DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

domingo, 6 de setembro de 2015

A LEGITIMIDADE SOCIOLÓGICA DO PODER FISCAL

Fabiano Ramalho 

Sabemos que a legitimidade jurídica do imposto decorre de sua conformidade com ordenamento jurídico, especialmente com os princípios e regras jurídicas que norteiam a sua criação. Mas, além da legitimidade jurídica, o imposto precisa de uma legitimidade sociológica para alcançar sua plena eficácia. Vale dizer que a legitimidade jurídica do imposto repousa na sua legitimidade sociológica.

O imposto legítimo, do ponto de vista sociológico, é aquele que parece justo e necessário para o contribuinte. E ele vai parecer necessário na medida em que servir para fazer face às despesas do Estado, sendo que a preocupação, nesse caso, está em encontrar o tipo adequado de imposto a ser instituído, aqui incluída a reflexão sobre quais contribuintes deverão suportá-lo e em que medida. Para o contribuinte, necessário é imposto que é suficiente para a satisfação dessas despesas, e nada mais do que isso.

A grande dificuldade nesse ponto é definir o que é necessário e suficiente. Parece evidente que a definição desses conceitos deve passar pelas análises de eficiência e probidade administrativa, austeridade e responsabilidade econômica e fiscal, moralidade pública, etc. Conjugando todos esses fatores, teremos mais chance de acertar o que é efetivamente necessário e suficiente em termos de imposição tributária, na visão do contribuinte.

Mas tanto a necessidade quanto a suficiência, nessa versão qualificada, terão que adequar-se, ainda, a um limite lógico de imposição. Nesse sentido, é válida a fórmula encontrada na Curva de Laffer[1], que demonstra o tamanho máximo da carga tributária que o estado pode dispor para alcançar o máximo de receita possível. Parece lógico que a totalidade das despesas estatais tem que caber nesse limite máximo de receita tributária. Qualquer desajuste nessa fórmula acarretará ou numa arrecadação subdimensionada ou numa arrecadação sobredimensionada, sendo que, nesse último caso, teremos, muito além da diminuição da procura (no balanço da oferta e procura), do consumo e da poupança, a perda da legitimidade sociológica do imposto.



Perceba que nessa discussão sobre a necessidade do imposto, estamos definindo o contorno do próprio modelo de Estado que queremos (liberal, patrimonialista, social-democrata, etc.), pois o discurso daí resultante servirá como ideologia hegemônica para a justificação da atuação estatal e do poder político.

Talvez por isso é que, do ponto de vista da justiça fiscal, seja mais difícil de conceber o imposto ideal, já que não é possível estabelecer um consenso unitário sobre o modelo ideal de Estado e sua forma de atuação e organização. Talvez a melhor noção de justiça fiscal seja aquela que se apega majoritariamente ao princípio da igualdade fiscal, ou seja, a capacidade do sistema jurídico-tributário de tratar igualmente contribuintes que se encontrem em situações equivalentes.

Nessa concepção, os impostos ditos indiretos, como aqueles que incidem sobre o consumo, seriam os que possuem uma aritmética mais confortável para demonstrar essa justiça, pois incidem na exata medida em que o contribuinte consome, modelo que comumente denominamos de justiça distributiva. Thomas Hobbes já dizia, no seu Léviathan, que “quando os impostos são assentados sobre aquilo que as pessoas consomem, cada um paga igualmente por aquilo que usa e a República não se frustra pelo desperdício de certos particulares”. Afinal, Hobbes se perguntava “por qual razão aquele que trabalha muito e que, poupando os frutos do seu trabalho, consome pouco, sofreria ele maior imposição do que aquele que, vivendo sem fazer nada, tem poucos rendimentos e os gasta integralmente?[2]   

Mas a igualdade fiscal comporta ainda os impostos ditos diretos, como aqueles que incidem sobre a renda e o patrimônio. Aqui cada um contribui de forma proporcional ao seu status social, segundo a riqueza que ostenta. Quanto maior essa riqueza, maior será a imposição fiscal, o que se alcança por meio da aplicação de alíquotas progressivas, modelo que comumente denominados de justiça distributiva.

Não é difícil de perceber que essa forma de estabelecer a igualdade, e, portanto, a justiça fiscal, apresenta enormes dificuldades, estando não raras vezes vinculada às lutas de classes e à própria ideologia política reinante, pois traz para o universo tributário elementos de uma justiça social determinada, que não é necessariamente unânime entre os contribuintes.

É por isso que, como sugerimos acima, a legitimidade sociológica do imposto depende e condiciona a legitimidade do poder político vigente, assumindo, em certo aspecto, a função de instrumento de dominação social pelo controle da distribuição das riquezas.

Perceba que o debate não é simples, principalmente se levarmos em consideração que o mesmo Estado que estabelece o modelo de tributação que se espera legítimo, não é, ele mesmo, capaz de estabelecer um conjunto de princípios legítimos para o exercício do poder político. Ou seja, a legitimidade sociológica do imposto será maior ou menor, segundo a ética política reinante.

Mas, pressupondo um Estado legítimo e eficiente no desenvolvimento de princípios hegemônicos, nossa preocupação ficaria, portanto, restrita ao aprimoramento da justiça fiscal. É nesse aspecto que surge com maior relevância a necessidade de manter amplos e permanentes espaços de debate, onde seja possível compartilhar as diferentes noções de justiça presentes nos mais distintos grupos de contribuintes, a fim de dotar de dinâmica e movimento a questão da legitimidade do imposto. Afinal, Direito, Estado e Sociedade são conceitos vivos, que estão em constante mudança, sobretudo no nosso mundo globalizado.

Mais do que isso, é preciso dar efetividade às soluções que são encontradas nesses espaços, traduzindo-as em normas jurídicas que aperfeiçoem, por assim dizer, a imposição tributária. Ou seja, a legitimidade sociológica do imposto será maior ou menor, segundo a ética tributária reinante.

Eu poderia continuar desenvolvendo esses argumentos, mas eu espero que a essa altura você já tenha percebido que a questão da justiça tributária e, consequentemente, da legitimidade sociológica do imposto é complexa e está intimamente relacionada com os valores políticos, jurídicos e sociais vigentes. A sua equalização e parametrização com base nesses valores é condição essencial para o aperfeiçoamento e validade do poder fiscal e, por extensão, do próprio Estado e da Sociedade.

E, talvez, a melhor forma de garantir que essa tarefa seja bem sucedida seja dotar de eficácia e efetividade os fóruns de debate multissetoriais que têm por finalidade o desenvolvimento e o aprimoramento da ética tributária. Não há imposto justo que sobreviva à falta de uma ética tributária consistente, o que nos leva a crer que a razão da legitimidade sociológica do imposto é diretamente proporcional à qualidade da ética tributária.






[1] LAFFER, Arthur Betz. The Ellipse: An Explication of the Laffer Curve in a Two-Factor Model, Sydney: Grenwood Press, 1986.
[2] HOBBES, Thomas. Léviathan, Paris: Sirey, 1971.

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