Rastreamento
de veículos via satélites é prestação de serviço de comunicação?
Velocino
Pacheco Filho
Auditor Fiscal/SC
Com o significativo crescimento dos
roubos de caminhões e respectivas cargas, um novo ramo da prestação de serviços
tem prosperado: o de monitoramento e rastreamento de veículos mediante uso de
satélites artificiais e a tecnologia GPS.
Qual o tributo que incidiria sobre
essa atividade, ISS ou ICMS? Quem pode tributar o monitoramento e rastreamento
de veículos: o Município ou o Estado?
A Constituição Federal define as
materialidades sobre as quais a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios podem instituir e cobrar impostos. Assim, o art. 156, III, da Lei
Maior atribui aos Municípios competência para tributar os “serviços de qualquer
natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. Já
conforme o art. 155, II, os Estados podem instituir imposto sobre “operações
relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviço de
transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações iniciem no exterior”.
A incidência do ISS, portanto, depende
de três condições que devem ocorrer simultaneamente: (i) tratar-se de serviço
(i.e. obrigação de fazer); (ii) não estar, o serviço, compreendido na
competência dos Estados (serviços de transporte ou de comunicação); e (iii)
constar da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
Trata-se de serviço: o contrato
celebrado entre a empresa e seus clientes tem por objeto o monitoramento e o
rastreamento dos veículos de propriedade desta última, ou seja, uma obrigação
de fazer.
O serviço enquadra-se no item 11.02 da
Lista de Serviços: “vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas”.
Resta saber se essa atividade
constitui serviço de comunicação. Caso a resposta seja afirmativa, incide o
ICMS estadual; caso seja negativa, incide o ISS municipal.
Os Estados celebraram o Convênio ICMS
139/2006, concedendo redução de base de cálculo do ICMS na prestação de serviço
de rastreamento e monitoramento de veículos de carga, presumindo implicitamente
tratar-se de prestação de serviço de comunicação.
O Estado de Santa Catarina, antes da
celebração do referido Convênio 139/2006, havia se manifestado, na resposta à
Consulta 26/2006, no sentido da não incidência do ICMS, por entender que
monitoramento e rastreamento de veículos não constituem serviço de comunicação.
Segundo Paulo de Barros Carvalho
(Direito Tributário, Linguagem e Método), a comunicação envolve (i) mensagem,
(ii) canal, (iii) emissor, (iv) receptor, (v) o repertório, comum a emissor e
receptor, necessário para a decodificação da mensagem, (vi) conexão psicológica
entre emissor e receptor e (vii) o contexto ou meio onde se dá a comunicação.
Para a mensagem ser transmitida
eficientemente, é preciso que o receptor a compreenda e, para que isso ocorra,
além do canal e do código, deve haver conexão psicológica entre emissor e
receptor e um contexto histórico-cultural onde se dê a comunicação.
Mas, a materialidade sobre a qual
incide o ICMS não é a comunicação, mas a prestação de serviço de comunicação.
Ou seja, a incidência do imposto requer o concurso de três personagens: o
emissor, o receptor e o prestador de serviço de comunicação – aquele que
disponibiliza, mediante remuneração, os meios para que ocorra a comunicação.
Esse terceiro deve ser, tipicamente, um prestador de serviço, isto é, não pode
haver relação de emprego entre o terceiro e o emissor (ou o receptor).
Então vejamos: no caso do
monitoramento e rastreamento de veículos de carga, (i) quem é o emissor da
mensagem, (ii) quem é o receptor da mensagem e (iii) quem é o prestador de
serviço de comunicação?
O prestador do serviço de comunicação,
se for esse o caso, somente pode ser a empresa de monitoramento e rastreamento
de veículos, mesmo por que, é dela que o Estado pretende cobrar ICMS.
O receptor, com certeza, deve ser o
proprietário dos veículos de carga, monitorados e rastreados, a quem deve ser
informado a sua localização.
Agora, a pergunta difícil: quem é o
emissor da mensagem? O satélite? O caminhão?
Vamos tentar enumerar as nossas
dificuldades:
(1) tanto o caminhão como o satélite
são equipamentos (seres inanimados), o primeiro de propriedade do contratante
do serviço e o segundo utilizado pelo prestador do serviço (de sua propriedade
ou não);
(2) a comunicação somente é possível
entre seres humanos, não entre homens e equipamentos (por mais sofisticados que
sejam) – afinal, as pesquisas sobre inteligência artificial não estão tão
avançadas que se possa falar em “conexão psicológica” ou “contexto cultural”
entre homem e equipamento;
(3) pela mesma razão, não há
intencionalidade na emissão de sinal (informação) do caminhão para o satélite e
deste para o receptor (ou para o prestador do serviço que informa o receptor).
Então, ao que parece, a prestação de
serviço de monitoramento e rastreamento de veículos de carga não caracteriza
serviço de comunicação, como havia, corretamente, entendido a resposta à
Consulta 26/2006 do Estado de Santa Catarina. Na mensagem emitida pelo
prestador de serviço para o contratante do serviço, o serviço de comunicação é
prestado pela empresa de telefonia (ou similar) e não pela prestadora de
serviço de rastreamento.
Ora, se não é serviço de comunicação
(na verdade, nem existe comunicação), então não incide o ICMS e a competência
para tributar é dos Municípios,conforme item 11.02 da Lista de Serviços, apesar
do disposto no Convênio ICMS 139/2006.
Afinal, convênio não é lei e o Confaz
não é um corpo legislativo (trata-se de um “colegiado de demissíveis ad nutum”, como já foi lembrado). A
instituição de tributo é matéria sob reserva absoluta da lei (em sentido
material).
No caso, o Convênio ICMS 139/2006
estaria criando nova hipótese de incidência do ICMS, não abrangida na
competência atribuída aos Estados pela Constituição Federal.
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