DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Velocino Pacheco Filho

          Dispõe o art. 5º, LVII, da Constituição da República que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Ou seja, presume-se a inocência; a culpa deve ser provada.

          A presunção de inocência, formulada originalmente na Magna Carta (Runnymed, 1215), constitui um dos pilares em que se assenta o direito penal moderno.  Da presunção de inocência decorre a vedação à auto-incriminação (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo), o direito de ser ouvido, o direito ao silêncio (CF, art. 5°, LXIII) etc.

          A presunção de inocência está estreitamente relacionada a outros princípios processuais como o do contraditório e da ampla defesa, do direito ao silêncio, do duplo grau de jurisdição, da produção de provas etc. Em síntese, a presunção de inocência assegura ao réu a condição de sujeito de direitos dentro da relação processual.

          Tecidas essas considerações, pergunta-se: a presunção de inocência restringe-se à esfera do direito penal ou tem aplicação em outras províncias do direito? Mais especificamente, aplica-se ao contencioso administrativo tributário?

          O art. 5°, LV, assegura expressamente a aplicação do contraditório e a ampla defesa, “com os meios e os recursos a ela inerentes”, ao processo administrativo. Por qual razão não se aplicaria também a presunção de inocência com a qual guardam tão estreita relação?

          O Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 450.971 DF, 2011) já aplicou o princípio da presunção de inocência para afastar outras conseqüências do delito enquanto não houver sentença condenatória transitada em julgado (caso de exclusão de candidato em concurso público).

          O Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, tem reconhecido a aplicação do princípio ao processo administrativo disciplinar. Assim, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 24.584 SP (DJe 8/3/2010) decidiu que “a imposição de sanção disciplinar está sujeita a garantias muito severas, entre as quais avulta de importância a observância da regra in dubio pro reu, expressão jurídica do princípio da presunção de inocência, intimamente ligado ao princípio da legalidade”. A regra invocada encontra seu correspondente na seara tributária (in dubio pro contribuinte), conforme art. 112 do Código Tributário Nacional.

          O mesmo tribunal (RMS 11.336 PE; DJ 19/2/2001, p. 188) invocou o princípio da presunção de inocência para assegurar ingresso em concurso público por não ter o candidato sofrido qualquer penalidade disciplinar.

          Então, a presunção de inocência, expressamente assegurada no direito penal e processual penal, é aplicável também à esfera disciplinar, bem como a todos os processos estatais que imponham sanções. Ninguém poderá ser considerado culpado antes que seja proferida decisão que aplique penalidade, como resultado do devido processo legal. Podemos concluir que a presunção de inocência deve ser garantida a todas as pessoas naturais ou jurídicas em suas relações com a Administração Pública.

          Conforme acórdão da Egrégia Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 471.894 SP (2006):

          “1. A responsabilidade pela prática de infração tributária, malgrado o disposto  no art. 136 do CTN, deve ser analisada com temperamentos, sobretudo quando não resta comprovado  que  a  conduta  do  vendedor  encontrava-se  inquinada  de  má-fé.  Em hipótese  como  tais,  tem  emprego  o  disposto  no  art.  137  do  CTN,  que  consagra  a responsabilidade subjetiva. Precedentes”.


          A constituição do crédito tributário, bem como sua impugnação junto aos órgãos judicantes administrativos, são modalidades de processo administrativo, de caráter contencioso e sancionatório (pois pune a prática de ilícitos fiscais). Portanto, deve ter aplicação a tais processos o princípio da presunção de inocência, enquanto não for declarada a culpa, em decisão da qual não caiba mais recurso na esfera administrativa. Antes disso, o sujeito passivo não deve sofrer nenhuma das conseqüências devidas à prática da infração. 

Um comentário:

  1. Assino embaixo!
    A dificuldade de se aplicar a presunção de inocência em contencioso administrativo-tributário talvez decorra do passado não muito remoto do nosso sistema jurídico tributário, que eu costumo chamar de "a.t.i." (antes da tecnologia da informação). Naquela época, falar em presunção de inocência do contribuinte era quase um sacrilégio. O contribuinte,alvo de fiscalização ou em processo administrativo era, simplesmente, culpado e, mesmo quando inocente, tinha que fazer um esforço sobre-humano para evitar uma punição severa. Essa cultura, obiviamente, decorria da ampla prática de sonegação, que decorria, basicamente, da falta de instrumentos eficientes por parte do Fisco para o controle do sistema tributário.

    Com os avanços tecnológicos, essa dificuldade de controle foi mudando drasticamente e, com ela, a cultura da sonegação fiscal. Hoje em dia, é muito difícil para o empresário pensar em exercer alguma atividade econômica baseada na sonegação, pois os meios de controle são muito fortes e eficientes na detecção de ilícitos tributários. Há, quer pela força ou por consciência, uma conduta lícita generalizada por parte dos contribuintes, de forma que podemos afirmar com muita segurança que não subsiste mais a antiga cultura da sonegação. Ao menos não com a intensidade de outrora. Ora, se isso é verdadeiro, também não tem mais razão de existir a crença no seio da administração tributária a presunção de que o contribuinte alvo de procedimento administrativo é culpado. Aliás, muitos conceitos do "velho direito tributário" (aquele anterior à informatização), ainda vigentes, mereciam uma revisão, como é o caso dos prazos prescricionais e decadenciais, por exemplo. Hoje em dia, ao enviar eletronicamente suas declarações, o contribuinte recebe instantaneamente as notificações pertinentes. Por que esperar, então, por 5 anos por uma prescrição ou decadência? A economia não suporta mais tal defasagem. Cinco anos é um prazo muito longo para que se possa garantir o mínimo de segurança jurídica que o mercado espera.

    Mas, voltando a falar sobre presunção de inocência, gostaria de citar um dispositivo que ainda é pouco observado e timidamente aplicado, embora tenha sido positivado em Lei Complementar, que dá suporte a essa presunção no âmbito administrativo-tributário, que é o art. 12 da LC 313/2005, que prevê o seguinte: "Presumem-se legítimos, até que a administração fazendária comprove o contrário, os documentos e atos praticados pelos contribuintes dos quais decorram o nascimento de obrigações tributárias."

    Como se vê, o nosso Ordenamento Jurídico oferece vários mecanismos que permitem adotar na esfera administrativa a presunção de inocência do contribuinte. O que precisa mudar com mais celeridade é a cultura do empresário-bandido e do contribuinte-culpado, que não tem mais razão de existir no mundo jurídico altamente informatizado e tecnológico como o nosso.

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