DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Como a substituição tributária modifica a norma de incidência?

Velocino Pacheco Filho
A importância crescente da substituição tributária na arrecadação do ICMS justifica uma incursão mais aprofundada em seus aspectos teóricos. Do ponto de vista formal, o que caracteriza a substituição tributária, relativamente à estrutura da norma de incidência tributária?
A norma de incidência tributária estabelece uma relação de dever ser entre o titular do direito subjetivo e a pessoa obrigada à sua satisfação (obrigação tributária). Contudo, o nascimento da obrigação depende da ocorrência, no mundo, de fato concreto que corresponda ao fato gerador hipoteticamente descrito no antecedente da norma. Eis que a norma de incidência tributária tem a estrutura de uma proposição deôntica condicionada.
As proposições condicionadas são do tipo [Se A, então B], em que A e B são proposições simples do tipo sujeito-cópula-predicado. A proposição A (antecedente ou descritor) contém a condição que, no caso da norma tributária, corresponde à descrição do fato gerador ou hipótese de incidência. Por sua vez a proposição B (consequente ou prescritor) contém a obrigação tributária. A ocorrência concreta do fato (condição) descrito no antecedente, resulta no surgimento da obrigação tributária prevista no consequente.
A doutrina identifica cinco aspectos (Ataliba) ou critérios (Barros Carvalho) na norma de incidência tributária: três no antecedente (material, especial e temporal) e dois no consequente (quantitativo, compreendendo alíquota e base de cálculo, e subjetivo – sujeitos ativo e passivo).  A norma de incidência do ICMS tem normalmente a seguinte configuração:
Se [X é A], então [X deve ser B]
Em que:
X é o contribuinte;
A é o fato gerador do imposto (realizar operações de circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação);
B é a obrigação tributária de recolher o imposto devido
A concretização da condição prevista no antecedente traz como consequência o nascimento da obrigação de recolher o imposto. A primeira proposição é simplesmente declaratória de um fato (realizar operação de circulação de mercadorias), mas a segunda estabelece uma obrigação, ou seja, um dever-ser indicado pela cópula deôntica “deve” ou “é obrigado a”. 
Note-se que o sujeito da proposição antecedente (quem pratica o fato eleito como fato gerador da obrigação tributária) é também o sujeito da proposição consequente (está obrigado ao pagamento do tributo). X é dito contribuinte porque “tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador” da obrigação tributária (CTN, art. 121, parágrafo único, I); X é o sujeito passivo direto.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, o núcleo da hipótese de incidência (critério material) é composto (apenas) por um verbo e seu complemento, descrevendo abstratamente uma atuação estatal ou um fato do particular. Contudo, se há um verbo, necessariamente deve haver um sujeito da ação. Afinal, o antecedente assume a forma de uma proposição simples do tipo sujeito-cópula-predicado. Entretanto, esse autor ignora a existência do sujeito da proposição antecedente, o que não deve ter maior relevância, já que a proposição antecedente e a proposição consequente normalmente têm o mesmo sujeito.
Mas, a norma de incidência da substituição tributária difere justamente quanto ao sujeito passivo, apresentando a seguinte configuração:
Se [X é A], então [Y deve ser B]
Nesse caso, o sujeito em ambas as proposições já não é o mesmo. X é que tem relação direta e pessoal com o fato gerador (contribuinte), mas a obrigação de recolher o tributo não é de X mas de Y que é o sujeito passivo indireto ou substituto tributário. Conforme Sacha Calmon Navarro Coelho: “a pessoa designada na lei como realizadora da hipótese de incidência (fato gerador) é diversa da que, na consequência da norma, aparece como designada como sujeito passivo da obrigação”. Esse autor critica Paulo de Barros Carvalho por negar a presença de um aspecto pessoal no antecedente da norma. Com efeito, em termos lógicos, o antecedente (protase) é, por sua vez, uma proposição simples que deve ter necessariamente um sujeito ligado ao predicado pela cópula. 
Mas, adverte o mesmo autor, o terceiro que figura como sujeito no consequente (apódose) não paga dívida alheia: paga dívida própria. Apenas não realizou o fato gerador. A obrigação tributária, como relação jurídica, surge originalmente em relação ao substituto o que é diferente dela surgir em relação ao contribuinte e posteriormente transferir-se a terceiro, em virtude de evento subsequente. Assim, tanto o substituto como o contribuinte se caracterizariam como sujeitos passivos diretos da obrigação tributária.
A substituição tributária pode ser entendida como técnica de arrecadação, instituída no interesse da Fazenda Pública e para sua estrita conveniência. Contudo, o legislador não é livre para eleger como substituto quem melhor lhe convier, pois este deve estar “vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação”, conforme dispõe o art. 128 do CTN. 
A exigência de vinculação visa colocar o substituto em posição de se ressarcir do tributo junto ao substituído. Assim, no caso de substituição por fatos geradores antecedentes ou concomitantes, a vinculação fica evidenciada pelo fato dos substitutos serem a própria fonte pagadora e, portanto, em condições de reter o tributo. No caso da substituição por fatos geradores futuros (“para frente”), o substituto escolhido situa-se no início do ciclo de comercialização, de modo a poder reter o imposto do substituído antecipadamente.

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