DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Contribuintes e responsáveis: quem deve pagar o IPVA?

Velocino Pacheco Filho

O art. 3º da Lei 7.543/1988, que instituiu o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) em Santa Catarina, dispõe que o contribuinte do imposto é o proprietário do veículo automotor. Porém, a redação original do § 1º, III, do mesmo artigo, atribuía a responsabilidade pelo pagamento do imposto e dos acréscimos legais à empresa detentora da propriedade, no caso de veículo cedido pelo regime de arrendamento mercantil.

O dispositivo é redundante! Se o contribuinte do IPVA é o proprietário, é totalmente despiciendo atribuir-lhe também a responsabilidade pelo recolhimento. Essa responsabilidade é inerente à condição de contribuinte.

Na tentativa de corrigir a falha, a Lei 15.242/2010 modificou a redação do mencionado dispositivo, atribuindo a responsabilidade, nessa hipótese, ao arrendatário.

No entanto, de forma ilógica e simplória, decisões do Tribunal Administrativo Tributário (TAT) têm entendido que cancelado notificações fiscais emitidas contra o proprietário, para fatos geradores posteriores a 27 de julho de 2010, sob o pretexto de que deveriam ter sido emitidas contra o arrendatário.

Ora, a obrigação tributária, como relação intersubjetiva, envolve duas pessoas: o sujeito ativo (Estado), que tem o direito subjetivo de exigir a prestação (tributo), e o sujeito passivo obrigado ao adimplemento da obrigação. O art. 121 do Código Tributário Nacional (CTN) define sujeito passivo da obrigação principal como “a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária”. O parágrafo único do mesmo artigo distingue duas espécies de sujeitos passivos: (i) o contribuinte, “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” e o (ii) responsável, “quando sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.

Ou seja, responsabilidade tributária não se presume: a obrigação de pagar é, em princípio, sempre do contribuinte (sujeito passivo direto). Para obrigar um terceiro, é necessário disposição expressa de lei. Na falta de disposição expressa, nada pode ser exigido do terceiro.

O legislador pode escolher qualquer um como responsável tributário? Certamente que não. O art. 128 do mesmo pergaminho diz que “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa”, mas desde que esteja vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação. Qual a natureza dessa “vinculação”? o responsável, como o contribuinte, deve estar vinculado ao fato gerador. Isto quer dizer que para que o legislador possa atribuir responsabilidade à terceira pessoa, esta deve estar em posição tal que possa recuperar, do contribuinte, o valor pago a título de tributo. Em outras palavras, o tributo deve atingir a capacidade contributiva do contribuinte (aquele que pratica o fato gerador) e não a do responsável.

Poderiam objetar que, no caso da responsabilidade dos oficiais de registro de imóveis, pelo imposto de transmissão, estes não são capazes de recuperar o tributo do verdadeiro contribuinte. Mas isso somente ocorre quando ele deixa de cumprir dever de ofício (exigir a comprovação do pagamento do imposto). O Erário não pode ser prejudicado pelo descuido do oficial responsável.

Além disso, o art. 128 prevê a responsabilidade (i) com exclusão da responsabilidade do contribuinte (caso da substituição tributária) ou (ii) com responsabilidade subsidiária do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. A redação do art. 3º, § 1º, III, da Lei 7.543/1988 não esclarece esse ponto. Não há fundamento legal para afirmar que o tributo deve ser exigido apenas do arrendatário, com exclusão do arrendante que é o verdadeiro contribuinte do imposto.

Agora vejamos, qual o vínculo com o fato gerador da obrigação principal que permitiria ao arrendatário (responsável) recuperar o imposto pago do arrendante (contribuinte)? Ao que parece não há vínculo o que importa em dizer que o responsável iria arcar indevidamente com o ônus do tributo. Então, atribuir simplesmente a responsabilidade pelo pagamento ao arrendatário, com exclusão da responsabilidade do arrendante, não parece ser a interpretação correta.

Qual seria, então, o sentido que pode ser atribuído à redação dada pela Lei 15.242/2010 ao dispositivo enfocado? Podemos dizer que estamos diante de uma responsabilidade subsidiária, ou seja, de uma garantia do crédito tributário. Podemos, por outro lado, pensar em uma responsabilidade solidária: com efeito, diz o art. 124, I, do CTN, que “são solidariamente obrigadas as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”. Pois bem, o arrendante detém a propriedade (não plena) do veículo, porém, o arrendatário tem a posse direta, com opção de compra ao final do contrato. Podemos entender que a solidariedade resta caracterizada.

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