DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 9 de abril de 2013


Rastreamento de veículos via satélites é prestação de serviço de comunicação?
          Velocino Pacheco Filho
          Auditor Fiscal/SC

          Com o significativo crescimento dos roubos de caminhões e respectivas cargas, um novo ramo da prestação de serviços tem prosperado: o de monitoramento e rastreamento de veículos mediante uso de satélites artificiais e a tecnologia GPS.
          Qual o tributo que incidiria sobre essa atividade, ISS ou ICMS? Quem pode tributar o monitoramento e rastreamento de veículos: o Município ou o Estado?
          A Constituição Federal define as materialidades sobre as quais a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem instituir e cobrar impostos. Assim, o art. 156, III, da Lei Maior atribui aos Municípios competência para tributar os “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. Já conforme o art. 155, II, os Estados podem instituir imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações iniciem no exterior”.
          A incidência do ISS, portanto, depende de três condições que devem ocorrer simultaneamente: (i) tratar-se de serviço (i.e. obrigação de fazer); (ii) não estar, o serviço, compreendido na competência dos Estados (serviços de transporte ou de comunicação); e (iii) constar da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
          Trata-se de serviço: o contrato celebrado entre a empresa e seus clientes tem por objeto o monitoramento e o rastreamento dos veículos de propriedade desta última, ou seja, uma obrigação de fazer.
          O serviço enquadra-se no item 11.02 da Lista de Serviços: “vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas”.
          Resta saber se essa atividade constitui serviço de comunicação. Caso a resposta seja afirmativa, incide o ICMS estadual; caso seja negativa, incide o ISS municipal.
          Os Estados celebraram o Convênio ICMS 139/2006, concedendo redução de base de cálculo do ICMS na prestação de serviço de rastreamento e monitoramento de veículos de carga, presumindo implicitamente tratar-se de prestação de serviço de comunicação.
          O Estado de Santa Catarina, antes da celebração do referido Convênio 139/2006, havia se manifestado, na resposta à Consulta 26/2006, no sentido da não incidência do ICMS, por entender que monitoramento e rastreamento de veículos não constituem serviço de comunicação.
          Segundo Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributário, Linguagem e Método), a comunicação envolve (i) mensagem, (ii) canal, (iii) emissor, (iv) receptor, (v) o repertório, comum a emissor e receptor, necessário para a decodificação da mensagem, (vi) conexão psicológica entre emissor e receptor e (vii) o contexto ou meio onde se dá a comunicação.
          Para a mensagem ser transmitida eficientemente, é preciso que o receptor a compreenda e, para que isso ocorra, além do canal e do código, deve haver conexão psicológica entre emissor e receptor e um contexto histórico-cultural onde se dê a comunicação.
          Mas, a materialidade sobre a qual incide o ICMS não é a comunicação, mas a prestação de serviço de comunicação. Ou seja, a incidência do imposto requer o concurso de três personagens: o emissor, o receptor e o prestador de serviço de comunicação – aquele que disponibiliza, mediante remuneração, os meios para que ocorra a comunicação. Esse terceiro deve ser, tipicamente, um prestador de serviço, isto é, não pode haver relação de emprego entre o terceiro e o emissor (ou o receptor).
          Então vejamos: no caso do monitoramento e rastreamento de veículos de carga, (i) quem é o emissor da mensagem, (ii) quem é o receptor da mensagem e (iii) quem é o prestador de serviço de comunicação?
          O prestador do serviço de comunicação, se for esse o caso, somente pode ser a empresa de monitoramento e rastreamento de veículos, mesmo por que, é dela que o Estado pretende cobrar ICMS.
          O receptor, com certeza, deve ser o proprietário dos veículos de carga, monitorados e rastreados, a quem deve ser informado a sua localização.
          Agora, a pergunta difícil: quem é o emissor da mensagem? O satélite? O caminhão?
          Vamos tentar enumerar as nossas dificuldades:
          (1) tanto o caminhão como o satélite são equipamentos (seres inanimados), o primeiro de propriedade do contratante do serviço e o segundo utilizado pelo prestador do serviço (de sua propriedade ou não);
          (2) a comunicação somente é possível entre seres humanos, não entre homens e equipamentos (por mais sofisticados que sejam) – afinal, as pesquisas sobre inteligência artificial não estão tão avançadas que se possa falar em “conexão psicológica” ou “contexto cultural” entre homem e equipamento;
          (3) pela mesma razão, não há intencionalidade na emissão de sinal (informação) do caminhão para o satélite e deste para o receptor (ou para o prestador do serviço que informa o receptor).
          Então, ao que parece, a prestação de serviço de monitoramento e rastreamento de veículos de carga não caracteriza serviço de comunicação, como havia, corretamente, entendido a resposta à Consulta 26/2006 do Estado de Santa Catarina. Na mensagem emitida pelo prestador de serviço para o contratante do serviço, o serviço de comunicação é prestado pela empresa de telefonia (ou similar) e não pela prestadora de serviço de rastreamento.
          Ora, se não é serviço de comunicação (na verdade, nem existe comunicação), então não incide o ICMS e a competência para tributar é dos Municípios,conforme item 11.02 da Lista de Serviços, apesar do disposto no Convênio ICMS 139/2006.
          Afinal, convênio não é lei e o Confaz não é um corpo legislativo (trata-se de um “colegiado de demissíveis ad nutum”, como já foi lembrado). A instituição de tributo é matéria sob reserva absoluta da lei (em sentido material).
          No caso, o Convênio ICMS 139/2006 estaria criando nova hipótese de incidência do ICMS, não abrangida na competência atribuída aos Estados pela Constituição Federal.

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