DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Isonomia vs. Isenção

Velocino Pacheco Filho

Dispõe o art. 5º, caput, da Constituição que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Por sua vez, o art. 150, II, da Lei Maior, proíbe a “instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”. Trata-se do já conhecido princípio da isonomia (ou da igualdade) que obedece à velha formula: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.

Essa igualdade é a igualdade formal, já que materialmente os homens não são iguais, mas diferem quanto à fortuna, inteligência, cultura, competência etc. Mas para o direito, nada disso importa: perante a lei, todos são iguais; todos tem os mesmos direitos. A aplicação do princípio exige a consideração das desigualdades (materiais) entre os seres humanos. Não se pode exigir a mesma capacidade de compreensão do analfabeto e do detentor de diploma universitário. A lei deve ser aplicada levando em conta as desigualdades, pois “tratar desigualmente os desiguais é criar uma desigualdade”. Assim, o princípio da igualdade deve ser aplicado levando em conta as desigualdades existentes.

Na seara tributária, a contribuição de cada um deve ser graduada conforme a capacidade contributiva de cada um, ou seja, na medida das suas desigualdades. Esse precisamente o critério que vem sendo adotado para identificar o ordenamento tributário justo. Klaus Tipke adota esse mesmo critério para aferir a moralidade da tributação.

Considerando o princípio da isonomia, como entender o tratamento tributário desuniforme? Se todos devem contribuir para o financiamento do Estado, como um dever inerente à cidadania, porque alguns gozam de tratamento tributário favorecido, não estendido aos demais contribuintes?

No magistério de José Souto Maior Borges (Isenções Tributárias), “podem ser estabelecidas em lei apenas isenções compatíveis com o sistema constitucional de tributação, isto é, não violatórias  do princípio da isonomia ou igualdade de todos perante o fisco”.

Todo tratamento tributário diferenciado – isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos e quais quer outros benefícios fiscais – deve ser justificado, por constituir exceção ao princípio da igualdade na tributação.

O tratamento tributário mais favorecido pode ser devido (i) à aplicação pura e simples do princípio da isonomia que veda a instituição de tratamento diferenciado a contribuintes que se encontrem em situação equivalente – a contrario sensu, deve ser dado tratamento diferenciado a contribuintes que não se encontrem em situação equivalente; (ii) a considerações de extrafiscalidade, quando o legislador visa produzir efeitos nos campos sociais ou econômicos; e (iii) a um privilégio fiscal instituído em benefício de alguns (privilégio odioso).

O tributo tem características extrafiscais quando a receita tributária obtida não é o efeito mais importante visado pelo legislador. Todo tributo pode, em tese, ser utilizado de modo extrafiscal, mas alguns tributos foram considerados expressamente como extrafiscais pelo constituinte. É o caso dos impostos sobre o comércio exterior, do IPI e do IOF. Essa a razão porque a alteração de suas alíquotas não obedece ao princípio da legalidade nem ao da anterioridade, podendo ser cobrados no mesmo exercício em que publicada a lei que os aumentou.

Mas quais os critérios que nos permitem identificar a extrafiscalidade? Quando uma isenção ou outro benefício fiscal se caracteriza como extrafiscal ou como privilégio odioso?

A diretriz, vamos encontrar ainda em Souto Maior Borges (op. cit.): “O ordenamento tributário prescinde, nesses casos, dos seus fins estritamente fiscais para assegurar o bem-estar geral”. A isenção extrafiscal constitui efetivamente uma exceção à igualdade de todos perante o fisco. No entanto, essa exceção deve ser justificada em termos de bem comum e do interesse público. A extrafiscalidade somente é admissível se dela resultar um bem para a sociedade maior que os serviços públicos que deixarem de ser oferecidos à população, em razão da renúncia de receita que acompanha a isenção.

As isenções extrafiscais, portanto, constituem tema constante de reflexão sobre a realização de valores constitucionais como a igualdade entre os contribuintes. O que pensar sobre o tratamento tributário favorecido dado a uma empresa ou a um setor econômico? Valeria apenas o argumento de que estaria sendo promovido o aumento do emprego e da renda? Ora, nem sempre o crescimento de uma empresa é acompanhado do aumento do emprego. Ao se modernizar e adotar novas tecnologias (informática etc.), é frequente que as empresas demitam funcionários (redução do emprego). Da mesma forma, os ganhos de produtividade são apropriados, na sua maior parte, pela empresa e não são distribuídos aos seus empregados. O crescimento da empresa pode não significar, necessariamente, aumento do emprego ou da renda. Nesse caso, o único beneficiado é a empresa e seus sócios ou acionistas, o que vem a caracterizar o privilégio odioso.

Os benefícios fiscais devem ser melhor pensados, para não se tornarem instrumentos de concentração de renda, do privilégio dado a alguns, em prejuízo da maioria, da instauração da injustiça fiscal (se é que já não está instaurada).


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