DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O ITCMD pode ser progressivo?

Velocino Pacheco Filho

          Dispõe o § 1º do art. 145 da Constituição da República que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Ou seja, nem sempre os impostos têm caráter pessoal ou podem ser graduados segundo a capacidade econômica. Mas, uma vez sendo possível, é obrigatória a graduação pelo critério da capacidade econômica.

          Ora, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, os impostos pessoais distinguem-se dos impostos reais porque nestes últimos não caberia a adoção de alíquotas progressivas. Assim, somente os impostos pessoais – que levam em conta as características pessoais do contribuinte – poderiam ser progressivos, pois, somente nessa hipótese poderia ser aferida a capacidade econômica. Nesse sentido, foi editada a Súmula 589/STF: “É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e Territorial Urbano em função do número de imóveis do contribuinte”.

          No entanto, nada impede que, mesmo no caso dos impostos reais, a incidência seja graduada segundo critérios pessoais. É o que acontece, por exemplo, quando se isenta o único imóvel de uma família e que lhe serve de residência.

          A progressividade, no caso do IPTU, acabou por ser expressamente permitida pela Emenda Constitucional 29/2000 (CF, art. 156, § 1º, I): sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, II, o imposto poderá “ser progressivo em razão do valor do imóvel”. Admitida a progressividade em relação ao IPTU, abre-se o caminho para o seu reconhecimento em relação a outros impostos reais.

          À mudança do texto constitucional seguiu-se a mudança de entendimento jurisprudencial, ocorrida com o julgamento, pelo Pleno do STF, do Recurso Extraordinário 562.045 RS, relatora para o acórdão a Min. Carmen Lúcia. A Ementa tem o seguinte teor:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

          O Min. Eros Grau, em seu voto, distingue na dicção do § 1º do art. 145 duas sentenças: (i) os impostos terem caráter pessoal e (ii) todos eles serem graduados, sempre que possível, segundo a capacidade econômica. A Constituição “determina como devem ser os impostos, todos eles. Não somente como devem ser alguns deles. Não apenas como devem ser os impostos dotados de caráter pessoal. Isso é nítido. Nítido como a luz solar passando através de um cristal, bem polido”.

          Não podemos perder de vista o fim último do Estado que é a realização do bem comum, cujo conteúdo devemos pesquisar na estrutura axiológica da Constituição. Assim, o art. 3º da Carta trata dos objetivos fundamentais da República, entre os quais está a redução das desigualdades sociais. Ora, a progressividade da tributação sobre as heranças é medida absolutamente necessária para a realização desse objetivo. Afinal, esse é o mecanismo pelo qual se perpetua a estratificação social. A herança é um patrimônio que o herdeiro recebe sem ter contribuído para a sua formação. Se queremos reduzir as desigualdades, nada mais justo que a tributação progressiva das heranças.

          Esse aspecto foi salientado pelo Min. Ayres Brito em seu voto quando diz que “é no âmbito de tal sistema constitucional-tributário que avulta o princípio da igualdade como fórmula ou critério da mais justa participação dos contribuintes no aporte dos recursos financeiros que o Estado precisa para se manter enquanto máquina administrativa e para combater as mais temerárias assimetrias sociais e regionais, em demanda do desenvolvimento equilibrado do País e do bem estar da nossa população”.

          Mais recentemente, a Primeira Turma do STF, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 542.485, em que foi relator o Min. Marco Aurélio, tomando como paradigma o acórdão acima citado, decidiu que “no entendimento majoritário do Supremo, surge compatível com a Carta da República a progressividade das alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação”.

            A progressividade do ITCMD vem ao encontro de princípios constitucionais como o da capacidade contributiva – tida por Klaus Tipke como critério de moralidade tributária – e o da igualdade que veda a instituição de “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente” (CF, art. 150, II). A alíquota única, que representa maior gravame para quem herda pouco e menor gravame para quem herda muito, institui um regime iníquo de desigualdade na incidência do tributo.

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