DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


A ainda tão (des)esperada Reforma Tributária
          Velocino Pacheco Filho
          Auditor Fiscal/SC
          A reforma tributária tem sido um tema recorrente nos últimos vinte anos na política brasileira. Nova panacéia, ela aparece como solução para tudo: para a ingovernabilidade, para o desenvolvimento econômico e social, para a inserção do Brasil no primeiro mundo! Começou ambiciosa como reforma fiscal, preocupando-se não só com o financiamento do setor público, mas também com os gastos. Rapidamente, porém, tornou-se meramente tributária e, restringindo cada vez mais o seu campo de ação, veio a ser a reforma de um único imposto, o ICMS, como se este fosse a causa única de todos os problemas nacionais. Tacitamente se acordou que os impostos sobre a renda e sobre a propriedade não precisam ser reformados. Presume-se que estejam perfeitos da forma como estão.
          Nesses vinte anos que passaram, a nação ouviu muita discussão irrelevante: Quantos impostos devem existir no Brasil? Alguém fez a conta e descobriu que existem cinqüenta tributos. A imprensa, por não saber que tributo é o gênero e imposto a espécie, já simplificou dizendo que existem cinqüenta impostos no Brasil. Na verdade, os impostos são apenas doze – sem contar o imposto sobre grandes fortunas, que nunca foi instituído. Alguém já contou quantos tributos são cobrados na República Federal da Alemanha?
          A grande preocupação tem sido com a “simplificação” dos impostos, mesmo com o sacrifício de relevantes valores jurídicos, como o da justiça fiscal, o da isonomia, o da pessoalidade da tributação e o da capacidade contributiva. Não interessa se o tributo é injusto, desde que seja simples. A simplicidade, erigida em valor absoluto, quando levada aos extremos, ressuscita a velha fantasia dos fisiocratas: o imposto único. Os fisiocratas, pelo menos, queriam tributar uma grandeza econômica real: a terra. A versão brasileira do sonho fisiocrata elege como fato gerador a mera movimentação de numerários, abstraindo qual o fenômeno econômico que a ela corresponde.
          A primeira questão a ser enfrentada em uma reforma tributária é determinar a quem cabe o financiamento do Estado. Atualmente, devido à elevada participação dos tributos indiretos no perfil da arrecadação, o financiamento do setor público tem recaído sobre as pessoas de menor renda; sobre os mais pobres. Tributos indiretos são aqueles cujo ônus repercute, via preço, sobre o consumidor: é o caso do ICMS, do ISS, do IPI etc. Em contrapartida, os tributos diretos que incidem sobre o capital e a propriedade têm pequena expressão no perfil da arrecadação, apesar da elevada concentração de renda. Em que país do mundo a tributação do consumo é maior que o imposto de renda? Ser pobre no Brasil significa ser duplamente penalizado: a uma, por suportar o maior peso da tributação; a duas, pela precariedade dos serviços públicos postos a sua disposição.
          Outra questão fundamental é o da repartição da competência tributária em um Estado federal. Que tributos devem ser instituídos pela União, quais pelos Estados e quais pelos Municípios? A cada nível de governo devem ser assegurados recursos suficientes para o desempenho de suas atribuições. Essa discussão deve ser precedida, portanto, por outra: quais os encargos que devem ser atribuídos à União, aos Estados e aos Municípios? No Brasil, a União ocupa um espaço excessivo – tanto em relação a receitas quanto a atribuições –, em detrimento de Estados e Municípios. Em 1988, o constituinte procurou redistribuir as receitas tributárias em favor de Estados e Municípios. Corolário necessário seria a redistribuição de atribuições entre os entes federativos. Mas, nada disso foi feito: a União passou a desinteressar-se dos impostos que deveria partilhar com Estados e Municípios e a fomentar o aumento das contribuições de sua competência privativa. Com isso, a União preserva o seu poder, via “política de pires na mão”.
          A única e verdadeira reforma tributária que este País já viu foi a inaugurada pela Emenda Constitucional n° 18, de 1965, à Constituição de 1946. Pela primeira vez tivemos uma classificação dos tributos segundo métodos científicos; um conjunto claro de princípios e foram definidas as competências tributárias da União, dos Estados e dos Municípios. Em suma, pela primeira vez na história, o Brasil foi dotado de um sistema tributário digno desse nome.
          Entretanto, a adoção de um sistema tributário bem construído, alicerçado num conjunto claro de princípios harmônicos e complementares, não impediu a eclosão da “guerra fiscal” entre os Estados, a hipertrofia da União, o desrespeito aos princípios constitucionais e a “ampliação” das hipóteses de incidência tributárias além das competências deferidas pela Constituição. No afã de atrair investimentos para os seus territórios, os Estados e Municípios passaram a abrir mão de receita tributária, criando setores com tratamento privilegiado. Essa foi uma política que se revelou suicida, na medida em que a capacidade de conceder privilégios era a mesma em todas as unidades da Federação.
          Pior! Os princípios constitucionais da legalidade da tributação e da separação dos poderes foram afastados pela Lei Complementar 24, de 1975, em benefício de um colegiado de secretários de fazenda dos Estados (Confaz) ao qual se reconhece atribuições legislativas. Tal aberração, no entanto, tem sido aceita pelos tribunais superiores.
          Como podemos entender que, no âmbito de um Estado de Direito, uma lei que contrarie dispositivos constitucionais possa ser votada, aprovada, sancionada, publicada e entrar em vigor, como se constitucional fosse? Mas isso é o que acontece no Brasil. Há leis que são incompatíveis com o ordenamento constitucional, sem que contra elas se levantem os poderes da República. Mais que isso, tais leis são aplicadas pela Administração e acatadas pelos tribunais.
          A questão não é ter boas leis, mas aplicá-las bem. A reforma tributária pode não ser a panacéia prometida. A interpretação “arrevesada” das leis, as muitas formas de contornar a rigidez dos seus preceitos, o onipresente “jeitinho” brasileiro, têm a capacidade de, com o tempo, transformar a mais perfeita das reformas em algo semelhante ao que temos hoje: um sistema tributário regressivo, injusto e ineficaz.
                A reforma tributária pressupõe ampla discussão nacional, envolvendo todos os segmentos da sociedade. Pressupõe ainda uma reflexão sobre o papel do Estado e suas relações com os cidadãos. 

2 comentários:

  1. Apesar de todos os esforços para desonerar a sociedade, sabemos que o direito tributário nacional precisa de muitas evoluções...

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  2. O principal objetivo da reforma tributária é tornar o tributo mais justo e equitativo, sem desprestigiar a atividade dos fatores de produção. Os setores que recebem incentivo direto, tal com importação e exportação, DEVEM ter uma contrapartida social maior que a simples promessa de postos de trabalho, demandando esta última uma auditoria para consolidar a irreversibilidade do incentivo já concedido.

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