DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 6 de março de 2013


Reflexão sobre a não-cumulatividade do ICMS
          Velocino Pacheco Filho
          Auditor Fiscal/SC
          O ICMS tem por fato gerador operações relativas à circulação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte e comunicação (CF, art. 155, II). Mas, ele é não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação ou prestação com o montante cobrado nas anteriores (§ 2º, I). O assim chamado “crédito” do ICMS, portanto, não passa do imposto que onerou a mercadoria em etapas anteriores de circulação. Feita a compensação, o contribuinte recolhe aos cofres públicos a diferença entre o que é devido pelas suas operações próprias e o “crédito”, considerado determinado período de tempo (apuração do imposto).
          Então, o “crédito” tem uma vocação específica, qual seja, compensar o imposto devido. Se os créditos forem maiores que os débitos, o saldo é transferido para o período seguinte. Disso podemos inferir que na falta de “débito”, não há que se falar em “crédito”. É o que determina o inciso II, “b” do já referido § 2º do art. 155 da CF: “a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Nesse caso, a determinação em contrário da legislação (i. e. a manutenção do “crédito”) representa um benefício ou favor fiscal (salvo em relação às exportações, que obedece a outro critério – a desoneração das mercadorias exportadas).
          Até aqui, as disposições são perfeitamente razoáveis e baseadas no bom senso. Mas não podemos dizer o mesmo do disposto no inciso II, “a” do mesmo parágrafo: “a isenção ou não incidência ... não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes”. Trata-se de disposição introduzida pela Emenda Constitucional 23, de 1983 (Emenda Passos Porto) que deu nova redação ao art. 23, II, da Constituição de 1969, dispositivo preservado pela Constituição de 1988.
          Esse dispositivo é o responsável por tornar o ICMS cumulativo sempre que ocorrer uma isenção no meio do ciclo de comercialização, já que o imposto dispensado será recuperado mais adiante. Desse modo, o que era para ser um benefício fiscal, resulta em aumento da arrecadação.
          Observe-se que a Constituição, ao tratar do IPI, também imposto não-cumulativo, no art. 153, § 3º, não contempla dispositivo semelhante. A Emenda Passos Porto foi conseqüência da pressão dos Estados.
          Um exercício numérico simples servirá para ilustrar o problema:       suponhamos um ciclo de comercialização com apenas três componentes. Para facilitar as contas, vamos supor uma alíquota uniforme de 8%.
          Vejamos primeiro a tributação normal, sem isenção.
Contribuinte
Valor da operação
Imposto debitado
Crédito
Imposto a recolher
A
1000,00
80,00
- 0 -
80,00
B
1200,00
96,00
80,00
16,00
C
1500,00
120,00
96,00
24,00
          O total recolhido ao Erário, nesse caso, teria sido de 120,00 (igual a aplicação da alíquota sobre a última operação).
          Vamos supor agora que a operação de B para C é isenta. Então, calculando de acordo com o inciso II do § 2º, temos:
Contribuinte
Valor da operação
Imposto debitado
Crédito
Imposto a recolher
A
1000,00
80,00
- 0 -
80,00
B
1200,00
0,00
- 0 -
0,00
C
1500,00
120,00
- 0 -
120,00
          O total recolhido ao Erário não corresponde mais a aplicação da alíquota sobre a última operação. O valor recebido pelo Estado passa a ser de 200,00.
          Vamos agora supor também que a operação de B para C é isenta, mas vamos ignorar a regra da alínea “a” do inciso II.
Contribuinte
Valor da operação
Imposto debitado
Crédito
Imposto a recolher
A
1000,00
80,00
- 0 -
80,00
B
1200,00
0,00
- 0 -
0,00
C
1500,00
120,00
96,00
24,00
          O total recolhido ao Erário nesse caso é de 104,00. A perda de arrecadação (de 120,00 para 104,00) corresponde exatamente ao valor da renúncia fiscal, devida à isenção (16,00).
            Assim, o que distorce o mecanismo da não-cumulatividade é exatamente a regra contida no art. 155, § 2º, II, “a” da Constituição Federal. A isenção, nesse caso, deixa de ser isenção, pois a receita aparentemente renunciada pelo Erário é por ele recuperada na operação subseqüente. A isenção passa a equivaler ao diferimento do pagamento do tributo ou, como diz Sacha Calmon Navarro Coelho, “o diferimento do pagamento do imposto mais não seria que o efeito da isenção tópica ou da alíquota zero quando atuantes sobre uma operação apenas da cadeia de circulação”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário