Velocino Pacheco Filho
Consiste
a analogia na aplicação de uma norma a situação diversa, porém semelhante,
daquela que ela se refere.
Norberto Bobbio
conceitua completude como “a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem
uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama
geralmente ‘lacuna’ (num dos sentidos do termo ‘lacuna’), ‘completude’
significa ‘falta de lacunas’. Em outras palavras, um ordenamento é completo
quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se
lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado com uma norma
tirada do sistema”.
Mas,
para o emprego da analogia, é preciso que haja uma lacuna, ou seja, uma
incompletude, no ordenamento jurídico. Isto por que presume-se a completude do
ordenamento. Já ensinava Kelsen (Teoria Pura ...) que se o direito vigente não
é aplicável a um caso concreto, o tribunal, para decidir o caso, precisa
colmatar a lacuna pela criação de norma jurídica correspondente. Isto é, se não
é possível a aplicação de norma jurídica singular, sempre é possível aplicar a
ordem jurídica e, acrescenta esse autor, isso também é aplicação do direito.
Segundo
Miguel Reale (Filosofia do Direito), é o ordenamento jurídico no seu todo que é
pleno. Assim, nenhum juiz pode deixar de proferir sentença sob o pretexto de
lacuna ou obscuridade da lei (CPC, art. 126). O próprio ordenamento (LICC, art.
49) autoriza o juiz, no caso da lei ser omissa, a decidir pelo emprego da
analogia, dos costumes ou dos princípios gerais de direito (integração do
sistema legal).
“Uma
regra jurídica não pode nem deve ser tomada de per si, como se fosse uma
proposição lógica em si mesma inteiramente válida e conclusa, pois o seu
significado e a sua eficácia dependem de sua funcionalidade e de sua correlação
com as demais normas do sistema, assim como do conjunto de princípios que a
informam”.
Marco
Aurélio Greco fala em “momentos de incompletude” na relação entre norma e fato,
mas que o próprio ordenamento, “porque não pode conviver com fatos não
previstos”, tende à completude. Se o ordenamento não é completo, com certeza é
completável.
O
mesmo autor alerta que a lacuna não se confunde com o silencia eloquente da lei
que é uma previsão, mediante uma não previsão. “O legislador ao não editar a
norma específica prevê que não está incluído”.
“O
que a lei quis, disse; o que não quis, guardou silêncio”.
Em
suma, não devemos sair aplicando analogia sempre que não encontrarmos solução
para um caso nos textos legais; é preciso que fique caracterizada a existência
da lacuna.
Conclui
Bobbio que a completude é uma condição necessária, nos ordenamentos em que (i)
o juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentem ao seu
exame, (ii) deve julgá-las aplicando uma norma pertencente ao sistema. Aqui
entra o emprego da analogia.
Se
não houver no ordenamento uma norma que se refira ao caso em questão, deve ser
procurada uma norma que se refira a caso semelhante. A palavra chave agora é “semelhança”. Entre o
caso regrado e o caso não regrado deve haver uma semelhança que seja
reconhecida como essencial, “aquela da qual dependem todas as consequências
merecedoras de apreço na questão discutida”, lecionava Carlos Maximiliano. “É a
causa principal de todos os efeitos”.
Conforme
Limongi França, para a analogia ser aplicada, (i) o caso deve ser absolutamente
não previsto em lei, (ii) deve existir ao menos um elemento de identidade entre
o caso previsto e aquele não previsto, e (iii) a identidade entre os dois casos
deve atender ao elemento em vista do qual o legislador formulou a regra que
disciplina o caso previsto, constituindo-lhe a ratio legis”.
Em
matéria tributária (CTN, art. 108, § 1º), o emprego da analogia não pode
resultar em exigência de tributo não previsto em lei. Isto por que a
instituição de tributos não está apenas sujeita ao princípio da legalidade, mas
está sob reserva absoluta de lei. Se a competência para institui tributos não
pode ser delegada ao Executivo, muito menos pode ser instituído pelo emprego da
analogia.
Assim,
juristas de plantão, antes de propor resolver um caso pelo recurso à analogia,
verifiquem (i) se a falta de regramento no caso específico constitui, de fato,
uma lacuna; (ii) se entre o fato regrado e o não regrado existe uma semelhança
essencial, da qual decorrem todas as consequências relevantes, e que constitui
sua ratio legis; e (iii) se do
emprego da analogia não resulta exigência de tributo não previsto em lei.
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