DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 22 de julho de 2014

Conflitos de competência: ICMS ou ISS?

Velocino Pacheco Filho

A Constituição Federal atribuiu aos Estados a competência para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (CF, art. 155, II) e aos Municípios a de instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar (CF, art. 156, III).

Excetuados os serviços colocados na esfera de incidência do imposto estadual, o fato gerador do ICMS consiste em uma obrigação de dar (e.g. entregar a mercadoria vendida ao adquirente). Já o imposto municipal incide sobre obrigações de fazer (=prestar serviços). Existe, contudo, uma zona cinzenta em que as respectivas esferas de competência se confundem. Isto ocorre quando o fazer compreende o dar (e.g. confecção de cartões de visita) ou o dar compreende o fazer (e.g. entregar equipamento industrial instalado no estabelecimento do adquirente). A questão é estabelecer critérios que delimitem os respectivos campos de incidência do ICMS e do ISS.

Ora, dispor sobre conflitos de competência, conforme art. 146, I, da Constituição Federal, é atribuição do legislador complementar federal. Cuida-se, no caso, de competência privativa da União, como é a de legislar sobre as limitações constitucionais ao poder de tributar e sobre normas gerais de direito tributário. Nessa hipótese, não há que se falar em competência suplementar dos Estados, na forma do § 2º do art. 24 da Constituição.

Então, é na Lei Complementar 116/2003 que devemos pesquisar, em busca de regra que diga em que situações incide o ISS e não o ICMS. O § 2º do art. 1º do referido pergaminho dispõe que os serviços relacionados na lista de serviços estão sujeitos apenas ao ISS, salvo se a própria lista ressalvar a incidência do ICMS sobre o material empregado na prestação do serviço. Nesse caso – e apenas nesse caso – incidem ambos os impostos: o ICMS sobre o material empregado e o ISS sobre a prestação de serviço.

De modo semelhante, o art. 3º, V, da Lei Complementar 87/1996 (que trata do ICMS) dispõe que o imposto estadual não incide sobre “operações relativas a mercadorias que tenham sido ou se destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço de qualquer natureza definido em lei complementar como sujeito ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, ressalvadas as hipóteses previstas na mesma lei complementar”.

As matérias elencadas no art. 146 da Constituição da República estão reservadas privativamente ao legislador complementar federal o que significa que os Estados não podem dispor sobre elas de modo diverso, e menos ainda a Administração Tributária, mediante interpretação.

Tomemos, por exemplo, a tributação sobre a confecção de placas, banners, adesivos e congêneres, que se destinam à exposição ao público contendo mensagens publicitárias: qual tributo deve incidir – o ICMS de competência dos Estados ou o ISS de competência dos Municípios?

Em outras palavras, a confecção e entrega ao encomendante de placas, banners etc. caracteriza prestação de serviço de “comunicação visual” ou uma operação de circulação de mercadorias – hipóteses em que incide o ICMS – ou trata-se de prestação de serviço (encomenda para uso próprio), sujeita ao ISS?

Pois bem. Para ficar caracterizada a comunicação visual, o prestador de serviço não deve se limitar à confecção desses materiais, mas deve ainda providenciar, por sua conta, a exposição ao público da mensagem (em outdoor ou indoor). Sem isso, não há que se falar em comunicação (visual ou não). Para haver prestação de serviço de comunicação, antes de mais nada, deve haver efetivamente comunicação, ou seja: a transmissão de uma mensagem entre o emitente e o destinatário. Não constitui prestação de serviço de comunicação a mera confecção do material e sua entrega ao encomendante para que este o utilize como lhe aprouver.

A partir da entrada em vigor da Lei Complementar 116/2003, não incide o ICMS sobre a confecção de materiais publicitários (item 17.6 da Lista de Serviços), ou de carimbos, placas, sinalização visual, banners, adesivos e congêneres (item 24.01).

Observe-se que o tratamento de propaganda e publicidade na Lei Complementar 116/2003 difere do tratamento que era dado pela Lei Complementar 56/1987: esta última, no caso de propaganda e publicidade, excetuava da incidência do ISS a confecção de materiais publicitários que, então estavam sujeitos à incidência do ICMS. Já a lista anexa à LC 116/2003 não contém qualquer exceção.

Por outro lado, propaganda e publicidade, serviço previsto no item 17.6 da Lista de Serviços, não se confunde com a confecção de carimbos, placas, sinalização visual, banners, adesivos e congêneres, listados no item 24 da mesma lista. Ora, a legislação vigente é a Lei Complementar 116/2003 e sua lista de serviços. A lista anexa à Lei Complementar 56/1987 é legislação revogada que não deve produzir efeito sobre fatos novos.

Esse foi o entendimento originalmente adotado pela Secretaria da Fazenda de Santa Catarina, na resposta à Consulta Copat 36/2006. O mesmo entendimento foi adotado pelo Estado do Paraná (Consulta 39/2006) e pelo Estado de Minas Gerais (Consulta 251/2009), considerando as modificações introduzidas pela Lei Complementar 116/2003. O Estado de Minas Gerais chegou a editar a Instrução Normativa SUTRI 1/2005 que afirma expressamente no parágrafo único de seu art. 3º que não incide ICMS sobre a confecção de banners personalizados, encomendados pelo usuário final.

Contudo, a Secretaria da Fazenda de Santa Catarina modificou posteriormente o seu entendimento, para considerar tributada a confecção de banners, mediante ampliação abusiva do conceito de industrialização por encomenda.

A incidência do ISS nessa hipótese, entretanto, resulta de um raciocínio tão simples e claro como é o modo “bárbara” do silogismo da primeira figura:

Todo serviço relacionado na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, salvo a previsão na própria lista da incidência do ICMS sobre os materiais empregados na prestação do serviço, submete-se exclusivamente à incidência do ISS (cf. LC 116/2003, art. 1º, § 2º).

Ora, a confecção de banners (segundo modelo e especificações do encomendante, para seu próprio uso) está previsto no item 24 da lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, sem ressalva da incidência do ICMS sobre os materiais empregados.

Logo, a confecção de banners se sujeita exclusivamente à incidência do ISS.

Recapitulando, se o serviço está relacionado na lista de serviços, poderiam, no máximo, incidir ambos os impostos (desde que a própria lista ressalvasse a incidência do ICMS sobre os materiais empregados); jamais poderia incidir apenas o ICMS. A nova interpretação adotada pela SEF/SC representa invasão da competência tributária reservada aos Municípios pelo Constituinte. Pois, cabe exclusivamente à lei complementar – no caso a LC 116/2003 – por expressa disposição constitucional, dirimir conflitos de competência.

 Consequência não menos grave seria a constituição de crédito tributário, induzido erroneamente pela resposta à consulta, em claro conflito com a competência tributária dos Municípios.

Um comentário:

  1. Prezado Velocino,

    seus artigos estão excelentes, compartilho com sua visão, pois demostra as tecnicidade aplicada a seus estudos, de maneira imparcial.

    Dessa forma, está colaborando não só para o aprimoramento da SEF/SC, mas para a democracia, entendo que nossa função está intimamente ligada à democracia, devemos cobrar o tributo devido para que o Estado dê o retorno à Sociedade, porém sem ouvidar que a exigência correta já faz parte do devido retorno que devemos dar à Toda Sociedade.

    Abç,

    Robson Vitor Gotuzzo

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