caso catarinense, somente estão sujeitas ao regime de substituição tributária as mercadorias descritas na Seção V do Anexo 1 da Lei 10.297/1996. Assim, se determinada mercadoria estiver prevista em convênio – e.g. Convênio ICMS 92/2015 – mas não estiver prevista na lei estadual, não é possível cobrar o ICMS-ST. Afinal, é necessária lei em sentido formal e convênio não é lei, mas um acordo firmado pelos Poderes Executivos dos Estados, sem o concurso dos respectivos Poderes Legislativos.

O regime de substituição tributária deve ser instituído pela lei de cada Estado. Os convênios apenas dão vigência extraterritorial à legislação estadual, de modo a obrigar o contribuinte estabelecido em outro Estado a recolher o ICMS-ST nas operações interestaduais para o Estado de destino. Claro que essa possibilidade depende da mercadoria estar prevista na lei que instituiu a substituição tributária no Estado de destino. Se determinada mercadoria estiver prevista em convênio, mas não estiver prevista na lei do Estado de destino, a substituição tributária não poderá ser exigida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário