DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 1 de julho de 2014

Fornecimento de mercadorias ao setor público

Velocino Pacheco Filho

Como sabido, os Estados não têm autonomia para conceder unilateralmente exoneração, total ou parcial, do ICMS. Com efeito, dispõe o art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal, que as isenções, incentivos e benefícios fiscais, em matéria de ICMS, devem ser concedidos e revogados mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, ou seja, mediante convênio celebrado na forma da Lei Complementar 24/1975.

Nesse sentido, o Convênio ICMS 26/2003 autoriza os Estados e o Distrito Federal a conceder isenção do ICMS nas operações ou prestações “internas” destinadas a órgãos da Administração Estadual Direta e suas Fundações e Autarquias. O § 1º da Cláusula Primeira esclarece que a isenção fica condicionada (i) ao desconto no preço, de valor equivalente ao imposto dispensado e (ii) à indicação, no respectivo documento fiscal, do valor do desconto.

O benefício foi incorporado à legislação catarinense no art. 1º, XI, do Anexo 2 do RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870/2001.

O § 5º, IV, a, do mesmo artigo, dispõe que o benefício não se aplica na hipótese de dispensa de licitação, nos termos do art. 24, II, da Lei Federal 8.666/1993.

De fato, o art. 37, XXI, da Constituição determina que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública “que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”. Leciona José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição), a licitação “constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público”.

É exatamente no processo licitatório que o referido benefício cria um problema insolúvel para o administrador público. Como o benefício aplica-se apenas às operações internas, os concorrentes catarinenses contam com uma vantagem decisiva sobre os concorrentes de outros Estados: a dispensa do ICMS. Como as empresas catarinenses não sofrem o ônus do imposto, podem oferecer preços mais baixos que os fornecedores de outros Estados.

Nesse caso, não é assegurada a igualdade de condições a todos os participantes da licitação, como manda o art. 37, XXI, da Constituição, pois as empresas catarinenses contam com a dispensa do imposto, o que não sucede com os concorrentes de outros Estados. Além disso, o benefício opera contra a Federação, isentando do imposto apenas os concorrentes catarinenses, no que contraria o art. 152 da Constituição Federal que veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.

Em consonância com o citado art. 152, o Tribunal de Contas do Estado determinou à Secretaria da Saúde (Decisão 388/2007) que procedesse à previsão no edital, da realização de equalização de propostas visando tratamento isonômico entre empresas sediadas em território catarinense e aquelas sediadas em território de outras unidades da Federação, quando o objeto da licitação for passível de benefício fiscal referente ao ICMS concedido pelo Estado de Santa Catarina etc. O Tribunal também determina à Secretaria da Administração que, nesse sentido, revise o modelo de redação dos editais a ser observado pelas unidades da administração estadual.

O que deveria ser um benefício tornou-se um problema! Como solucioná-lo? Podemos pensar nas seguintes alternativas:

1) fazer a licitação pelo valor líquido (sem o ICMS), o que se aproxima da recomendação do TCE, pagando a diferença relativa ao imposto, no caso de concorrente de outro Estado se revelar o vencedor – o que prejudica a transparência do certame, pois o preço vencedor pode não ser o mesmo que será desembolsado pelo Poder Público (diferença relativa ao imposto devido pelo fornecedor de outro Estado e dispensado no caso do fornecedor catarinense);

2) entender o benefício como facultativo – o que implica poder o órgão licitante renunciar a um benefício fiscal em que ele próprio seria o beneficiário o que contraria o interesse público;

3) denunciar o Convênio ICMS 26/2003, o que parece ser a solução mais sensata, tendo em vista que a incompatibilidade com o sub-ordenamento jurídico tributário nacional decorre dos termos do próprio convênio.

A solução ideal seria o benefício abranger as operações interestaduais o que, contudo, dependeria da concordância dos demais membros da Federação.

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