DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 3 de abril de 2013


Pecunia non olet
          Velocino Pacheco Filho
          Auditor Fiscal/SC
          Conta-se que o Imperador Vespasiano instituiu um tributo sobre as latrinas. Na época, dispor de uma latrina em casa era um sinal exterior de riqueza e, portanto de capacidade contributiva. Interpelado por querer tributar a mal cheirosa substância, Vespasiano levou as moedas [do tributo] ao nariz e disse: “dinheiro não tem cheiro”.
          Essa a origem do princípio do non olet, sem dúvida um dos princípios tributários menos compreendidos e que mais tem causado perplexidades.
          O sentido do princípio é simples: a ilicitude do comportamento do contribuinte não afasta a incidência do tributo. Exemplo bem conhecido é o de Al Capone, o chefe do crime organizado em Chicago. Nunca conseguiram provar suas atividades criminosas, mas ele foi preso por sonegar imposto de renda (renda esta proveniente de suas atividades criminosas).
          Mas como? O fato gerador do tributo necessariamente é um fato lícito. O fato ilícito somente pode ser causa de sanção, nunca de tributo.
          Está correto. Mas o princípio do non olet não significa instituir tributo sobre fato ilícito. O fato gerador do tributo é sempre um fato lícito. Nisso estamos de acordo.
          Mas, se apesar do fato gerador, descrito na lei, ser um fato lícito, o fato concreto esteja contaminado de ilicitude, a incidência do tributo deve ser afastada?
          O art. 118, I, do Código Tributário Nacional dispõe que “a definição legal do fato gerador é interpretado abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados”. Vejamos um caso prático.
          A Constituição Federal dá competência à União para instituir imposto sobre a renda e sobre proventos de qualquer natureza (CF, art. 153, III). Esse imposto tem por fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de (i) renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; (ii) de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não caracterizados como renda.
          A percepção de rendimentos do trabalho é um fato lícito. Todavia, o rendimento percebido por um croupier, que trabalha em um cassino clandestino – já que o jogo é uma atividade ilícita no Brasil – não deve ser tributado pelo imposto de renda? Porque?
          Se os que trabalham em atividades lícitas tem seus rendimentos tributados, porque os que trabalham em atividades ilícitas não o seriam? O que justificaria semelhante privilégio fiscal?
          Exagerei no exemplo? O croupier, afinal, é um mero trabalhador – tanto quanto a prostituta é apenas uma trabalhadora. A Constituição não garante a liberdade de exercício de atividade econômica?
          E o caso do dono do cassino clandestino que recebe polpudos lucros por explorar as fraquezas humanas? Tais lucros também se caracterizam como renda e são tributáveis pelo imposto de renda. Se assim não fosse, estar-se-ia premiando a atividade ilícita, que estariam isentas do tributo exigido daqueles que exercem atividades lícitas.
          O art. 150, II, da Constituição veda instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente; não se pode cobrar o tributo de quem exerce atividade lícita e isentar quem exerce atividade ilícita. Além de contrariar o princípio da isonomia, seria profundamente injusto e imoral.
            Está vendo, Débora, o velho Imperador Vespasiano sabia das coisas!                   

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