DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Inteligência do § 6º do art. 150 da Constituição

Velocino Pacheco Filho

Dispõe a Constituição Federal, art. 150, § 6º que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a tributos somente pode ser concedido mediante lei específica, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.

O dispositivo referido atribui à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

A regra do § 6º coloca as exonerações tributárias sob reserva de lei. Porém, no que se refere ao ICMS, a exigência de lei não deve prejudicar o disposto no art. 155, § 2º, XII, g, ou seja, a necessidade de convênio celebrado no âmbito do Confaz, nos termos da Lei Complementar 24/1975. Temos duas interpretações possíveis:

a) o convênio supre a necessidade de lei – interpretação adotada pelos Estados – caso em que os convênios podem ser implementados por decreto na legislação de cada Estado;

b) o convênio seria uma condição para os Estados concederem – por lei – exoneração do tributo, expressando a concordância das demais unidades da Federação.

Nesse último caso, o convênio apenas autoriza a concessão do benefício fiscal, mas não prescinde de lei para implementá-lo na legislação de cada Estado. Afinal, porque apenas o ICMS não estaria sujeito à reserva legal? Enquanto para todos os outros tributos é exigida lei, o ICMS dependeria apenas de convênio?

Por outro lado, porque seria exigido convênio autorizando a exoneração apenas para o ICMS? Essa é fácil! As exonerações em matéria de ICMS – por ser tributo não cumulativo – pode afetar a arrecadação das demais unidades da Federação, razão pela qual o constituinte exige a prévia concordância dos outros Estados e do Distrito Federal.

As exonerações tributárias exigem lei – em sentido formal – porque se trata, o crédito tributário, de coisa pública indisponível. A Administração não pode dispor a seu bel prazer do crédito tributário – vocacionado especialmente ao financiamento do setor público. A destinação do crédito tributário somente pode ser feita por lei (de acordo com o orçamento).


Apenas a lei, em sentido formal, expressa a vontade da maioria, através de seus representantes eleitos. A dispensa de crédito tributário deve ser discutida e votada pelo Legislativo e sancionada e publicada pelo Executivo. Deve haver a participação de ambos os poderes, Legislativo e Executivo.

Já os decretos tem origem apenas no Executivo; não se submetem à discussão e votação pelos representantes do povo – por definição, o titular da soberania. Conforme art. 84, IV, “in fine”, da Constituição, os decretos são expedidos para a fiel execução das leis. Ou seja, não podem ampliar ou restringir o disposto nas leis – apenas dispõe sobre como as leis serão cumpridas. São auxiliares em relação às leis.

Assim sendo, como se poderia admitir que os decretos suprissem a necessidade de leis? Da mesma forma, os convênios Confaz não passam de acordos entre os Executivos dos Estados e o do Distrito Federal. Também não são submetidos ao exame pelos representantes do povo, reunidos em parlamento. Convênio não é lei e não pode suprir a necessidade de lei.

A exigência de lei, no caso das exonerações tributárias, é uma imposição do princípio democrático: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Mas, a exigência de convênio, no caso de exonerações do ICMS, fundamenta-se no princípio da Federação e na igualdade essencial de todos os Estados e do Distrito Federal. São princípios distintos que devem ser buscados concomitantemente, sem que um prevaleça sobre o outro. Se o art. 1º da Constituição diz que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, devemos entender que a exigência de convênios (em nome do princípio federativo) não afasta, nem pode afastar a exigência de lei em sentido formal (para realizar o princípio democrático).

A concessão de isenções ou de benefícios fiscais, em matéria de ICMS, portanto, depende de prévio convênio autorizativo e também de expedição de lei pelo Estado ou pelo Distrito Federal.

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