DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Inteligência do art. 43 da Lei 10.297/1996 de Santa Catarina

Velocino Pacheco Filho

Dispõe o § 7º do art. 150 da Constituição Federal que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão somente pode ser concedido mediante lei da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g, ou seja, no caso do ICMS, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, na forma prevista em lei complementar.

Entretanto, o art. 43 da Lei 10.297/1996, de Santa Catarina, autoriza o Poder Executivo, sempre que outro Estado ou o Distrito Federal conceder benefícios fiscais ou financeiros de que resulte redução ou eliminação, direta ou indiretamente, de ônus tributário, com inobservância do disposto na lei complementar  de que trata o art. 155, § 2°, XII, “g”, da Constituição Federal, a tomar as medidas necessárias para a proteção dos interesses da economia catarinense.

O dispositivo depende, para sua aplicação, de ser demonstrado que: (i) outro Estado ou o Distrito Federal concedeu benefício fiscal, do qual resultou redução ou eliminação do ônus tributário; (ii) o benefício não foi autorizado por convênio Confaz, contrariando o art. 155, § 2°, XII, “g”, da Constituição Federal; (iii) o benefício em questão trouxe prejuízo à economia catarinense.

Por outro lado, o dispositivo não pode ser entendido como autorização para Santa Catarina, por sua vez, conceder benefícios fiscais não autorizados pelo Confaz, como retaliação. Nada justifica o descumprimento da Constituição.

Considerando que no Estado Democrático de Direito todos têm o dever de contribuir para com o financiamento do setor público, na medida de sua capacidade contributiva (Estado Fiscal), qualquer dispensa de tributo deve ser justificada. A justificativa pode ser com base no próprio princípio da igualdade ou em razões de extrafiscalidade. Se, nos termos do art. 150, II, é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, então, a contrario sensu, deve ser dado tratamento diferenciado entre contribuintes que não se encontram em situação equivalente. 

A extrafiscalidade como justificativa para tratamento tributário diferenciado não se limita a induzir comportamentos, mas deve estar voltada para a realização de valores albergados pela Constituição, do bem comum e do interesse público. A extrafiscalidade deve estar alinhada com os objetivos fundamentais da República. Caso contrário, se o tratamento tributário diferenciado visa apenas beneficiar alguns, estamos diante do “privilégio odioso”, repudiado pela moral e pelo direito.

Um exemplo de mau uso do art. 43 encontramos no art. 196 do Anexo 3 do Regulamento do ICMS de Santa Catarina.  Ele diz que “poderá” ser concedido crédito presumido a medicamentos etc., na saída subsequente à sua importação, calculado sobre o valor da operação própria, “de acordo com a faixa de receita bruta anual auferida pelo beneficiário”. 

O que justifica esse benefício? Mais ainda, o que justifica a sua graduação em função da receita bruta anual?

Além disso, conforme dispõe o § 1º do mesmo artigo, o benefício depende de concessão de regime especial pelo Secretário de Estado da Fazenda e de um “protocolo de intenções” firmado com o Estado. Ora, crédito tributário, por definição, é indisponível. Ou seja, A Administração, inclusive o titular da Pasta da Fazenda, não é “dona” do tributo; não pode dispor livremente do crédito tributário. Não há poder discricionário para conceder ou não benefício fiscal. A autoridade pode apenas verificar se estão presentes os requisitos previstos em lei para a sua fruição. Em caso afirmativo, ele deve ser concedido. O art. 37 da Constituição elege, entre os princípios que informa a Administração Pública, o da impessoalidade: a Administração não pode demonstrar preferências; todos são iguais perante a Administração.

Porque o crédito tributário é indisponível ele não pode ser objeto de acordos, contratos ou protocolos de intenções. O crédito tributário rege-se apenas pela lei.

Além disso, o benefício é condicionado a que o beneficiário contribua com o Fundosocial – Fundo de Desenvolvimento Social, instituído pela Lei 13.334/2005, destinado a financiar programas e ações de desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão e promoção social, no campo e nas cidades, no Estado de Santa Catarina, inclusive nas áreas da cultura, esporte e turismo, educação especial e educação superior. 

Contudo, o art. 167, IV, da Constituição, veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino e de outras hipóteses que enumera. Uma “contribuição” sem a qual o contribuinte não consegue o benefício não é voluntária, mas compulsória. À evidência, não passa de uma forma de burlar a vedação contida no art. 167, IV, da Constituição. Apenas no que se refere à educação especial e educação superior podemos considerar como aceitável esse desvio de recursos tributários. Isto por que somente a lei orçamentária pode definir a alocação da receita tributária.

O Fundosocial poderia ser justificado nos termos do parágrafo único do art. 204 da Constituição que autoriza os Estados a vincular a programas de apoio à inclusão e promoção social até 0,5% da receita tributária líquida? Não. O conceito de receita tributária líquida somente faz sentido em relação ao orçamento (receita de todos os tributos de competência dos Estados diminuído da parcela transferida aos Municípios). Não pode simplesmente ser subtraída para essa finalidade uma parcela do ICMS devido.

Chega? Tem mais! O benefício fiscal também é condicionado a uma contribuição – inominada – à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável, sem qualquer suporte em lei. Se a lei não pode vincular receita de impostos, menos ainda pode o decreto que é expedido pelo Executivo para a fiel execução das leis, conforme art. 84, IV, in fine, da Constituição Federal.

Não seria mais fácil cumprir a Constituição e não ficar construindo legislações tortuosas? 

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