O art. 43 da lei catarinense
Velocino Pacheco Filho
Auditor Fiscal/SC
A Constituição Federal, art. 155, §
2º, XII, “g”, procurou evitar a “guerra fiscal” entre os Estados, dispondo que
a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais do ICMS dependesse da
concordância dos demais Estados-membros e do Distrito Federal, mediante
convênios, celebrados nos termos da Lei Complementar 24/1975.
Apesar disso, a guerra fiscal
constitui um dos mais deploráveis espetáculos que os Estados oferecem à
população brasileira. Basicamente, cada Estados-membro procura atrair investimentos
para o seu território, oferecendo benefícios fiscais, ainda que não autorizados
por convênio e em total desrespeito pela Constituição.
Contudo, a guerra fiscal é uma guerra
suicida, pois, como todos os Estados detêm a mesma competência tributária, as
vantagens oferecidas por um Estado-membro também pode ser concedida pelos
demais. Assim, o investidor decide onde investir, por outros motivos (economias
de escala, proximidade dos mercados consumidores ou das matérias-primas,
disponibilidade de mão de obra qualificada, facilidades de transporte etc.) que
não as vantagens fiscais oferecidas. Para o Estado-membro, fica apenas a
renúncia de receita.
Independentemente de tais
considerações, temos que a desenvoltura com que os Estados desobedecem a norma
constitucional explica-se pela falta de sanção, no caso de um Estado-membro
conceder benefício não autorizado por convênio.
É verdade que o art. 8º da Lei
Complementar 24 prevê sanções, a saber: (i) nulidade do ato e ineficácia do
crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria e (ii)
exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que
conceda a remissão do débito correspondente. O parágrafo único do mesmo artigo
prevê ainda presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício
e a suspensão das quotas do Fundo de Participação e de outras participações em
tributos federais.
Mas, quem teria competência para
aplicar essas sanções? O STJ tem entendido que os Estados-membros não teriam
competência para declarar a ineficácia do crédito relativo a benefício não
autorizado por convênio, dado por outro Estado-membro (LC 24, art. 8º, I),
pois, “a inconstitucionalidade deve ser previamente declarada em ADI
específica, relativa à lei do Estado de origem” (RMS 31.714 MT). Com isso,
perde-se a agilidade na aplicação da sanção, além de retirar dos Estados uma
arma para o combate à guerra fiscal.
A grande falha da sanção prevista no
art. 8º, I, é que penaliza, não o Estado infrator, mas o contribuinte que
adquire a mercadoria do Estado que concedeu irregularmente o benefício fiscal.
Os Estados são detentores do poder de tributar e do poder de exonerar. O
contribuinte, por sua vez, está obrigado à obediência da lei. O que fazer?
Simplesmente aceitar o ônus adicional da proibição do crédito? Outra hipótese
seria não adquirir mercadoria de Estado que conceda benefício fiscal não
autorizado por convênio. Nesse caso, entendo que poderia ser alegada ofensa ao
o disposto no art. 152 da Constituição que proíbe estabelecer diferença
tributária, em razão da procedência da mercadoria.
Para tornar as sanções do art. 8º
efetivas, seria preciso definir quem tem a competência para aplicá-las, qual o
procedimento ou rito adotado, a quem caberia oferecer a denúncia e, desse modo,
desencadear a prestação jurisdicional, qual o agravamento da pena no caso de
reincidência do Estado-membro infrator e outras questões.
De qualquer modo, diante da ausência
de sanção ou de definição do procedimento para aplicar as sanções previstas no
art. 8º da LV 24, o Estado de Santa Catarina, como medida preventiva, dispôs no
art. 43 da Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, que trata do ICMS nesse
Estado, que o Executivo fica autorizado a “tomar as medidas necessárias para a
proteção dos interesses da economia catarinense”, quando outro Estado-membro ou
o Distrito Federal conceder benefícios fiscais ou financeiros de que resulte
redução ou eliminação, direta ou indireta de tributo, não autorizado por
convênio celebrado no âmbito do Confaz.
O dispositivo citado tem sido
utilizado para fundamentar medida similar à adotada pelo outro Estado, ou seja,
a concessão de benefício fiscal não autorizado por convênio.
Contudo, a aplicação do art. 43
depende de demonstração do prejuízo para a economia catarinense, devida à
medida adotada pelo outro Estado.
Além disso, a medida para a proteção
da economia catarinense, a que se refere o dispositivo, não significa
necessariamente concessão de benefício fiscal não autorizado por convênio. A
celebração de convênio é condição necessária para a concessão de benefício
fiscal que não pode ser suprida pela legislação interna do Estado e que não
admite exceções.
A inconstitucionalidade cometida por
um Estado-membro não justifica nem valida idêntica inconstitucionalidade cometida
por outro.
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