Velocino Pacheco Filho
No dia onze do corrente, Florianópolis sediou o 5º
Seminário Catarinense sobre Transparência Pública e Controle Social. Agora que
já existe uma Lei de Transparência e portais da transparência em funcionamento,
podemos perguntar: o que o cidadão está fazendo com essa informação?
Um
dos painéis teve como tema “o dever do Estado no fomento ao controle social”.
Após a exposição dos painelistas, a palavra foi franqueada ao público presente.
Uma pergunta foi feita logo de imediato: porque o Estado iria fomentar o
controle social?
Com
efeito, o senso comum nos sugere que não faz sentido o Estado estimular o
surgimento de entidades na sociedade civil com o objetivo manifesto de controle
e fiscalização das ações e políticas do Estado. Seria criar empecilhos a si
mesmo. Esse raciocínio seria válido se encararmos o Estado como uma entidade
particular, voltada para a defesa de seus interesses particulares.
Mas
não é esse o caso do Estado. Pelo contrário, quando dizemos que o interesse
público prevalece sobre os interesses particulares estamos nos referindo a um
interesse que não é o interesse do Estado como particular. Conforme Celso
Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo):
“... independentemente do fato de
ser, por definição, encarregado dos interesse públicos, o Estado pode ter,
tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares,
individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras
individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas
interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extra jurídico),
aos interesse de qualquer outro sujeito”.
Os
doutrinadores distinguem entre interesse público primário e secundário. O
interesse público primário – interesse público em sentido estrito – é o
cumprimento do ordenamento jurídico, principalmente no que se refere à
realização do bem comum e os valores adotados pela Constituição Federal. Este é
o interesse público contra o qual não prevalecem os interesses particulares. O
interesse público secundário, por sua vez, é o interesse que o Estado tem na
preservação de seu patrimônio, como toda e qualquer pessoa privada. Sobre essa
matéria, comenta Marçal Justem Filho (Curso ...):
“... não é casual que a tese da
supremacia e indisponibilidade do interesse público tenha de ser acompanhada da
diferenciação entre interesse público primário e secundário. Tal deriva do
permanente e inafastável risco de que o governante escolha fundado em sua
conveniência política pessoal ou partidária, antes do que por homenagem a um ‘Bem
Comum’ indeterminado”.
No Antigo Regime, Luiz XIV podia dizer, com
razão: “o Estado sou eu”. De fato, o Estado (o Leviatã hobbesiano) decorria do
poder do soberano; as leis expressavam a vontade do príncipe; o setor público
era financiado pelas rendas privadas da coroa. Porém, no moderno Estado
Democrático de Direito o fundamento do Estado é o Povo, as leis expressam a
vontade do povo, por meio de seus representantes eleitos; o setor público é financiado
pela contribuição de todos, na medida da capacidade contributiva de cada um.
Se
o interesse do Estado, enquanto pessoa privada, devesse prevalecer sobre o
interesse das outras pessoas privadas (o cidadão), então não seria possível
acionar o Estado para obter reparação de um dano por ele causado. Mas, não é
isso que acontece: a responsabilidade do Estado é objetiva. Se causar dano ao
particular, este deve ser indenizado.
Com
fina percepção, Raquel Cavalcanti Ramos Machado (Interesse Público e Direitos
do Contribuinte) comenta que “tendo o Estado, em última análise, surgido para
fazer valer as normas de conduta e assim tornar viável a subsistência de grupos
sociais cada vez mais complexos, não faz sentido que o Estado invoque um outro
propósito, seja ele qual for, para descumprir essas normas, tornando-as ineficazes”.
Porém,
nem sempre o administrador público tem a percepção de que o interesse público
(em sentido estrito ou interesse público primário) não é o mesmo que o
interesse do Estado como pessoa particular (ou interesse público secundário).
Nisso reside o erro de querer administrar o Estado como se fosse uma empresa. O
Estado tem outro interesse, além da preservação do seu patrimônio: o interesse
primordial do Estado é a realização do bem comum, a garantia dos direitos
fundamentais do cidadão, o cumprimento dos valores albergados na Constituição,
a realização do ordenamento jurídico, enfim.
Assim,
é do interesse do Estado fomentar o controle dos seus atos pela sociedade civil
e do fiel cumprimento da lei. Se o diretor de uma empresa deve satisfações aos
seus acionistas, também o administrador público deve satisfações aos cidadãos
que constituem a verdadeira fonte do poder.
Calha à fiveleta o caso de exposição da remuneração individual do servidor, sendo que tais dados constam de forma institucional e já transparente. Tal exposição individual e nominal do servidor não atende ao interesse público, parecendo-se mais com uma instituição da comuna.
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