Velocino Pacheco Filho
Dispõe o § 1º do art. 145 da
Constituição da República que “sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Ou
seja, nem sempre os impostos têm caráter pessoal ou podem ser graduados segundo
a capacidade econômica. Mas, uma vez sendo possível, é obrigatória a graduação
pelo critério da capacidade econômica.
Ora, conforme entendimento do Supremo
Tribunal Federal, os impostos pessoais distinguem-se dos impostos reais porque
nestes últimos não caberia a adoção de alíquotas progressivas. Assim, somente
os impostos pessoais – que levam em conta as características pessoais do
contribuinte – poderiam ser progressivos, pois, somente nessa hipótese poderia
ser aferida a capacidade econômica. Nesse sentido, foi editada a Súmula 589/STF:
“É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e
Territorial Urbano em função do número de imóveis do contribuinte”.
No entanto, nada impede que, mesmo no
caso dos impostos reais, a incidência seja graduada segundo critérios pessoais.
É o que acontece, por exemplo, quando se isenta o único imóvel de uma família e
que lhe serve de residência.
A progressividade, no caso do IPTU,
acabou por ser expressamente permitida pela Emenda Constitucional 29/2000 (CF,
art. 156, § 1º, I): sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o
art. 182, § 4º, II, o imposto poderá “ser progressivo em razão do valor do
imóvel”. Admitida a progressividade em relação ao IPTU, abre-se o caminho para
o seu reconhecimento em relação a outros impostos reais.
À mudança do texto constitucional
seguiu-se a mudança de entendimento jurisprudencial, ocorrida com o julgamento,
pelo Pleno do STF, do Recurso Extraordinário 562.045 RS, relatora para o
acórdão a Min. Carmen Lúcia. A Ementa tem o seguinte teor:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE
TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART.
145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL
TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
PROVIDO.
O Min. Eros Grau, em seu voto,
distingue na dicção do § 1º do art. 145 duas sentenças: (i) os impostos terem
caráter pessoal e (ii) todos eles serem graduados, sempre que possível, segundo
a capacidade econômica. A Constituição “determina como devem ser os impostos,
todos eles. Não somente como devem ser alguns deles. Não apenas como devem ser
os impostos dotados de caráter pessoal. Isso é nítido. Nítido como a luz solar passando
através de um cristal, bem polido”.
Não podemos perder de vista o fim
último do Estado que é a realização do bem comum, cujo conteúdo devemos
pesquisar na estrutura axiológica da Constituição. Assim, o art. 3º da Carta
trata dos objetivos fundamentais da República, entre os quais está a redução
das desigualdades sociais. Ora, a progressividade da tributação sobre as
heranças é medida absolutamente necessária para a realização desse objetivo.
Afinal, esse é o mecanismo pelo qual se perpetua a estratificação social. A
herança é um patrimônio que o herdeiro recebe sem ter contribuído para a sua
formação. Se queremos reduzir as desigualdades, nada mais justo que a
tributação progressiva das heranças.
Esse aspecto foi salientado pelo Min.
Ayres Brito em seu voto quando diz que “é no âmbito de tal sistema
constitucional-tributário que avulta o princípio da igualdade como fórmula ou
critério da mais justa participação dos contribuintes no aporte dos recursos financeiros
que o Estado precisa para se manter enquanto máquina administrativa e para
combater as mais temerárias assimetrias sociais e regionais, em demanda do
desenvolvimento equilibrado do País e do bem estar da nossa população”.
Mais recentemente, a Primeira Turma do
STF, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 542.485, em que foi relator
o Min. Marco Aurélio, tomando como paradigma o acórdão acima citado, decidiu
que “no entendimento majoritário do Supremo, surge compatível com a Carta da
República a progressividade das alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação”.
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