DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

terça-feira, 11 de junho de 2013

In claris cessat interpretatio 
          Velocino Pacheco Filho

O art. 209 da Lei catarinense 3.938, de 26 de dezembro de 1966, assegura ao contribuinte o direito de “formular consulta sobre a interpretação de dispositivos da legislação tributária estadual”. Esse direito encontra amparo no art. 5º, XXXIV, a, da Constituição da República que assegura o direito de petição aos Poderes Públicos “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
Infelizmente, vem se tornando comum recusar o recebimento de consulta formulada por contribuinte, sob a alegação de que a lei é clara e, portanto, não cabe interpretação.
Ora o brocardo in claris cessat interpretatio deve ser aplicado com a devida cautela. Se a lei fosse auto-explicativa, de modo que a simples transcrição dos dispositivos legais resolvesse todas as dúvidas, não haveria necessidade de interpretação. Também não haveria necessidade de juízes. Bastaria carregar um computador (o computador-juiz) com a lei e com os fatos que ele produziria a sentença, pois somente haveria um sentido possível para a lei.
Mas, o computador-juiz não existe, nem poderia existir. A norma jurídica é plurívoca e sempre necessita de interpretação, ou seja, da construção de significados pelo intérprete. “O significado que a análise é capaz de atribuir aos elementos individuais é sempre uma função do todo no qual aparecem”, ensina Alf Ross. O computador-juiz, por desconhecer a condição humana, seria nada menos que um frio e desapiedado tirano.
“Não deve causar espanto”, assevera Marco Aurélio Greco, “a afirmação de que a decisão jurídica não é fruto de pura dedução lógica, mas é o produto final de um processo em que a descoberta de algo preexistente e a criação de algo novo se reúnem, tornando o produto final não plenamente automático e previsível”.
Já Carlos Maximiliano ensinava que “obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas de controvérsia , todas as frases jurídicas aparecem aos modernos como suscetíveis de interpretação”.
A clareza da lei depende de quem a lê. Um texto de direito positivo pode ser claro para um, que nele vê apenas um sentido possível, e não ser claro para outro que vislumbra mais de um sentido. O juízo de ser a lei clara já é um exercício de interpretação, como, de resto, esclarece Carlos Maximiliano: “A verificação da clareza, portanto, ao invés de dispensar a exegese, implica-a, pressupõe o uso preliminar da mesma. Para se concluir que não existe atrás de um texto claro uma intenção efetiva desnaturada por expressões impróprias, é necessário realizar prévio labor interpretativo”.
Acrescenta ainda o mesmo autor que “é sobretudo com as regras positivas bem feitas que o intérprete desempenha o seu grande papel de renovador consciente, adaptador das fórmulas vetustas às contingências da hora presente, com apreçar e utilizar todos os valores jurídico-sociais, – verdadeiro sociólogo do Direito”.
Há consultas, com efeito, que são descabidas e, para respondê-las basta a simples leitura do texto normativo. Contudo, tais situações não são freqüentes. Quem responde deve ter o tirocínio para distingui-las. Não pode ser considerada clara a legislação quando a “clareza” necessite ser demonstrada.
Quando formulada de boa-fé, a consulta deve ser respondida. O contribuinte tem direito a obter uma resposta do Fisco, direito este garantido pela própria Constituição, como modalidade que é, a consulta, do direito de petição.

Porém, quando a consulta é recusada, a pretexto da legislação estar clara, por mera preguiça, arrogância ou indiferença para com a dúvida do contribuinte, não só está sendo lesado o direito de petição, mas ainda está sendo descumprido o preceito da moralidade administrativa, albergado pelo art. 37 do Estatuto Supremo.

Um comentário:

  1. A recusa de apreciação de consulta deve ser plenamente motivada, o que implica juízo de admissibilidade, como ocorre nos tribunais. Toda decisão implica juízo e todo juízo deve ser motivado.

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