DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A incompletude do sistema tributário e o emprego da analogia

Velocino Pacheco Filho

                Consiste a analogia na aplicação de uma norma a situação diversa, porém semelhante, daquela que ela se refere.

Norberto Bobbio conceitua completude como “a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente ‘lacuna’ (num dos sentidos do termo ‘lacuna’), ‘completude’ significa ‘falta de lacunas’. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma tirada do sistema”.
            
             Mas, para o emprego da analogia, é preciso que haja uma lacuna, ou seja, uma incompletude, no ordenamento jurídico. Isto por que presume-se a completude do ordenamento. Já ensinava Kelsen (Teoria Pura ...) que se o direito vigente não é aplicável a um caso concreto, o tribunal, para decidir o caso, precisa colmatar a lacuna pela criação de norma jurídica correspondente. Isto é, se não é possível a aplicação de norma jurídica singular, sempre é possível aplicar a ordem jurídica e, acrescenta esse autor, isso também é aplicação do direito.

             Segundo Miguel Reale (Filosofia do Direito), é o ordenamento jurídico no seu todo que é pleno. Assim, nenhum juiz pode deixar de proferir sentença sob o pretexto de lacuna ou obscuridade da lei (CPC, art. 126). O próprio ordenamento (LICC, art. 49) autoriza o juiz, no caso da lei ser omissa, a decidir pelo emprego da analogia, dos costumes ou dos princípios gerais de direito (integração do sistema legal).

             “Uma regra jurídica não pode nem deve ser tomada de per si, como se fosse uma proposição lógica em si mesma inteiramente válida e conclusa, pois o seu significado e a sua eficácia dependem de sua funcionalidade e de sua correlação com as demais normas do sistema, assim como do conjunto de princípios que a informam”.

             Marco Aurélio Greco fala em “momentos de incompletude” na relação entre norma e fato, mas que o próprio ordenamento, “porque não pode conviver com fatos não previstos”, tende à completude. Se o ordenamento não é completo, com certeza é completável.

             O mesmo autor alerta que a lacuna não se confunde com o silencia eloquente da lei que é uma previsão, mediante uma não previsão. “O legislador ao não editar a norma específica prevê que não está incluído”.

             “O que a lei quis, disse; o que não quis, guardou silêncio”.

             Em suma, não devemos sair aplicando analogia sempre que não encontrarmos solução para um caso nos textos legais; é preciso que fique caracterizada a existência da lacuna.

             Conclui Bobbio que a completude é uma condição necessária, nos ordenamentos em que (i) o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentem ao seu exame, (ii) deve julgá-las aplicando uma norma pertencente ao sistema. Aqui entra o emprego da analogia.

             Se não houver no ordenamento uma norma que se refira ao caso em questão, deve ser procurada uma norma que se refira a caso semelhante.  A palavra chave agora é “semelhança”. Entre o caso regrado e o caso não regrado deve haver uma semelhança que seja reconhecida como essencial, “aquela da qual dependem todas as consequências merecedoras de apreço na questão discutida”, lecionava Carlos Maximiliano. “É a causa principal de todos os efeitos”.

             Conforme Limongi França, para a analogia ser aplicada, (i) o caso deve ser absolutamente não previsto em lei, (ii) deve existir ao menos um elemento de identidade entre o caso previsto e aquele não previsto, e (iii) a identidade entre os dois casos deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis”.

             Em matéria tributária (CTN, art. 108, § 1º), o emprego da analogia não pode resultar em exigência de tributo não previsto em lei. Isto por que a instituição de tributos não está apenas sujeita ao princípio da legalidade, mas está sob reserva absoluta de lei. Se a competência para institui tributos não pode ser delegada ao Executivo, muito menos pode ser instituído pelo emprego da analogia.


                Assim, juristas de plantão, antes de propor resolver um caso pelo recurso à analogia, verifiquem (i) se a falta de regramento no caso específico constitui, de fato, uma lacuna; (ii) se entre o fato regrado e o não regrado existe uma semelhança essencial, da qual decorrem todas as consequências relevantes, e que constitui sua ratio legis; e (iii) se do emprego da analogia não resulta exigência de tributo não previsto em lei.

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