DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

ICMS municipal e valor de transferência

Velocino Pacheco Filho

          Dispõe o art. 158, IV, da Constituição Federal que pertencem aos Municípios 25% do produto da arrecadação do ICMS. Acrescenta o parágrafo único do mesmo artigo que a participação de cada município será de, no mínimo ¾ (75%), na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas em seu território. Já a definição de valor adicionado, para essa finalidade, conforme art. 161, I, cabe a lei complementar.

          Conforme dispõe a Lei Complementar 63/1990, art. 3º, § 1º, o valor adicionado, para cada Município, é definido como a diferença entre o valor das mercadorias saídas de seu território, acrescido do valor das prestações de serviços, e o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil.

          Por outro lado, a Lei Complementar 87/1996, arts. 12, I, e 13, I, considera a base de cálculo nas operações com mercadorias – saída da mercadoria de estabelecimento de contribuinte – o valor da operação. O valor da operação (de circulação de mercadoria) nada mais é que o preço da mercadoria, resultado de um acordo de vontades entre comprador e vendedor. Esse é o valor da mercadoria. No magistério de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro), “a base de cálculo será o valor da operação pela qual a mercadoria saiu do estabelecimento do contribuinte de jure. Tal operação, na imensa maioria dos casos, é a compra e venda feita pelo produtor ou comerciante, ou pelas pessoas equiparadas a um ou ao outro. Excepcionalmente poderá ser outro negócio jurídico com valor definido e incontestável”.

          Mas, qual será o valor da operação no caso das transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular? Nesse caso, não há um “preço” pactuado entre comprador e vendedor. O valor da mercadoria será atribuído pela empresa, apenas para contabilizar a transferência.

          Mas, como desse valor da mercadoria depende o cálculo do valor adicionado e, por conseguinte, a participação do Município na arrecadação do ICMS, sua fixação não pode ficar ao inteiro alvedrio do contribuinte. É necessário que o Estado imponha regras para evitar que algum Município seja prejudicado.

          A regra existente é a do art. 15 da Lei Complementar 87/1996, a qual dispõe que na falta do valor a que se refere o art. 13 (preço), a base de cálculo do imposto será:

          (i) o preço corrente da mercadoria no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador, inclusive de energia elétrica;

          (ii) o preço FOB estabelecimento industrial à vista, caso o remetente seja industrial;
         
          (iii) o preço FOB estabelecimento comercial à vista, na venda a outros comerciantes ou industriais, caso o remetente seja comerciante.

          Ou seja, o valor da mercadoria é o preço pelo qual foi comercializada, mas se este não existir, será adotado o preço de mercado – i.e. o preço pelo qual aquela mercadoria seria normalmente comercializada no mercado. Uma hipótese de falta de valor da operação é a transferência entre estabelecimentos de mesma titularidade. Podemos então dizer que, nas transferências, deverá ser adotado o preço de mercado, conforme art. 15 da LC 87/96.

          No entanto, quando a transferência for entre estabelecimentos localizados em Estados diferentes, dispõe o § 4º do art. 13 da Lei Complementar 87/96 que a base de cálculo do imposto é:

          (i) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;

          (ii) o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;

          (iii) tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.

          Então, nas transferências interestaduais, como há regra própria, não se aplica a regra do art. 15. As mercadorias, nesse caso, devem ser transferidas pelo preço de custo (entrada mais recente, no caso de empresa mercantil, ou o custo de produção, no caso de empresa industrial). Tratando-se de regra da Lei Complementar 87/96, que trata de normas gerais em matéria de ICMS, o Estado não tem competência para legislar de modo contrário.

          Esse entendimento é também o defendido por Ives Gandra da Silva Martins e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza em recente artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário:

              “Esse conceito ‘valor da operação’ não oferece dificuldades, quando a saída ocorre em decorrência de um negócio jurídico, de uma operação implicando a transferência jurídica da titularidade da mercadoria de um para outro sujeito, pois, nessas hipóteses, ela equivale ao preço, critério apto a mensurar o negócio jurídico celebrado, que representa o pressuposto de fato da incidência do ICMS, em toda a sua complexidade e dimensão econômica”.

          “Se, entretanto, a transferência se dá entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica situados em diferentes Estados da Federação, em que ocorre a incidência do imposto como forma de atribuir a cada um deles o montante do imposto gerado pela circulação ocorrida em seu território, inexiste o critério preço, a partir do qual normalmente se estrutura o valor da operação”.

          Nesse mesmo sentido, decidiu a Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp. 347,477 MG (DJ 28-3-2003, p. 255). Do voto da relatora, Min. Eliana Calmon, extraímos o seguinte trecho: “a transferência da mercadoria deu-se de um estabelecimento para outro, da mesma empresa, mas localizado em outro Estado da Federação, hipótese que tem regra própria específica, prevista no § 4º, III, do art. 13, da LC 87/96, para o qual o custo da mercadoria é a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento. Daí a necessidade de se fazer o custo contábil, sem nenhuma eiva de ilegalidade”.

                É que as operações interestaduais tem outra lógica, diferente da das operações internas, qual seja, visa a distribuição da receita tributária entre o Estado de origem da mercadoria e o de destino. Eis porque a transferência, nesse caso, deve ser feita a preço de custo.

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