Porque
o brasileiro não gosta de pagar tributos?
Velocino
Pacheco Filho
Auditor Fiscal/SC
Talvez a expressão correta não
seja “gostar”, mas aceitar que o pagamento de tributos é necessário para o bem
comum e que constitui um dever da cidadania. O brasileiro médio vê no tributo
muito mais uma extorsão por parte do Estado do que um dever do cidadão. Com
isso, a sonegação de tributos é vista como uma infração tolerável e até mesmo
elogiável. Como para os jovens espartanos, a punição, quando ocorre, não é por
sonegar, mas por se deixar apanhar.
Oliver W. Holmes, da Suprema
Corte dos Estados Unidos, definia tributo como “o que se paga para ter uma vida
civilizada”. O ilustre jurisconsulto americano via no Estado (financiado pelos
tributos) um promotor do convívio social; da vida em sociedade. Esta, certamente,
não é a percepção do brasileiro.
O Prof. Ives Gandra da Silva
Martins, um dos mais respeitados tributaristas brasileiros, considera o tributo
como “norma de rejeição social” (Teoria da Imposição Tributária, São Paulo:
Saraiva, 1983, p. 109). Argumenta esse jurista que há normas que dificilmente
seriam descumpridas, independentemente da sanção. As pessoas reconhecem a
justiça dessas normas e, na sua maioria, as cumpre. Podemos mesmo dizer que o
descumprimento de tais normas provoca a indignação e a revolta na maioria das
pessoas. Essas são normas de aceitação social.
A norma tributária, porém, na
visão desse autor, somente é obedecida por causa da sanção. A sanção “é a
própria essência do comando indicativo da obrigação. Ela é a causa da norma
obrigacional, alicerce fundamental de sua existência”. A percepção que o povo
tem do tributo é de algo que lhe é tirado indevidamente ou desmedidamente, como
acentua Ives Gandra. Pois, a receita tributária não vai ser gasta
necessariamente para atender ao interesse público, mas para satisfazer os
interesses privados dos detentores do poder (op. cit. p. 112).
De modo talvez um tanto ingênuo,
foi criado um programa nacional de educação fiscal, envolvendo órgãos da União,
dos Estados e dos Municípios, visando conscientizar o contribuinte de amanhã da
importância de recolher tributos – caberia ao cidadão contribuir para a
arrecadação, exigindo, em cada compra, a correspondente nota fiscal. Ora, as
crianças são inocentes e acreditam em seus professores. Mas, as crianças
crescem e, com a idade, vem a perda da inocência. A criancinha inocente, já
crescida, abre o jornal e lê sobre o escândalo do “mensalão”, corrupção,
malversação de verbas públicas, depredação do patrimônio público e se pergunta:
porque é mesmo que devo exigir a nota fiscal?
A proporção da riqueza gerada
apropriada pelo Estado, sob a forma de tributos, não para de crescer (a
arrecadação tributária bruta atingiu 35,31% do PIB em 2011, segundo dados da
Receita Federal do Brasil), enquanto os serviços públicos oferecidos à
população continuam precários. Para onde vai esse dinheiro? Pode ser explicado
apenas pela corrupção, pelo peculato, pelo emprego irregular de verbas
públicas, prevaricação etc? Qual o custo do desperdício, da ineficiência, da
indiferença pela conservação do patrimônio público?
Diz a Constituição (arts. 196 e
205) que saúde e educação são direito de todos e dever do Estado. Mas, para
garantir efetivamente esses “direitos”, o cidadão brasileiro é forçado a arcar
com planos de saúde privados e pagar escola particular para seus filhos.
À má conservação das vias
públicas, soma-se o clima de insegurança perante a criminalidade crescente.
Por outro lado, o Estado é mau
pagador e não honra os seus compromissos – infeliz de quem tenha precatórios para
receber! Mas quando o Estado é o credor, dispõe de privilégios a que não têm
acesso os credores privados.
Parece compreensível, nessas
circunstâncias, que o cidadão brasileiro não tenha muito entusiasmo em
contribuir para os cofres de um Estado que deveria ser – mas não é – eficiente,
transparente, legalista, impessoal e se conduzir conforme os ditames da moral,
como prescreve o art. 37 da Constituição Federal.
A educação fiscal, se quiser ser
séria e não apenas um tema para demagogia, deveria iniciar, não pelos
escolares, mas pelos políticos e pelos servidores públicos. Pois, o cumprimento
voluntário da obrigação tributária depende em grande parte de como o Estado se
comporta.
Prezado Velocino. Parabenizo-o pela elucidativa exposição de tema tão interessante e por inaugurar esse espaço democrático. A título de contribuição para o debate, destaco a opinião de Magin Pont Mestres (El problema de la resistencia fiscal: su solución a través del derecho financiero y de la educación fical, Barcelona: Bosch Casa Editorial, p. 264-265), que aborda a evasão fiscal e a educação fiscal. No seu entendimento, além de a sociedade ser em grande parte condescendente com quem pratica a evasão de tributos, outro fato relevante está relacionado à crescente deformação no comportamento habitual das administrações fazendárias. Observa que para combater a acentuada evasão de tributos não é incomum que os agentes das repartições fiscais ultrapassem suas faculdades e prerrogativas ou que as normas tributárias sejam criadas em desconformidade com a ordem jurídica. É como se entre a realidade e o pensamento se interpôs um cristal ampliador dos poderes do fisco e redutor dos direitos dos contribuintes. Finaliza que a utilização de artifícios não adequados à ordem jurídica, ainda que justificados por critérios de eficiência fiscal, ao contrário do que possa parecer, faz aumentar a resistência aos tributos.
ResponderExcluirTrata-se de uma crítica contundente do autor, tanto à sociedade como ao Estado, que embora possa aparentar excessiva, permite uma reflexão interessante.
Joacir Sevegnani
Pacheco, muito bom o comentário. O problema é velho, e vem de nossas raízes coloniais. Lembra o "santo do pau oco"? Pois é... A Inconfidência Mineira, gérmen da Independência, foi decorrência da derrama, o "quinto dos infernos..." Essa relação entre o Fisco e o contribuinte, entre nós,positivamente,não é uma relação de amor e ódio...
ResponderExcluirO entendimento é que é complexo. O direito tributário é difícil de ser compreendido e mal explicado pelo governo. De repente uma reforma ajudaria mudar esse panorama!
ResponderExcluirO brasileiro não gosta de pagar tributos assim como qualquer cidadão do mundo. Embora de alguma forma reconheça o que chamam de contrato social (ficção filosófica e jurídica), ele tem muito forte o interesse individual e a própria sobrevivência e desconfia de todos os governos que, para ele, representam o poder estabelecido.
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