Velocino Pacheco Filho
Aos Estados a Constituição da República deferiu a competência para instituir imposto (ICMS) sobre (a) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a (b) prestação de serviço de transporte (exceto o realizado dentro do território do mesmo Município) e de comunicação, nos termos do art. 155, II.
Os Municípios, por sua vez, são competentes para instituir imposto (ISS) sobre serviços de qualquer natureza, desde que (a) não estejam compreendidos na competência tributária dos Estados e (b) estejam definidos em lei complementar, conforme art. 156, III da Lei Maior. Os serviços de competência dos Estados são apenas os de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Mas, qual deverá ser o tratamento da prestação de serviços que envolva fornecimento de mercadorias (ou, inversamente, o fornecimento de mercadorias que envolva prestação de serviços)? Dispõe a Lei Complementar 87/1996, art. 2º, IV, que incide o imposto estadual sobre “o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. Nesse caso, a base de cálculo do ICMS é o valor da operação (LC 87/1996, art. 12, VIII, a, c/c art. 13, IV, a).
Por outro lado, a Lei Complementar 116/2003, art. 1º, § 2º, dispõe que, ressalvadas as exceções expressas na própria Lista, os serviços mencionados na Lista de Serviços (anexa à mesma lei complementar) não ficam sujeitos ao ICMS, ainda que sua prestação envolva o fornecimento de mercadorias. Conforme art. 7º da mesma Lei Complementar, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço.
Porém, a própria Lista de Serviços pode ressalvar a incidência do ICMS sobre as mercadorias fornecidas juntamente com a prestação do serviço. Nesse caso, a base de cálculo do ICMS é o preço corrente da mercadoria fornecida ou empregada (LC 87/96, art. 12, VIII, b, c/c art. 13, IV, b).
Em síntese, no caso de prestação de serviço com fornecimento de mercadoria, podemos definir os seguinte critérios de demarcação da respectiva incidência dos dois impostos:
(a) o serviço prestado consta da Lista de Serviços: incide apenas o ISS;
(b) o serviço prestado não consta da Lista de Serviço: incide apenas o ICMS;
(c) o serviço prestado consta da Lista de Serviço que, entretanto, faz ressalva da incidência do ICMS sobre a mercadoria fornecida ou empregada na prestação: incidem ambos os impostos.
Contudo, se o produto resultante destinar-se à revenda ou à agregação a produto destinado à revenda, fica descaracterizada a prestação de serviço, passando a incidir o ICMS estadual. Recente precedente do Supremo Tribunal Federal (Medida Cautelar na ação Direta de Inconstitucionalidade 4.389 DF, relator Min. Joaquim Barbosa – RDDT 191, 2011, pp. 488-505) decidiu que “o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS”.
O critério de demarcação adotado pelo legislador é objetivo e, aparentemente, de fácil aplicação. Mesmo assim, tem havido controvérsias.
Seja, por exemplo, o caso de uma empresa que fornece a seus clientes, fotos pessoais ou imagem disponível na página da empresa, impressas em tecido tipo tela ou papel fotográfico, de acordo com o pedido do cliente, devidamente esticada e fixada com grampos de metal sobre a madeira ou, no caso de quadro emoldurado, é utilizada, como suporte da imagem, uma placa de espuma sintética laminada com papel em ambos os lados. Finalmente, vidro e moldura são integrados ao produto, que é acondicionado em embalagem para remessa ao encomendante.
A Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 prevê a incidência do ISS sobre:
13.04 – Reprografia, microfilmagem e digitalização.
14.07 – Colocação de molduras e congêneres.
A Lista de Serviços não ressalva a incidência do ICMS sobre os materiais utilizados na prestação de serviços. Incide, portanto, exclusivamente o ISS, de competência dos Municípios.
No entanto, o Estado tem exigido ICMS sob o argumento de que o “interesse do cliente é a compra do objeto decorativo, e não a contratação de qualquer tipo de serviço nos termos admitidos anteriormente, de modo que a obrigação de fazer é meramente acessória à obrigação de dar”. Ou seja, o entendimento do Fisco estadual é que “o objeto da operação é a fabricação de artefato decorativo, conforme modelo e formato definidos pelo comprador (mercadorias sob encomenda, portanto)”.
Aplicando ao caso os critérios de demarcação eleitos pelo legislador, temos:
(a) Os serviços de reprodução de imagem e de colocação de moldura constam da Lista de Serviço? Sim.
(b) A Lista de Serviços excepciona os materiais fornecidos ou empregados na prestação do serviço? Não.
(c) Finalmente, as reproduções, devidamente emolduradas, se destinam à revenda? Não, se destinam ao uso do encomendante.
Logo, trata-se de prestação de serviços, tributada pelo ISS, afastada a incidência do ICMS.
Não compete ao Fisco afastar os critérios objetivos de demarcação, adotados pelo legislador, substituindo-os por outros, de caráter subjetivo, conforme sua própria concepção do fato gerador do tributo. Estamos diante do que K. Engish refere-se como contradições valorativas não imanentes, ou seja, valorações do intérprete e aplicador do direito que não se harmonizam com as valorações do legislador. Trata-se, nesse caso, de valorações trazidas de fora do sistema e, portanto, em conflito com a lei.
O mesmo se dá com a confecção de carimbos, confeccionado de acordo com especificações do próprio encomendante, para seu uso. Incide apenas o ISS porque está expressamente previsto na Lista de Serviços:
24.01 – Serviços de chaveiros, confecção de carimbos, placas, sinalização visual, banners, adesivos e congêneres.
O argumento de se tratar de mercadoria fabricada por encomenda e, portanto, sujeita à incidência do ICMS, estaria correta se não estivesse prevista na Lista de Serviço, a teor do disposto no art. 2º, IV, da Lei Complementar 87/1996: “O imposto incide sobre o fornecimento de mercadorias com prestação de serviço não compreendido na competência tributária dos Municípios”. Mas, como o serviço está previsto na Lista, incide o ISS e não o ICMS.
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