Velocino Pacheco Filho
Cada área do conhecimento desenvolve a sua própria linguagem, às vezes emprestando sentido mais específico a palavras e expressões da linguagem geral. O direito tributário não é exceção. A necessidade de maior precisão na formulação de conceitos força o desenvolvimento de um linguajar próprio que não é o resultado de mero pedantismo ou do desejo de “falar difícil”.
Vejamos o caso da expressão “benefício fiscal”. À evidência, todo tratamento tributário que beneficie alguém, ainda que seja a totalidade dos contribuintes, pode ser qualificado como benefício. Mas quando se fala em “benefício fiscal” em linguagem técnica e não na linguagem vulgar, se está a referir a algo mais específico.
O princípio da isonomia (todos são iguais perante a lei) que, no caso do direito tributário, traduz-se em uma vedação ao tratamento tributário diferenciado a contribuintes que se encontram em situação equivalente, resulta no reconhecimento de que todos devem contribuir para o custeio do Estado, na medida da sua capacidade contributiva.
O “benefício fiscal” define-se como um regime de tributação que resulte em uma vantagem para o beneficiado ou um desagravamento perante o regime normal. Nesse sentido, a Constituição Federal dispõe no art. 150, § 2º, XII, g, que compete à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. A Lei Complementar 24/1975, art. 2º, § 2º, por sua vez, dispõe que “a concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados”.
Todas essas medidas adotadas pelo legislador revelam o cuidado na concessão de tratamento que não é dispensado à totalidade dos contribuintes, mas apenas a alguns. Por isso mesmo, essa diferença de tratamento deve ser justificada com base na capacidade contributiva de cada um ou, no caso de extrafiscalidade, de outro princípio ou valor constitucional (erradicação da pobreza, redução das desigualdades, desenvolvimento nacional, dignidade da pessoa humana etc.). Com efeito, benefícios fiscais são medidas de caráter excepcional instituídas para a proteção de interesses públicos que são de relevância maior que a própria tributação cuja incidência afastam.
Os benefícios fiscais são, portanto, privilégios, porém justificados pelos valores e princípios explícita ou implicitamente albergados pela Constituição. Nisso se diferenciam os benefícios fiscais dos privilégios odiosos que atendem apenas aos interesses particulares dos respectivos beneficiários. Isto não quer dizer que todos os benefícios fiscais previstos na legislação o sejam verdadeiramente. Alguns benefícios são de fato privilégios odiosos, travestidos em benefícios fiscais como lobos em pele de cordeiro.
Os benefícios fiscais ou privilégios não-odiosos são legitimados por considerações de justiça, como exceções à regra geral que obriga a todos contribuir para o financiamento do setor público na medida da capacidade contributiva de cada um.
O tratamento tributário, embora mais benéfico, quando concedido a todos e não se dirija especificamente a um segmento de contribuintes, não se caracteriza como benefício fiscal. É o caso das imunidades que são restrições constitucionais à competência para instituir tributos. Se o art. 150, VI, b, veda a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto seu objetivo é valorizar a liberdade de culto, dirigindo-se a qualquer culto religioso, desde a macumba até o budismo, sem distinção. As imunidades não são benefícios fiscais.
O que dizer da adoção do regime de créditos financeiros – trata-se de benefício fiscal? Sem dúvida, a ampliação do universo dos créditos apropriáveis (compensando o imposto a recolher) beneficia os contribuintes. Mas não são benefícios fiscais em sentido técnico. O seu uso em um texto jurídico representa uma escolha imprópria e irrefletida de palavras.
No caso do ICMS, dispõe o art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal que o imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. A não-cumulatividade é restrita às operações de comércio ou abrange também a saída das indústrias? No caso das indústrias, temos de considerar como crédito também o ICMS que onerou os insumos utilizados para a produção das mercadorias. E quanto aos bens do ativo imobilizado que não se consomem nem são incorporados ao novo produto, mas representam custo de produção?
Dispõe o inciso XII, c, do mesmo parágrafo que cabe à lei complementar “disciplinar o regime de compensação do imposto”. A lei complementar é que vai definir se o regime é de créditos físicos ou financeiros. Ora, o art. 20 da Lei Complementar 87/1996 assegura ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada a seu uso ou consumo ou ao ativo permanente. Ficou consagrado assim, no direito tributário brasileiro, o regime de créditos financeiros, embora alguns itens (bens de uso e consumo do estabelecimento) tenham suspensa a sua entrada em vigor.
Não se trata de regra de exceção ou privilégio de alguns. Pelo contrário, aplica-se a todos os contribuintes do imposto. Não é benefício fiscal, mas apenas a “regra do jogo”.
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