Velocino Pacheco Filho
Dispõe
o art. 5º, LVII, da Constituição da República que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Ou seja,
presume-se a inocência; a culpa deve ser provada.
A
presunção de inocência, formulada originalmente na Magna Carta (Runnymed,
1215), constitui um dos pilares em que se assenta o direito penal moderno. Da presunção de inocência decorre a vedação à
auto-incriminação (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo), o
direito de ser ouvido, o direito ao silêncio (CF, art. 5°, LXIII) etc.
A
presunção de inocência está estreitamente relacionada a outros princípios processuais
como o do contraditório e da ampla defesa, do direito ao silêncio, do duplo
grau de jurisdição, da produção de provas etc. Em síntese, a presunção de
inocência assegura ao réu a condição de sujeito de direitos dentro da relação
processual.
Tecidas essas considerações,
pergunta-se: a presunção de inocência restringe-se à esfera do direito penal ou
tem aplicação em outras províncias do direito? Mais especificamente, aplica-se
ao contencioso administrativo tributário?
O art. 5°,
LV, assegura expressamente a aplicação do contraditório e a ampla defesa, “com
os meios e os recursos a ela inerentes”, ao processo administrativo. Por qual
razão não se aplicaria também a presunção de inocência com a qual guardam tão
estreita relação?
O Supremo
Tribunal Federal (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 450.971 DF, 2011)
já aplicou o princípio da presunção de inocência para afastar outras
conseqüências do delito enquanto não houver sentença condenatória transitada em
julgado (caso de exclusão de candidato em concurso público).
O Superior
Tribunal de Justiça, por outro lado, tem reconhecido a aplicação do princípio
ao processo administrativo disciplinar. Assim, no Recurso Ordinário em Mandado
de Segurança 24.584 SP (DJe 8/3/2010) decidiu que “a imposição de sanção disciplinar
está sujeita a garantias muito severas, entre as quais avulta de importância a
observância da regra in dubio pro reu,
expressão jurídica do princípio da presunção de inocência, intimamente ligado
ao princípio da legalidade”. A regra invocada encontra seu correspondente na
seara tributária (in dubio pro
contribuinte), conforme art. 112 do Código Tributário Nacional.
O mesmo
tribunal (RMS 11.336 PE; DJ 19/2/2001, p. 188) invocou o princípio da presunção
de inocência para assegurar ingresso em concurso público por não ter o
candidato sofrido qualquer penalidade disciplinar.
Então, a
presunção de inocência, expressamente assegurada no direito penal e processual
penal, é aplicável também à esfera disciplinar, bem como a todos os processos
estatais que imponham sanções. Ninguém poderá ser considerado culpado antes que
seja proferida decisão que aplique penalidade, como resultado do devido
processo legal. Podemos concluir que a presunção de inocência deve ser
garantida a todas as pessoas naturais ou jurídicas em suas relações com a
Administração Pública.
Conforme
acórdão da Egrégia Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso
Especial 471.894 SP (2006):
“1. A
responsabilidade pela prática de infração tributária, malgrado o disposto no art. 136 do CTN, deve ser analisada com
temperamentos, sobretudo quando não resta comprovado que
a conduta do
vendedor encontrava-se inquinada
de má-fé. Em hipótese
como tais, tem
emprego o disposto
no art. 137
do CTN, que
consagra a responsabilidade
subjetiva. Precedentes”.
A constituição
do crédito tributário, bem como sua impugnação junto aos órgãos judicantes
administrativos, são modalidades de processo administrativo, de caráter
contencioso e sancionatório (pois pune a prática de ilícitos fiscais).
Portanto, deve ter aplicação a tais processos o princípio da presunção de
inocência, enquanto não for declarada a culpa, em decisão da qual não caiba
mais recurso na esfera administrativa. Antes disso, o sujeito passivo não deve
sofrer nenhuma das conseqüências devidas à prática da infração.
Assino embaixo!
ResponderExcluirA dificuldade de se aplicar a presunção de inocência em contencioso administrativo-tributário talvez decorra do passado não muito remoto do nosso sistema jurídico tributário, que eu costumo chamar de "a.t.i." (antes da tecnologia da informação). Naquela época, falar em presunção de inocência do contribuinte era quase um sacrilégio. O contribuinte,alvo de fiscalização ou em processo administrativo era, simplesmente, culpado e, mesmo quando inocente, tinha que fazer um esforço sobre-humano para evitar uma punição severa. Essa cultura, obiviamente, decorria da ampla prática de sonegação, que decorria, basicamente, da falta de instrumentos eficientes por parte do Fisco para o controle do sistema tributário.
Com os avanços tecnológicos, essa dificuldade de controle foi mudando drasticamente e, com ela, a cultura da sonegação fiscal. Hoje em dia, é muito difícil para o empresário pensar em exercer alguma atividade econômica baseada na sonegação, pois os meios de controle são muito fortes e eficientes na detecção de ilícitos tributários. Há, quer pela força ou por consciência, uma conduta lícita generalizada por parte dos contribuintes, de forma que podemos afirmar com muita segurança que não subsiste mais a antiga cultura da sonegação. Ao menos não com a intensidade de outrora. Ora, se isso é verdadeiro, também não tem mais razão de existir a crença no seio da administração tributária a presunção de que o contribuinte alvo de procedimento administrativo é culpado. Aliás, muitos conceitos do "velho direito tributário" (aquele anterior à informatização), ainda vigentes, mereciam uma revisão, como é o caso dos prazos prescricionais e decadenciais, por exemplo. Hoje em dia, ao enviar eletronicamente suas declarações, o contribuinte recebe instantaneamente as notificações pertinentes. Por que esperar, então, por 5 anos por uma prescrição ou decadência? A economia não suporta mais tal defasagem. Cinco anos é um prazo muito longo para que se possa garantir o mínimo de segurança jurídica que o mercado espera.
Mas, voltando a falar sobre presunção de inocência, gostaria de citar um dispositivo que ainda é pouco observado e timidamente aplicado, embora tenha sido positivado em Lei Complementar, que dá suporte a essa presunção no âmbito administrativo-tributário, que é o art. 12 da LC 313/2005, que prevê o seguinte: "Presumem-se legítimos, até que a administração fazendária comprove o contrário, os documentos e atos praticados pelos contribuintes dos quais decorram o nascimento de obrigações tributárias."
Como se vê, o nosso Ordenamento Jurídico oferece vários mecanismos que permitem adotar na esfera administrativa a presunção de inocência do contribuinte. O que precisa mudar com mais celeridade é a cultura do empresário-bandido e do contribuinte-culpado, que não tem mais razão de existir no mundo jurídico altamente informatizado e tecnológico como o nosso.