DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 29 de maio de 2013

A extinção do crédito tributário mediante transação entre o Fisco e o sujeito passivo
Velocino Pacheco Filho

O art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que “a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em terminação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário”. O parágrafo único do mesmo artigo acrescenta que “a lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.

A aplicação da transação, portanto, requer a presença concomitante dos seguintes requisitos: (i) expressa previsão em lei; (ii) existência de litígio e (iii) concessões mútuas.
Embora prevista no CTN, a transação é pouco utilizada e, nos poucos casos em que se procurou disciplinar o instituto, acabou-se por designar como transação o parcelamento ou a dação em pagamento o que, é óbvio, não constituem transação.

Segundo Aliomar Baleeiro, a transação exige da autoridade fazendária “critério elevado e prudência acurada”. Isto por que só pode ser celebrada, “com relativo discricionarismo administrativo na apreciação das condições, conveniência e oportunidade, se a lei lhe faculta e dentro dos limites e requisitos por ela fixados”.

Já a apreciação de Eduardo Marcial Ferreira Jardim é mais radical. Segundo este autor, não há, nos lindes da tributação, lugar para a transação. Argumenta que “o aludido instituto afigura-se incompatível com as premissas concernentes à tributação, dentre elas a necessária discricionariedade que preside a transação e a vinculabilidade que permeia toda função administrativa relativa aos tributos”.

Com efeito, nos termos do art. 3º do CTN, a obrigação tributária é “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” e o parágrafo único do art. 142 determina que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.

O problema todo, portanto, reside nas “concessões mútuas” que, no caso da Fazenda Pública, se choca com o princípio da indisponibilidade do crédito tributário: a administração tributária não teria competência para dispor discricionariamente do crédito tributário.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, “o princípio da indisponibilidade dos bens públicos impõe seja necessária previsão normativa para que a autoridade competente possa entrar no regime de concessões mútuas, que é da essência da transação”.

Na lição de Diógenes Gasparini, os bens, direitos, interesses e serviços públicos não estão à livre disposição dos órgãos públicos, “a quem cabe apenas curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública”. O crédito tributário é público e indisponível: “somente a lei pode dele dispor”, sentencia Sacha Calmon Navarro Coêlho.

No entanto, apesar das bem ponderadas objeções de Ferreira Jardim, o legislador previu, entre as modalidades de extinção do crédito tributário, a transação celebrada pelos sujeitos ativo e passivo. Ora, não é permitido à Administração afastar a aplicação de dispositivo integrante do ordenamento jurídico, sem que tenha sido declarada a sua incompatibilidade com o ordenamento pelo Poder competente.

O problema, como dito, reside nas concessões por parte da Fazenda, frente à indisponibilidade do crédito tributário. Ora, a indisponibilidade do crédito tributário decorre da presunção de certeza e liquidez que lhe é atribuída. Essa presunção é que torna a Certidão de Dívida Ativa um título executivo extrajudicial, dispensando, na execução fiscal, o prévio processo de conhecimento. Contudo, essa presunção não é absoluta. Há valores que compõe o crédito tributário que abrigam alguma incerteza: é o caso do arbitramento da base de cálculo pela autoridade fiscal. Outras incertezas podem envolver a alíquota aplicável, a penalidade e sua graduação, a correção monetária ou ainda tratamentos tributários diferenciados, tais como o regime do Simples Nacional, as isenções, créditos presumidos, substituição tributária etc.

Pelo simples fato do agente notificante exigir determinada soma do contribuinte, à título de crédito tributário, não quer dizer que não possa haver alguma margem de incerteza e, portanto, não podemos falar, nesse caso, de indisponibilidade da coisa pública como um absoluto.

Com efeito, o ordenamento jurídico tributário reconhece ao sujeito passivo o direito de impugnar o crédito tributário exigido, desencadeando o processo de verificação da legalidade dessa exigência.

Temos aqui amplo espaço para a transação. Se a base de cálculo do imposto não se baseia em documentos que revelam o real valor da operação, mas foi arbitrada pela autoridade administrativa, entendo perfeitamente possíveis concessões por parte da Fazenda, sem ferir o princípio da indisponibilidade do crédito tributário. O arbitramento compreende certa margem de discricionariedade da autoridade fazendária na escolha dos critérios e parâmetros adotados. O próprio art. 148 do CTN prevê o direito do sujeito passivo à avaliação contraditória, no caso de contestação administrativa ou judicial.

Esse último ponto nos leva a uma última indagação: a transação somente pode ser invocada em sede de processo judiciário ou pode ser utilizada na fase de impugnação administrativa do crédito tributário (controle da legalidade dos atos da administração)? No entendimento de Hugo de Brito Machado, a transação somente pode ter lugar na discussão perante o Poder Judiciário, pois, como os órgãos de julgamento integram a própria Administração Pública, o processo administrativo fiscal representa apenas um controle interno da legalidade do lançamento, não restando caracterizada ainda a pretensão da Fazenda, a ensejar uma lide.


Em qualquer hipótese, a transação, se utilizada com critério, pode tornar-se um instrumento eficiente para a solução rápida de conflitos tributários e, por via de conseqüência, para o ingresso de recursos no Erário.

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