Pecunia
non olet
Velocino
Pacheco Filho
Auditor Fiscal/SC
Conta-se que o Imperador Vespasiano
instituiu um tributo sobre as latrinas. Na época, dispor de uma latrina em casa
era um sinal exterior de riqueza e, portanto de capacidade contributiva.
Interpelado por querer tributar a mal cheirosa substância, Vespasiano levou as
moedas [do tributo] ao nariz e disse: “dinheiro não tem cheiro”.
Essa a origem do princípio do non olet, sem dúvida um dos princípios
tributários menos compreendidos e que mais tem causado perplexidades.
O sentido do princípio é simples: a
ilicitude do comportamento do contribuinte não afasta a incidência do tributo.
Exemplo bem conhecido é o de Al Capone, o chefe do crime organizado em Chicago.
Nunca conseguiram provar suas atividades criminosas, mas ele foi preso por
sonegar imposto de renda (renda esta proveniente de suas atividades
criminosas).
Mas como? O fato gerador do tributo
necessariamente é um fato lícito. O fato ilícito somente pode ser causa de
sanção, nunca de tributo.
Está correto. Mas o princípio do non olet não significa instituir tributo
sobre fato ilícito. O fato gerador do tributo é sempre um fato lícito. Nisso
estamos de acordo.
Mas, se apesar do fato gerador,
descrito na lei, ser um fato lícito, o fato concreto esteja contaminado de
ilicitude, a incidência do tributo deve ser afastada?
O art. 118, I, do Código Tributário
Nacional dispõe que “a definição legal do fato gerador é interpretado
abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados”. Vejamos
um caso prático.
A Constituição Federal dá competência
à União para instituir imposto sobre a renda e sobre proventos de qualquer
natureza (CF, art. 153, III). Esse imposto tem por fato gerador a aquisição de
disponibilidade econômica ou jurídica de (i) renda, assim entendido o produto
do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; (ii) de proventos de
qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não
caracterizados como renda.
A percepção de rendimentos do trabalho
é um fato lícito. Todavia, o rendimento percebido por um croupier, que trabalha em um cassino clandestino – já que o jogo é
uma atividade ilícita no Brasil – não deve ser tributado pelo imposto de renda?
Porque?
Se os que trabalham em atividades
lícitas tem seus rendimentos tributados, porque os que trabalham em atividades
ilícitas não o seriam? O que justificaria semelhante privilégio fiscal?
Exagerei no exemplo? O croupier, afinal, é um mero trabalhador
– tanto quanto a prostituta é apenas uma trabalhadora. A Constituição não
garante a liberdade de exercício de atividade econômica?
E o caso do dono do cassino
clandestino que recebe polpudos lucros por explorar as fraquezas humanas? Tais
lucros também se caracterizam como renda e são tributáveis pelo imposto de
renda. Se assim não fosse, estar-se-ia premiando a atividade ilícita, que
estariam isentas do tributo exigido daqueles que exercem atividades lícitas.
O art. 150, II, da Constituição veda
instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente; não se pode cobrar o tributo de quem exerce atividade lícita e isentar
quem exerce atividade ilícita. Além de contrariar o princípio da isonomia,
seria profundamente injusto e imoral.
Está
vendo, Débora, o velho Imperador Vespasiano sabia das coisas!
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