DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Quinta feira, 8-8-2013

Tributação das operações interestaduais que destinem materiais de construção para empresas de construção civil.
          Velocino Pacheco Filho

As empresas de construção civil são tributadas apenas pelo ISS, de competência dos Municípios. A atividade está prevista no item 7.02 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Ressalva-se apenas o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS, conforme consta da própria Lista de Serviços.
O item 7.02 é amplo, abrangendo a execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive a sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos.
Antes que alguém pergunte, as empresas que desempenhem ambas as atividades – construção civil e comércio de materiais de construção – devem recolher os dois impostos. Mas nos interessa, no momento, apenas a atividade de construção civil.
Qual o tratamento tributário das saídas de materiais de construção, com destino a empresa de construção civil estabelecida em outro Estado? Conforme art. 155, § 2º, VII, “b”, devem ser tributados pelo ICMS, aplicando-se a alíquota interna, já que, em relação ao ICMS, as empresas de construção civil são consumidoras finais. A alíquota interestadual somente é utilizada quando o destinatário for contribuinte do mesmo imposto.
Por conseguinte, não cabe a cobrança, pelo Estado de destino, do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, conforme inciso VIII do parágrafo acima citado.
Esse foi o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRG no AgIns 557.280-5 (RDDT 170: 220, 2009):
“I – As empresas de construção civil ao adquirir, em outros Estados, materiais para empregar em suas obras, não estão compelidas a satisfazer a diferença em virtude de alíquota maior do Estado destinatário. Precedentes”.
Não foi diferente o entendimento da Segunda Turma, no julgamento do AgRg no RE 598.075-8 (RDDT 167: 230, 2009):
“As construtoras que adquirem material em Estado-membro instituidor de alíquota de ICMS mais favorável não estão compelidas, ao utilizarem essas mercadorias como insumos em suas obras, à satisfação do diferencial de alíquota de ICMS do Estado destinatário, uma vez que são, de regra, contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios”.
Ora, o art. 39 da Lei catarinense 10.789, de 3 de julho de 1998, “equiparou” as saídas interestaduais destinadas a empresas de construção civil a saídas a contribuintes do ICMS. Com isso, os materiais de construção produzidos em Santa Catarina passaram a ser vendidos para os outros Estados, tributados com alíquotas de 12% ou 7%, conforme o caso, e não pela alíquota interna de 17%. Essa diferença, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Federal, não pode ser cobrada pelo Estado de destino. Essa situação representa enorme vantagem competitiva às empresas catarinenses de materiais de construção.
Não se trata de adotar uma alíquota própria para os materiais de construção, pois esta teria de aplicar-se às operações internas e interestaduais, já que a competência para fixar alíquotas nas operações interestaduais é do Senado da República. Além do mais, estaria sendo adotado outro critério para a seletividade das alíquotas, que não é o da essencialidade da mercadoria, previsto no art. 155, § 2º, III.
Trata-se, sim, de equiparação do não-contribuinte (empresa de construção civil) a contribuinte do imposto, nas operações interestaduais, para fins de aplicação da alíquota. Isso é possível?
À evidência, estamos claramente diante de benefício fiscal não autorizado por convênio celebrado pelos Estados e pelo Distrito Federal, na forma prevista pela Lei Complementar 24/1975.
Além disso, a lei estadual está dispondo sobre a matéria de modo diverso do previsto no texto constitucional. Se a Constituição da República determina que a alíquota interestadual será utilizada apenas quando o destinatário for contribuinte do imposto e que será utilizada a alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte, pode a lei estadual mudar essa sistemática, mediante a equiparação de uma categoria de não-contribuintes a contribuintes?
O efeito é criar uma vantagem competitiva (indevida) para as empresas catarinenses. Ora, a Constituição do Brasil, ao adotar a livre concorrência como um dos princípios que informam a ordem econômica (art. 170, IV), consagrou a economia de mercado – os preços são determinados pelo equilíbrio entre oferta e demanda. O Estado não deve intervir no mercado, salvo em circunstâncias específicas. Como exemplo, o art. 146-A, introduzido pela Emenda Constitucional 42/2003, admite a adoção de critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, mediante lei complementar. Mas, no caso examinado, estamos diante de um desequilíbrio de concorrência induzido por norma tributária que equipara as empresas de construção civil estabelecidas em outros Estados a contribuintes do imposto.
Quem está sendo beneficiado com a medida? A indústria catarinense de materiais de construção, é óbvio.
Quem está financiando esse benefício? A população catarinense que vê diminuídos os recursos disponíveis para as políticas sociais, para o custeio da saúde, da educação, da segurança pública etc. Trata-se de justiça distributiva às avessas em que a maior parte da população, principalmente a população carente, financia um segmento do empresariado.

Como é freqüente, não se trata apenas do ordenamento jurídico, mas do que subjaz ao ordenamento: qual é a função do Estado – servir aos interesses de segmentos do empresariado ou buscar a concretização do bem comum?

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