DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Redução da base de cálculo: um caso de isenção parcial.

Velocino Pacheco Filho
  
          O ICMS é um imposto plurifásico não-cumulativo, ou seja: (i) incide em todas as fases do ciclo de comercialização e (ii) o imposto devido em uma fase pode ser compensado com o imposto que onerou a(s) fase(s) anterior(es). Este é o chamado “crédito” fiscal do ICMS. Trata-se de um “crédito” especialmente vocacionado à liquidação do débito tributário.

          Ora, dispõe o art. 155, § 2º, II, “b” da Constituição Federal que “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Se o “crédito” existe exclusivamente para compensar o imposto devido, então, se não houver imposto devido (por causa da isenção ou da não incidência), o “crédito” perde sua razão de existir, razão por que deve ser estornado.

          No mesmo sentido, o art. 23 da Lei 10.297/1996, de Santa Catarina, dispõe que “o crédito será apropriado proporcionalmente, nos casos em que a operação ou prestação subsequente for beneficiada por redução de base de cálculo”. Nesses casos, o tributo incide apenas parcialmente, considerando que a base de cálculo é a expressão financeira do fato gerador (a sua “perspectiva dimensível”, como dizia Geraldo Ataliba).

          Com efeito, ensina Souto Maior Borges que a s isenções podem ser totais e parciais. “As isenções totais excluem o nascimento da obrigação tributária, enquanto que, nas isenções parciais, surge o fato gerador da tributação, constituindo-se, portanto, a obrigação tributária, embora o ‘quantum’ do débito seja inferior ao que seria devido se não tivesse sido estabelecido preceito isentivo”.

          Esse entendimento mereceu acolhida junto ao Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 174.478, relator para o acórdão o Min. Cezar Paluzo, em 17 de março de 2005, que entendeu tratar-se de “favor fiscal que, mutilando o aspecto quantitativo da base de cálculo, corresponderia à figura da isenção parcial, sendo aplicável, dessa forma, o art. 155, § 2º, II, b, da CF/88, que determina a anulação do crédito relativo às operações anteriores de isenção ou não incidência nas subsequentes".

          Mais recentemente, a Segunda Turma do STF, no AgRg no RE 471.511, rel. Min. Joaquim Barbosa (RDDT 200, p. 209, 2012) reafirmou que:

          “1. Segundo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Fedeal, as figuras da redução da base de cálculo e da isenção parcial se equiparam. Portanto, ausente autorização específica, pode a autoridade fiscal proibir o registro de crédito de ICMS proporcional ao valor exonerado (art. 155, § 2º, II, b, da Constituição”.

          Em sede de doutrina, leciona Paulo de Barros Carvalho (Teoria da Norma Tributária) que o legislador, na busca do dimensionamento do fato que irá desencadear o vínculo jurídico, constitui uma grandeza para medir a intensidade do comportamento do contribuinte e que, juntamente com a alíquota vai constituir o critério quantitativo da respectiva regra-matriz:

          “Por base de cálculo entendemos aquela grandeza instituída na consequência das endonormas tributárias e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico e, como função paralela, confirmar o critério material da hipóteses endonormativa”.

          Assim, o legislador define “uma grandeza para medir a materialidade do evento e um fator que lhe será aplicado para a devida apuração do montante que satisfaz a pretensão do credor”. Essa grandeza permite que se possa saber “a intensidade do comportamento humano que a ela se relaciona”.

          Conforme o mesmo autor (Curso de Direito Tributário), as isenções estão contidas em regras de estrutura e não em regras de comportamento, eis que não estão voltadas para o comportamento das pessoas, nas suas relações de intersubjetividade, mas prescrevem o relacionamento que as normas de conduta devem manter entre si.

          Assim, “a regra de isenção investe contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os parcialmente”, ou seja, subtraindo parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente. O fenômeno da incidência tributária resulta, pois, do encontro da regra-matriz de incidência tributária com a regra de isenção, “com seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos critérios da hipótese ou da consequência da primeira (regra-matriz)”.

          Relembrando os conceitos, o antecedente da norma de incidência tributária (regra-matriz) contém a descrição do fato gerador (na acepção de hipótese de incidência) com seus três critérios (material, espacial e temporal). Já o consequente abriga a obrigação tributária, com seus critérios subjetivo (sujeitos ativo e passivo da obrigação) e quantitativo (base de cálculo e alíquota). A base de cálculo dimensiona a intensidade do fato tributável, enquanto a alíquota determina a intensidade com que a tributação incide sobre esse mesmo dimensionamento. A alíquota representa a parcela do fato gerador, em sua perspectiva dimensível, que constitui a incidência tributária.

          Porém, quando o legislador faz incidir a alíquota sobre apenas uma parte da base de cálculo, o tributo está atingindo apenas uma parte do dimensionamento do fato gerador. A regra-matriz está sendo mutilada apenas em parte do critério quantitativo, mais precisamente, atinge apenas parte da base de cálculo. Isso permite conceituar que a redução da base de cálculo do tributo implica dizer que a incidência do tributo é parcial ou, o que é equivalente, que a isenção é parcial.

          Redução de base de cálculo não se confunde com alíquota. A alíquota (que mede a intensidade com que a tributação atinge o fato gerador no seu aspecto dimensível) tem limitações, como, por exemplo, a prevista no art. 155, § 2º, VI, da CF: as alíquotas internas não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais, cuja competência, para fixar essas últimas é do Senado Federal.

                Assim, no caso de redução de base de cálculo, o crédito somente pode ser apropriado proporcionalmente, enquanto o mesmo não sucede tratando-se de alíquota.

Um comentário:

  1. Redução da base de cálculo é benefício fiscal e, como tal, necessita do referendum do CONFAZ, nos termos da Lei Complementar nº 24/1975.

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