Velocino Pacheco Filho
Como sabido, os Estados não têm autonomia para conceder unilateralmente exoneração, total ou parcial, do ICMS. Com efeito, dispõe o art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal, que as isenções, incentivos e benefícios fiscais, em matéria de ICMS, devem ser concedidos e revogados mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, ou seja, mediante convênio celebrado na forma da Lei Complementar 24/1975.
Nesse sentido, o Convênio ICMS 26/2003 autoriza os Estados e o Distrito Federal a conceder isenção do ICMS nas operações ou prestações “internas” destinadas a órgãos da Administração Estadual Direta e suas Fundações e Autarquias. O § 1º da Cláusula Primeira esclarece que a isenção fica condicionada (i) ao desconto no preço, de valor equivalente ao imposto dispensado e (ii) à indicação, no respectivo documento fiscal, do valor do desconto.
O benefício foi incorporado à legislação catarinense no art. 1º, XI, do Anexo 2 do RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870/2001.
O § 5º, IV, a, do mesmo artigo, dispõe que o benefício não se aplica na hipótese de dispensa de licitação, nos termos do art. 24, II, da Lei Federal 8.666/1993.
De fato, o art. 37, XXI, da Constituição determina que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública “que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”. Leciona José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição), a licitação “constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público”.
É exatamente no processo licitatório que o referido benefício cria um problema insolúvel para o administrador público. Como o benefício aplica-se apenas às operações internas, os concorrentes catarinenses contam com uma vantagem decisiva sobre os concorrentes de outros Estados: a dispensa do ICMS. Como as empresas catarinenses não sofrem o ônus do imposto, podem oferecer preços mais baixos que os fornecedores de outros Estados.
Nesse caso, não é assegurada a igualdade de condições a todos os participantes da licitação, como manda o art. 37, XXI, da Constituição, pois as empresas catarinenses contam com a dispensa do imposto, o que não sucede com os concorrentes de outros Estados. Além disso, o benefício opera contra a Federação, isentando do imposto apenas os concorrentes catarinenses, no que contraria o art. 152 da Constituição Federal que veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
Em consonância com o citado art. 152, o Tribunal de Contas do Estado determinou à Secretaria da Saúde (Decisão 388/2007) que procedesse à previsão no edital, da realização de equalização de propostas visando tratamento isonômico entre empresas sediadas em território catarinense e aquelas sediadas em território de outras unidades da Federação, quando o objeto da licitação for passível de benefício fiscal referente ao ICMS concedido pelo Estado de Santa Catarina etc. O Tribunal também determina à Secretaria da Administração que, nesse sentido, revise o modelo de redação dos editais a ser observado pelas unidades da administração estadual.
O que deveria ser um benefício tornou-se um problema! Como solucioná-lo? Podemos pensar nas seguintes alternativas:
1) fazer a licitação pelo valor líquido (sem o ICMS), o que se aproxima da recomendação do TCE, pagando a diferença relativa ao imposto, no caso de concorrente de outro Estado se revelar o vencedor – o que prejudica a transparência do certame, pois o preço vencedor pode não ser o mesmo que será desembolsado pelo Poder Público (diferença relativa ao imposto devido pelo fornecedor de outro Estado e dispensado no caso do fornecedor catarinense);
2) entender o benefício como facultativo – o que implica poder o órgão licitante renunciar a um benefício fiscal em que ele próprio seria o beneficiário o que contraria o interesse público;
3) denunciar o Convênio ICMS 26/2003, o que parece ser a solução mais sensata, tendo em vista que a incompatibilidade com o sub-ordenamento jurídico tributário nacional decorre dos termos do próprio convênio.
A solução ideal seria o benefício abranger as operações interestaduais o que, contudo, dependeria da concordância dos demais membros da Federação.
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