DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A ADI 1.851 e sua justificação

Velocino Pacheco Filho
Toda decisão, administrativa ou judicial, deve ser fundamentada. Trata-se de especificar as razões jurídicas ou factuais que justificam a decisão tomada. Porém, quais argumentos podem ser utilizados para fundamentar ou para justificar a decisão?

Conforme Neil McCormick, os raciocínios puramente dedutivos podem não ser suficientes. É válido, portanto, considerar as consequências possíveis ou prováveis decorrentes da decisão, em casos que envolvem a pertinência, a interpretação ou a classificação.

Contudo, McCormick não está defendendo a justificação das decisões apenas conforme a conveniência da Administração. Pelo contrário, defende que a avaliação das consequências depende de meticuloso exame à luz dos princípios constitucionais fundamentais. Ou seja, o uso de argumentos consequencialistas somente serão válidos se forem compatíveis com os valores adotados pelo ordenamento jurídico.

Tomemos como exemplo a ADI 1.851 AL que decidiu pela constitucionalidade do Convênio ICMS 13/1997, segundo o qual no caso de substituição tributária “para frente” (antecipação do recolhimento com encerramento da tributação), a base de cálculo estimada (para o cálculo da retenção do imposto devido por substituição tributária) não é provisória, mas definitiva. Assim, quando da concretização do fato gerador presumido, o fato do valor da operação (base de cálculo efetiva) se tornar conhecido não dá ensejo “à restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final”.

Na justificação da decisão, o Supremo Tribunal argumentou que a restituição da diferença despojaria o instituto “das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação”. Trata-se obviamente de um argumento consequencialista. Será ele válido nesse caso?

Eficiência, economia e celeridade são qualidades que devem ser perseguidas pela Administração Tributária, mas não em prejuízo de outros valores, também presentes no ordenamento e de maior peso. É o caso da base de cálculo, definida por Ataliba como “a perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência”. Becker, a seu turno, via na base de cálculo um papel fundamental, qual seja, a revelação da capacidade contributiva. Além disso, é na base de cálculo que verificamos a real natureza do tributo. Por isso, Paulo de Barros Carvalho leciona que a base de cálculo afirma, confirma ou infirma o fato gerador do tributo. Deve haver uma relação necessária entre o fato gerador e a base de cálculo, cuja lógica não deve ser rompida.

Cobrar o tributo utilizando uma base de cálculo estimada, recusando qualquer ajuste, mesmo depois de conhecida a base de cálculo real, atende a essa “relação necessária”? Não estará havendo uma cobrança indevida no caso da “bola de cristal” do Fisco errar para mais? Se errar para menos, não estará o Fisco abrindo mão de receita tributária?

A decisão da Corte teve em vista apenas a conveniência e a comodidade das Administrações Tributárias dos Estados. Entretanto, essas virtudes devem ser sopesadas com valores como a legalidade, a moralidade e a segurança jurídica.

A evasão tributária é, com razão, uma preocupação constante das Administrações Tributárias e constitui um objetivo válido a sua redução ao mínimo. Mas, a receita tributária não constitui um objetivo em si mesma. Pelo contrário, trata-se do meio para atingir os objetivos do Estado: a garantia dos direitos fundamentais (inclusive o direito à saúde e à educação), a prestação de serviços públicos de qualidade e, enfim, a consecução do bem comum.

Um comentário:

  1. Eu louvo a manifestação do STF na ADI citada, pois, como querem alguns que defendem o fim da substituição tributária para enquadrados no Simples Nacional (de escopo é inconfessável) - que um simples crédito presumido resolveria - isto implicaria em retorno ao sistema de fiscalização voltado a "botecos" que existia antes da especialização e organização efetiva do aparato fiscal. É uma faca de dois gumes.
    Respeitados os preceitos constitucionais, o bem comum implica políticas públicas que viabilizem no sentido prático os fins colimados pelo Estado, sob pena de que o desnecessário inchamento da máquina pública inviabilize a programática da eliminação das desigualdades sociais e regionais, propiciando ainda mais a concentração de renda,pelo favorecimento aos trustes, cartéis e, porque não dizer, dos monopólios.

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