Velocino Pacheco Filho
O art. 179 da Constituição Federal
dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão
às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei,
tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela (i)
simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias
e creditícias, ou (ii) pela eliminação ou (iii) redução destas por meio de lei.
Com base neste dispositivo, União,
Estados e Municípios produziram significativa legislação, em suas respectivas
áreas de competência, inclusive instituindo tratamento tributário diferenciado
para essas categorias de contribuintes. O setor logo revelou grande potencial
de absorção de mão-de-obra. Muitos desses microempresários foram egressos dos
programas de demissão voluntária. Infelizmente, muitas dessas microempresas tem
vida curta, quebrando nos primeiros cinco anos, por falta de planejamento ou devido
a avaliação equivocada do mercado.
Em todo caso, a abundante experiência
legislativa, em matéria de tratamento tributário às microempresas e empresas de
pequeno porte cessou com a edição da Emenda Constitucional 42/2003 que
acrescentou alínea “d” ao inciso III do art. 146 da CF, incluindo a definição
de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de
pequeno porte entre as normas gerais em matéria de legislação tributária.
Para entender adequadamente do que se
trata, devemos revisitar a competência legislativa concorrente de que trata o
art. 24 da Constituição Federal. Conforme o inciso I desse artigo,
compete à União e aos Estados legislar concorrentemente sobre direito
tributário. O § 1º do mesmo artigo esclarece que no âmbito da legislação
concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
Mas conforme o § 3º, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercem a competência legislativa plena. Já o § 4º completa o conceito dizendo
que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da
lei estadual, no que lhe for contrário.
Então, a competência para legislar
sobre normas gerais é privativo da União. Aos Estados é vedado legislarem sobre
a matéria e a legislação estadual que contrariar a norma federal perde a
eficácia. A União, entretanto, somente poderá legislar sobre normas gerais,
mediante lei complementar, conforme art. 146, III.
O dispositivo enumera as matérias
reservadas ao legislador complementar federal. Por exemplo, quando a alínea “a”
atribui à lei complementar a definição do fato gerador e da base de cálculo dos
impostos discriminados na Constituição, ela se refere tanto ao ICMS (de competência
dos Estados), como ao IPI (de competência da União) ou ao ISS (de competência
dos Municípios). A EC 42/2003 acrescentou, na alínea “d”, o tratamento
tributário diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte.
Nessas hipóteses, a lei complementar
se sobrepõe às legislações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, de modo que estes não podem mais legislar de modo contrário à lei
complementar. A referência, nesse dispositivo, ao art. 155, II, coloca os
regimes especiais ou simplificados de ICMS concedidos a microempresas e
empresas de pequeno porte, sujeitas à competência legislativa da União.
Contudo, a mesma emenda acrescentou
parágrafo único ao referido artigo dispondo que a lei complementar poderá instituir um regime único de
arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, opcional para os contribuintes e com recolhimento
unificado e centralizado. Acrescenta que a distribuição da parcela dos recursos
pertencentes aos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou
condicionamento.
Então, a Emenda Constitucional 42/2003
não se limita a incumbir a lei complementar federal de definir o tratamento
diferenciado e favorecido à microempresa e à empresa de pequeno porte. Pela
redação do parágrafo único do art. 146, a lei complementar pode efetivamente
instituir regime único de arrecadação de impostos e contribuições tanto da
União, como dos Estados e dos Municípios. Essa disciplina deve necessariamente
ser nacional, deixando uma margem muito estreita para Estados e Municípios legislarem.
Assim, a Lei Complementar 123, de 14
de dezembro de 2006, não estabelece apenas normas gerais relativas ao tratamento
diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de
pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, mas institui, no que se refere à apuração e recolhimento dos
impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, regime único de arrecadação e, inclusive, obrigações acessórias.
A Lei
Complementar 123/2006, como pode ser visto, não legisla apenas sobre os
tributos federais, mas também sobre tributos estaduais e municipais. Estados e
Municípios ficam restritos a legislar apenas nas hipóteses e nos limites
permitidos pela lei complementar federal. Ao instituir o regime único de recolhimento,
legisla sobre todos os aspectos e sobre cada detalhe da tributação das empresas
optantes do Simples, inclusive obrigações acessórias. Estados, Distrito Federal
e Municípios somente podem legislar sobre as matérias permitidas pela LC
123/2006.
Enfim,
conforme dispõe o art. 35 dessa LC, aplicam-se aos impostos e contribuições
devidos pela microempresa e pela empresa de pequeno porte, inscritas no Simples
Nacional, as normas relativas aos juros e multa de mora e de ofício previstas
para o imposto de renda, inclusive, quando for o caso, em relação ao ICMS e ao
ISS. Ou seja, os Fiscos dos Estados e dos Municípios, ao promoverem fiscalização,
respectivamente, do ICMS ou do ISS, de empresas optantes pelo Simples Nacional,
não aplicarão a legislação estadual ou municipal, mas a legislação federal.
O tratamento
jurídico diferenciado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte,
visando incentivá-las pela simplificação, redução ou eliminação de suas
obrigações tributárias, nos termos do art. 179 da Constituição Federal, já foi
definido pela Lei Complementar 123/2006 que instituiu regime único de
recolhimento, administrado conjuntamente pela União, Estados, Distrito Federal
e Municípios, conforme disposto no parágrafo único do art. 146 da CF.
A pergunta
que surge naturalmente é se essa redução drástica da competência legislativa
dos Estados-membros representa diminuição da autonomia federativa, ou seja, um
passo em direção a um Estado Unitário. Em outras palavras, estaria configurada
a situação referida inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição?
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