DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O contencioso administrativo tributário e o direito de petição

Velocino Pacheco Filho

Executivo, Legislativo e Judiciário são Poderes “independentes e harmônicos entre si”, conforme dicção do art. 2º da CF. Assim, no caso de conflito entre a Administração Pública (P. Executivo) e o particular, o litígio é submetido ao P. Judiciário como o terceiro neutro na relação processual.  Cabe ao Judiciário, ouvidas as partes, dar solução ao conflito.

O Brasil, ao contrário da França e de outros países europeus, adota o princípio da unidade da jurisdição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF, art. 5º, XXXV).

Então, qual o sentido do contencioso administrativo tributário em nosso País? Ele não faz parte do Poder Judiciário, já que se trata de órgão da Administração Tributária (poder Judiciário): não há prestação jurisdicional; não faz coisa julgada; não decide litígio entre a Administração e o contribuinte.

O direito do contribuinte de questionar administrativamente o lançamento tributário (a constituição de ofício do crédito tributário) insere-se no direito de todo cidadão de peticionar aos Poderes Públicos “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” (CF, art. 5º, XXXIV, a). Isso faz do contencioso administrativo tributário um órgão de controle da legalidade dos atos da Administração Tributária: do lançamento, mais precisamente. “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos” (Súmula STF 473).

O julgador administrativo, singular ou coletivo, deve ocupar-se de questões como: o crédito tributário exigido é legal? a autoridade lançadora tem competência para praticar o ato? foram observadas as formalidades exigidas por lei? foi dada oportunidade para o contraditório e ampla defesa? As provas são suficientes e conclusivas? Foram obtidas de forma lícita?

Tem-se procurado dotar os órgãos do contencioso administrativo tributário de certa autonomia em relação à Administração Tributária, para que possa desempenhar as suas funções adequadamente, sem sofrer pressões. Nesse mesmo sentido, tais órgãos têm adotado composição paritária, entre representantes da Fazenda Pública e das entidades de classe dos contribuintes. Quais funções? A de verificar a legalidade da constituição do crédito tributário e, se for o caso, promover a sua desconstituição. É importante, como alerta Alberto Xavier, que haja uma separação (autonomia) funcional entre os órgãos encarregados da constituição do crédito tributário e aqueles que detêm o poder para sua desconstituição.

Tendo a compreensão da natureza do contencioso administrativo, podemos responder algumas questões recorrentes: porque não existe coisa julgada administrativa? Ora, como não se trata de um verdadeiro julgamento (como o procedido pelo judiciário), mas de um controle da legalidade dos atos da Administração Tributária, não há que se falar em coisa julgada, nem mesmo para a Administração. O lançamento cancelado pelo contencioso administrativo simplesmente deixa de existir.

Porque o órgão contencioso não pode decidir in pejus (agravando a exigência do Fisco)? Porque não lhe cabe constituir o crédito tributário, apenas verificar a legalidade do lançamento que o constituiu.
Pela mesma razão, a Administração Tributária não pode recorrer ao Poder Judiciário contra decisão do contencioso administrativo que lhe for desfavorável. Apenas o contribuinte pode fazê-lo. O lançamento representa uma pretensão do Fisco sobre o patrimônio do contribuinte que é exercida mediante a respectiva ação de execução fiscal. O contencioso administrativo pertence ainda à fase de constituição do crédito tributário pretendido pela Fazenda. A proposição de ação contra a decisão administrativa seria algo anômalo, pois a Fazenda Pública seria, ao mesmo tempo, autora e ré. Seria como um cachorro que procura morder o próprio rabo.

Por fim, uma questão que também é levantada periodicamente: o auditor fiscal, responsável pelo lançamento, não teria o direito de participar da discussão no contencioso administrativo, em defesa do ato fiscal? E primeiro lugar, não há “defesa do ato fiscal”. O ato fiscal não está sendo atacado. A única defesa que existe, no caso, é do contribuinte, perante a pretensão da Fazenda sobre o seu patrimônio. Ademais, o auditor fiscal é a autoridade a quem a lei cometeu a competência para constituir o crédito tributário. Mas, o crédito tributário não é do auditor; é da Fazenda Pública, representada pela Procuradoria Fiscal. O auditor não é parte; não tem interesse processual. Apenas quando solicitado, tem o dever de prestar esclarecimentos ou de efetuar diligência determinada pelo julgador.

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