Tributação das operações
interestaduais que destinem materiais de construção para empresas de construção
civil.
Velocino
Pacheco Filho
As empresas de construção civil são tributadas
apenas pelo ISS, de competência dos Municípios. A atividade está prevista no
item 7.02 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Ressalva-se
apenas o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços,
fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS, conforme
consta da própria Lista de Serviços.
O item 7.02 é amplo, abrangendo a execução, por
administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil,
hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive a sondagem,
perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem,
pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e
equipamentos.
Antes que alguém pergunte, as empresas que desempenhem
ambas as atividades – construção civil e comércio de materiais de construção –
devem recolher os dois impostos. Mas nos interessa, no momento, apenas a
atividade de construção civil.
Qual o tratamento tributário das saídas de materiais
de construção, com destino a empresa de construção civil estabelecida em outro
Estado? Conforme art. 155, § 2º, VII, “b”, devem ser tributados pelo ICMS,
aplicando-se a alíquota interna, já que, em relação ao ICMS, as empresas de
construção civil são consumidoras finais. A alíquota interestadual somente é
utilizada quando o destinatário for contribuinte do mesmo imposto.
Por conseguinte, não cabe a cobrança, pelo Estado de
destino, do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a
interestadual, conforme inciso VIII do parágrafo acima citado.
Esse foi o entendimento da Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal, no julgamento do AgRG no AgIns 557.280-5 (RDDT 170: 220,
2009):
“I – As empresas de construção civil ao adquirir, em outros Estados ,
materiais para empregar em suas obras, não estão compelidas a satisfazer a
diferença em virtude de alíquota maior do Estado destinatário. Precedentes”.
Não foi diferente o entendimento da Segunda Turma,
no julgamento do AgRg no RE 598.075-8 (RDDT 167: 230, 2009):
“As construtoras que adquirem material em
Estado-membro instituidor de alíquota de ICMS mais favorável não estão
compelidas, ao utilizarem essas mercadorias como insumos em suas obras, à satisfação
do diferencial de alíquota de ICMS do Estado destinatário, uma vez que são, de
regra, contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de
competência dos Municípios”.
Ora, o art. 39 da Lei catarinense 10.789, de 3 de
julho de 1998, “equiparou” as saídas interestaduais destinadas a empresas de construção civil a
saídas a contribuintes do ICMS. Com isso, os materiais de construção produzidos
em Santa Catarina passaram a ser vendidos para os outros Estados, tributados
com alíquotas de 12% ou 7%, conforme o caso, e não pela alíquota interna de
17%. Essa diferença, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Federal, não
pode ser cobrada pelo Estado de destino. Essa situação representa enorme
vantagem competitiva às empresas catarinenses de materiais de construção.
Não se trata de adotar uma alíquota própria para os
materiais de construção, pois esta teria de aplicar-se às operações internas e
interestaduais, já que a competência para fixar alíquotas nas operações
interestaduais é do Senado da República. Além do mais, estaria sendo adotado
outro critério para a seletividade das alíquotas, que não é o da essencialidade
da mercadoria, previsto no art. 155, § 2º, III.
Trata-se, sim, de equiparação do não-contribuinte
(empresa de construção civil) a contribuinte do imposto, nas operações
interestaduais, para fins de aplicação da alíquota. Isso é possível?
À evidência, estamos claramente diante de benefício
fiscal não autorizado por convênio celebrado pelos Estados e pelo Distrito
Federal, na forma prevista pela Lei Complementar 24/1975.
Além disso, a lei estadual está dispondo sobre a
matéria de modo diverso do previsto no texto constitucional. Se a Constituição
da República determina que a alíquota interestadual será utilizada apenas
quando o destinatário for contribuinte do imposto e que será utilizada a
alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte, pode a lei
estadual mudar essa sistemática, mediante a equiparação de uma categoria de
não-contribuintes a contribuintes?
O efeito é criar uma vantagem competitiva (indevida)
para as empresas catarinenses. Ora, a Constituição do Brasil, ao adotar a livre
concorrência como um dos princípios que informam a ordem econômica (art. 170,
IV), consagrou a economia de mercado – os preços são determinados pelo
equilíbrio entre oferta e demanda. O Estado não deve intervir no mercado, salvo
em circunstâncias específicas. Como exemplo, o art. 146-A, introduzido pela
Emenda Constitucional 42/2003, admite a adoção de critérios especiais de
tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, mediante
lei complementar. Mas, no caso examinado, estamos diante de um desequilíbrio de
concorrência induzido por norma tributária que equipara as empresas de
construção civil estabelecidas em outros Estados a contribuintes do imposto.
Quem está sendo beneficiado com a medida? A
indústria catarinense de materiais de construção, é óbvio.
Quem está financiando esse benefício? A população
catarinense que vê diminuídos os recursos disponíveis para as políticas
sociais, para o custeio da saúde, da educação, da segurança pública etc.
Trata-se de justiça distributiva às avessas em que a maior parte da população,
principalmente a população carente, financia um segmento do empresariado.
Como é freqüente, não se trata apenas do ordenamento
jurídico, mas do que subjaz ao ordenamento: qual é a função do Estado – servir
aos interesses de segmentos do empresariado ou buscar a concretização do bem
comum?
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