DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O SIMPLES NACIONAL E A LIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DOS ESTADOS

Velocino Pacheco Filho

          O art. 179 da Constituição Federal dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela (i) simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou (ii) pela eliminação ou (iii) redução destas por meio de lei.

          Com base neste dispositivo, União, Estados e Municípios produziram significativa legislação, em suas respectivas áreas de competência, inclusive instituindo tratamento tributário diferenciado para essas categorias de contribuintes. O setor logo revelou grande potencial de absorção de mão-de-obra. Muitos desses microempresários foram egressos dos programas de demissão voluntária. Infelizmente, muitas dessas microempresas tem vida curta, quebrando nos primeiros cinco anos, por falta de planejamento ou devido a avaliação equivocada do mercado.

          Em todo caso, a abundante experiência legislativa, em matéria de tratamento tributário às microempresas e empresas de pequeno porte cessou com a edição da Emenda Constitucional 42/2003 que acrescentou alínea “d” ao inciso III do art. 146 da CF, incluindo a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte entre as normas gerais em matéria de legislação tributária.

          Para entender adequadamente do que se trata, devemos revisitar a competência legislativa concorrente de que trata o art. 24 da Constituição Federal. Conforme o inciso I desse artigo, compete à União e aos Estados legislar concorrentemente sobre direito tributário. O § 1º do mesmo artigo esclarece que no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. Mas conforme o § 3º, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercem a competência legislativa plena. Já o § 4º completa o conceito dizendo que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

          Então, a competência para legislar sobre normas gerais é privativo da União. Aos Estados é vedado legislarem sobre a matéria e a legislação estadual que contrariar a norma federal perde a eficácia. A União, entretanto, somente poderá legislar sobre normas gerais, mediante lei complementar, conforme art. 146, III.

          O dispositivo enumera as matérias reservadas ao legislador complementar federal. Por exemplo, quando a alínea “a” atribui à lei complementar a definição do fato gerador e da base de cálculo dos impostos discriminados na Constituição, ela se refere tanto ao ICMS (de competência dos Estados), como ao IPI (de competência da União) ou ao ISS (de competência dos Municípios). A EC 42/2003 acrescentou, na alínea “d”, o tratamento tributário diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte.

          Nessas hipóteses, a lei complementar se sobrepõe às legislações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de modo que estes não podem mais legislar de modo contrário à lei complementar. A referência, nesse dispositivo, ao art. 155, II, coloca os regimes especiais ou simplificados de ICMS concedidos a microempresas e empresas de pequeno porte, sujeitas à competência legislativa da União.

          Contudo, a mesma emenda acrescentou parágrafo único ao referido artigo dispondo que a lei complementar poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, opcional para os contribuintes e com recolhimento unificado e centralizado. Acrescenta que a distribuição da parcela dos recursos pertencentes aos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento.

          Então, a Emenda Constitucional 42/2003 não se limita a incumbir a lei complementar federal de definir o tratamento diferenciado e favorecido à microempresa e à empresa de pequeno porte. Pela redação do parágrafo único do art. 146, a lei complementar pode efetivamente instituir regime único de arrecadação de impostos e contribuições tanto da União, como dos Estados e dos Municípios. Essa disciplina deve necessariamente ser nacional, deixando uma margem muito estreita para Estados e Municípios legislarem.

          Assim, a Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, não estabelece apenas  normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas institui, no que se refere à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, regime único de arrecadação e, inclusive, obrigações acessórias.

          A Lei Complementar 123/2006, como pode ser visto, não legisla apenas sobre os tributos federais, mas também sobre tributos estaduais e municipais. Estados e Municípios ficam restritos a legislar apenas nas hipóteses e nos limites permitidos pela lei complementar federal. Ao instituir o regime único de recolhimento, legisla sobre todos os aspectos e sobre cada detalhe da tributação das empresas optantes do Simples, inclusive obrigações acessórias. Estados, Distrito Federal e Municípios somente podem legislar sobre as matérias permitidas pela LC 123/2006.

          Enfim, conforme dispõe o art. 35 dessa LC, aplicam-se aos impostos e contribuições devidos pela microempresa e pela empresa de pequeno porte, inscritas no Simples Nacional, as normas relativas aos juros e multa de mora e de ofício previstas para o imposto de renda, inclusive, quando for o caso, em relação ao ICMS e ao ISS. Ou seja, os Fiscos dos Estados e dos Municípios, ao promoverem fiscalização, respectivamente, do ICMS ou do ISS, de empresas optantes pelo Simples Nacional, não aplicarão a legislação estadual ou municipal, mas a legislação federal.

          O tratamento jurídico diferenciado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte, visando incentivá-las pela simplificação, redução ou eliminação de suas obrigações tributárias, nos termos do art. 179 da Constituição Federal, já foi definido pela Lei Complementar 123/2006 que instituiu regime único de recolhimento, administrado conjuntamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme disposto no parágrafo único do art. 146 da CF.

          A pergunta que surge naturalmente é se essa redução drástica da competência legislativa dos Estados-membros representa diminuição da autonomia federativa, ou seja, um passo em direção a um Estado Unitário. Em outras palavras, estaria configurada a situação referida inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição?

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