Velocino Pacheco
Filho
Dispõe
o art. 158, IV, da Constituição Federal que pertencem aos Municípios 25% do
produto da arrecadação do ICMS. Acrescenta o parágrafo único do mesmo artigo
que a participação de cada município será de, no mínimo ¾ (75%), na proporção
do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas
prestações de serviços realizadas em seu território. Já a definição de valor
adicionado, para essa finalidade, conforme art. 161, I, cabe a lei
complementar.
Conforme
dispõe a Lei Complementar 63/1990, art. 3º, § 1º, o valor adicionado, para cada
Município, é definido como a diferença entre o valor das mercadorias saídas de
seu território, acrescido do valor das prestações de serviços, e o valor das
mercadorias entradas, em cada ano civil.
Por
outro lado, a Lei Complementar 87/1996, arts. 12, I, e 13, I, considera a base
de cálculo nas operações com mercadorias – saída da mercadoria de
estabelecimento de contribuinte – o valor da operação. O valor da operação (de
circulação de mercadoria) nada mais é que o preço da mercadoria, resultado de
um acordo de vontades entre comprador e vendedor. Esse é o valor da mercadoria.
No magistério de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro), “a base de
cálculo será o valor da operação pela qual a mercadoria saiu do estabelecimento
do contribuinte de jure. Tal
operação, na imensa maioria dos casos, é a compra e venda feita pelo produtor
ou comerciante, ou pelas pessoas equiparadas a um ou ao outro. Excepcionalmente
poderá ser outro negócio jurídico com valor definido e incontestável”.
Mas,
qual será o valor da operação no caso das transferências entre estabelecimentos
pertencentes ao mesmo titular? Nesse caso, não há um “preço” pactuado entre
comprador e vendedor. O valor da mercadoria será atribuído pela empresa, apenas
para contabilizar a transferência.
Mas,
como desse valor da mercadoria depende o cálculo do valor adicionado e, por
conseguinte, a participação do Município na arrecadação do ICMS, sua fixação
não pode ficar ao inteiro alvedrio do contribuinte. É necessário que o Estado
imponha regras para evitar que algum Município seja prejudicado.
A
regra existente é a do art. 15 da Lei Complementar 87/1996, a qual dispõe que
na falta do valor a que se refere o art. 13 (preço), a base de cálculo do
imposto será:
(i)
o preço corrente da mercadoria no mercado atacadista do local da operação ou,
na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor,
extrator ou gerador, inclusive de energia elétrica;
(ii)
o preço FOB estabelecimento industrial à vista, caso o remetente seja
industrial;
(iii)
o preço FOB estabelecimento comercial à vista, na venda a outros comerciantes
ou industriais, caso o remetente seja comerciante.
Ou
seja, o valor da mercadoria é o preço pelo qual foi comercializada, mas se este
não existir, será adotado o preço de mercado – i.e. o preço pelo qual aquela mercadoria seria normalmente
comercializada no mercado. Uma hipótese de falta de valor da operação é a
transferência entre estabelecimentos de mesma titularidade. Podemos então dizer
que, nas transferências, deverá ser adotado o preço de mercado, conforme art.
15 da LC 87/96.
No
entanto, quando a transferência for entre estabelecimentos localizados em
Estados diferentes, dispõe o § 4º do art. 13 da Lei Complementar 87/96 que a
base de cálculo do imposto é:
(i)
o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
(ii)
o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da
matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;
(iii)
tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no
mercado atacadista do estabelecimento remetente.
Então,
nas transferências interestaduais, como há regra própria, não se aplica a regra
do art. 15. As mercadorias, nesse caso, devem ser transferidas pelo preço de
custo (entrada mais recente, no caso de empresa mercantil, ou o custo de
produção, no caso de empresa industrial). Tratando-se de regra da Lei
Complementar 87/96, que trata de normas gerais em matéria de ICMS, o Estado não
tem competência para legislar de modo contrário.
Esse
entendimento é também o defendido por Ives Gandra da Silva Martins e Fátima
Fernandes Rodrigues de Souza em recente artigo publicado na Revista Dialética
de Direito Tributário:
“Esse conceito ‘valor da operação’
não oferece dificuldades, quando a saída ocorre em decorrência de um negócio
jurídico, de uma operação implicando a transferência jurídica da titularidade
da mercadoria de um para outro sujeito, pois, nessas hipóteses, ela equivale ao
preço, critério apto a mensurar o negócio jurídico celebrado, que representa o
pressuposto de fato da incidência do ICMS, em toda a sua complexidade e
dimensão econômica”.
“Se,
entretanto, a transferência se dá entre estabelecimentos da mesma pessoa
jurídica situados em diferentes Estados da Federação, em que ocorre a
incidência do imposto como forma de atribuir a cada um deles o montante do
imposto gerado pela circulação ocorrida em seu território, inexiste o critério
preço, a partir do qual normalmente se estrutura o valor da operação”.
Nesse
mesmo sentido, decidiu a Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp. 347,477
MG (DJ 28-3-2003, p. 255). Do voto da relatora, Min. Eliana Calmon, extraímos o
seguinte trecho: “a transferência da mercadoria deu-se de um estabelecimento
para outro, da mesma empresa, mas localizado em outro Estado da Federação,
hipótese que tem regra própria específica, prevista no § 4º, III, do art. 13,
da LC 87/96, para o qual o custo da mercadoria é a soma do custo da
matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento. Daí a
necessidade de se fazer o custo contábil, sem nenhuma eiva de ilegalidade”.
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