DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 28 de outubro de 2014

O lançamento como aplicação da norma de incidência tributária

Velocino Pacheco Filho

O discurso prescritivo do direito compreende normas que visam induzir comportamentos, principalmente porque vêm acompanhadas da previsão de sanções, no caso de seu descumprimento. Espera-se que tais normas sejam gerais (dirigidas a todos) e abstratas (fatos ainda não acontecidos). Norberto Bobbio (Teoria da Norma Jurídica) comenta que abstração e generalidade não devem ser entendidas como critérios de definição da norma jurídica, mas como critérios para sua classificação. Embora seja desejável que as normas contidas nas leis sejam gerais e abstratas, para realizarem os valores justiça e certeza do direito.

Mas, face ao caso concreto, a aplicação do direito exige outra classe de normas, individuais e concretas, como no caso da sanção imposta a quem não cumpre a norma geral e abstrata. Também esse é o caso do lançamento tributário, como ato privativo da autoridade fazendária, que constitui (declara) a relação jurídico-tributária que se instaura entre o Estado e o contribuinte e que tem por objeto a exigibilidade do crédito tributário. Ou seja, o fato concreto subsume-se na norma geral e abstrata. Se o fato concreto, cuja ocorrência foi constatada no mundo real, corresponde, em suas características, ao fato gerador do tributo, como descrito no antecedente da norma geral e abstrata, então deve incidir o disposto no seu consequente.

A aplicação do direito, então, pode ser entendida como a construção de um silogismo, cuja premissa maior é a norma geral e abstrata e a premissa menor (categórica) é a afirmação da ocorrência do fato concreto, demonstrada pelas provas levantadas durante o procedimento fiscal. A conclusão, por sua vez, é a declaração da existência da relação jurídico-tributária o que torna o tributo exigível.

O que deve ser provado? Primeiramente, que o fato concreto corresponde ao fato hipotético descrito na norma, em seus aspectos material, espacial e temporal. Também deve ser provado que a base de cálculo adotada pela autoridade administrativa expressa a “perspectiva dimensível do aspecto material”, para utilizar a expressão adotada por Geraldo Ataliba, tendo especial cuidado nos casos em que a lei permite a essa mesma autoridade o seu arbitramento. Deve ainda restar claramente demonstrada a adequação da alíquota aplicada, o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, seja ele contribuinte, responsável ou substituto, e o sujeito ativo, aquele que tem competência para exigir o tributo.

Contudo, como ensinava Cícero, summum jus summa injuria. A aplicação mecânica da norma ao fato, como conclusão necessária das premissas, indiferente à situação concreta, pode resultar em desumanização do direito e à instauração de uma situação de injustiça, à qual o direito não pode ser indiferente.

Para resolver esse paradoxo, o remédio de que dispõe o aplicador do direito é a equidade. Mas, atenção! Não podemos confundir essa equidade, que contempla a dimensão humana na aplicação do direito, com a equidade como integração da legislação (colmatação de lacunas) de que trata o Código Tributário Nacional no art. 108, IV.

A equidade de que estamos falando está expressa no art. 172, IV do CTN: “A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário atendendo a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso”.

A hipótese é de remissão – perdão, renúncia ao crédito – hipótese de extinção do crédito tributário, nos termos do art. 108, IV. Mais ainda, a concessão de remissão por equidade está sendo atribuída à autoridade administrativa. Ora, o crédito tributário é indisponível e a atividade administrativa de lançamento (constituição do crédito) é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (CTN, art. 142, p. único). Então não pode tratar-se de poder discricionário atribuído à autoridade fazendária.

A remissão por equidade depende de expressa previsão em lei que, conforme § 6º do art. 150 da Constituição, deverá ser específica, regulamentando exclusivamente essa matéria ou o correspondente tributo. Na falta de lei, não poderá ser concedida remissão por equidade. Essa lei deve definir a autoridade competente, bem como a forma e em que casos o crédito poderia ser remitido. O despacho que a conceder em cada caso deve ser fundamentado, explicitando a situação peculiar que a justifica e sua adequação às condições prevista em lei para sua concessão.

Constatado que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições para sua concessão ou que não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos exigidos, o despacho deverá ser revogado, tornando-se exigível o tributo não recolhido, acrescido de juros moratórios e, nos casos de dolo ou simulação, da penalidade cabível.

De qualquer modo, a equidade, quando autorizada por lei, deve ser aplicada com muito critério e nos estritos termos em que a lei a autorizar.

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