In
claris cessat interpretatio
Velocino
Pacheco Filho
O art. 209 da Lei catarinense 3.938, de
26 de dezembro de 1966, assegura ao contribuinte o direito de “formular
consulta sobre a interpretação de dispositivos da legislação tributária
estadual”. Esse direito encontra amparo no art. 5º, XXXIV, a, da Constituição
da República que assegura o direito de petição aos Poderes Públicos “em defesa
de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
Infelizmente, vem se tornando comum
recusar o recebimento de consulta formulada por contribuinte, sob a alegação de
que a lei é clara e, portanto, não cabe interpretação.
Ora o brocardo in claris cessat interpretatio deve ser aplicado com a devida
cautela. Se a lei fosse auto-explicativa, de modo que a simples transcrição dos
dispositivos legais resolvesse todas as dúvidas, não haveria necessidade de
interpretação. Também não haveria necessidade de juízes. Bastaria carregar um
computador (o computador-juiz) com a lei e com os fatos que ele produziria a
sentença, pois somente haveria um sentido possível para a lei.
Mas, o computador-juiz não existe, nem
poderia existir. A norma jurídica é plurívoca e sempre necessita de
interpretação, ou seja, da construção de significados pelo intérprete. “O
significado que a análise é capaz de atribuir aos elementos individuais é
sempre uma função do todo no qual aparecem”, ensina Alf Ross. O computador-juiz, por desconhecer a
condição humana, seria nada menos que um frio e desapiedado tirano.
“Não deve causar espanto”,
assevera Marco Aurélio Greco, “a afirmação de que a decisão jurídica não é
fruto de pura dedução lógica, mas é o produto final de um processo em que a
descoberta de algo preexistente e a criação de algo novo se reúnem, tornando o
produto final não plenamente automático e previsível”.
Já Carlos Maximiliano ensinava que “obscuras
ou claras, deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas de controvérsia ,
todas as frases jurídicas aparecem aos modernos como suscetíveis de
interpretação”.
A clareza da lei depende de quem a lê.
Um texto de direito positivo pode ser claro para um, que nele vê apenas um
sentido possível, e não ser claro para outro que vislumbra mais de um sentido.
O juízo de ser a lei clara já é um exercício de interpretação, como, de resto,
esclarece Carlos Maximiliano: “A verificação da clareza, portanto, ao invés de
dispensar a exegese, implica-a, pressupõe o uso preliminar da mesma. Para se
concluir que não existe atrás de um texto claro uma intenção efetiva
desnaturada por expressões impróprias, é necessário realizar prévio labor
interpretativo”.
Acrescenta ainda o mesmo autor que “é sobretudo
com as regras positivas bem feitas que o intérprete desempenha o seu grande
papel de renovador consciente, adaptador das fórmulas vetustas às contingências
da hora presente, com apreçar e utilizar todos os valores jurídico-sociais, –
verdadeiro sociólogo do Direito”.
Há consultas, com efeito, que são
descabidas e, para respondê-las basta a simples leitura do texto normativo. Contudo,
tais situações não são freqüentes. Quem responde deve ter o tirocínio para
distingui-las. Não pode ser considerada clara a legislação quando a “clareza”
necessite ser demonstrada.
Quando formulada de boa-fé, a consulta deve
ser respondida. O contribuinte tem direito a obter uma resposta do Fisco, direito
este garantido pela própria Constituição, como modalidade que é, a consulta, do
direito de petição.
Porém, quando a consulta é
recusada, a pretexto da legislação estar clara, por mera preguiça, arrogância
ou indiferença para com a dúvida do contribuinte, não só está sendo lesado o
direito de petição, mas ainda está sendo descumprido o preceito da moralidade
administrativa, albergado pelo art. 37 do Estatuto Supremo.
A recusa de apreciação de consulta deve ser plenamente motivada, o que implica juízo de admissibilidade, como ocorre nos tribunais. Toda decisão implica juízo e todo juízo deve ser motivado.
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