Velocino Pacheco Filho
O art. 24, I, da Constituição do Brasil, diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário. Conforme § 1º do mesmo artigo, no âmbito da legislação concorrente, compete à União legislar sobre normas gerais. Ou seja, trata-se de matéria reservada ao legislador federal. O tributo somente pode ser instituído por que detenha a competência, mas as normas gerais quem legisla é a União. Exemplo: o ICMS é imposto de competência dos Estados. Somente os Estados podem instituir o ICMS e legislar sobre eles, desde que não contrarie a legislação federal sobre normas gerais.
No entanto, acrescenta o § 2º, a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Entenda-se, no que for omissa a lei de normas gerais editada pela União.
Mas o que acontece se não houver lei federal dispondo sobre normas gerais? Nesse caso, dispõe o § 3º, os Estados exercerão a competência legislativa plena. É o que acontece, por exemplo, com o IPVA que até hoje não tem lei federal dispondo sobre normas gerais o que não impede os Estados de instituírem e cobrarem o tributo. Mas, conforme a regra do § 4º, a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Acabou? Não, conforme art. 146, somente lei complementar pode dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária. Além disso, o mesmo artigo relaciona o conteúdo de tais normas gerais:
(i) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes;
(ii) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
(iii) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;
(iv) definição do tratamento diferenciado e favorecido para a s microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I, e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Essa relação compreende todas as normas gerais que estão na competência da União ou seria apenas exemplificativa? A questão está em aberto. Na prática, tem-se aceito sem grandes contestações que toda a matéria tratada no CTN e nas leis complementares representam, efetivamente, normas gerais.
Mas, não só de normas gerais tratam as leis complementares federais. Assim, o próprio art. 146 também exige lei complementar para (i) dirimir conflitos de competência e (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.
O art. 146-A, por sua vez, permite a adoção de critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência. Seria outra hipótese em que a Constituição admite a intervenção do Estado no mercado, mas apenas para preservar a livre concorrência, elevada a princípio informador da ordem econômica pelo art. 170, IV, da Lei Maior.
Já o art. 155, § 2º, XII, tratando especificamente do ICMS, reserva ao legislador complementar longa lista de matérias, dentre as quais, a definição de contribuintes, a substituição tributária, o regime de compensação dos créditos (se físicos ou financeiros), o tratamento das exportações, os casos de manutenção de crédito, a celebração de convênios tratando de exoneração de tributos etc.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE 559943 RS), com efeito, reconheceu que os Estados não podem dispor de modo contrário à lei complementar, pois o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária está reservado ao legislador complementar federal. Disposições da legislação estadual em desacordo com a lei complementar federal de normas gerais padeceriam de vício de inconstitucionalidade.
Conforme prestigiado escólio de Aliomar Baleeiro, o CTN e demais leis complementares federais sobre normas gerais são leis nacionais e não simplesmente federais. Aplicam-se, pois à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
Pois bem! Qual o efeito das leis complementares estaduais tratando de normas gerais? Leciona Misabel Derzi que a “norma geral” do Estado, meramente supletiva, pode regular apenas matéria omissa na norma geral federal e só essa. Tratam apenas supletivamente a matéria de normas gerais porque a competência legislativa é da União, não dos Estados.
Considerando o sistema federativo, como concebido por Kelsen, as normas gerais sobrepõe-se às ordens jurídicas parciais, da própria União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A lei complementar estadual de normas gerais teria caráter puramente supletivo (apenas no que a legislação federal for omissa), não podendo se opor à lei complementar federal.
Enfim, a lei complementar estadual de normas gerais nem aos seus próprios Municípios obriga.
A propósito, para que serve uma lei estadual de normas gerais? Receio que não sirva para muita coisa. Como não por dispor contrariamente à legislação federal de normas gerais, ela poderia apenas reproduzir servilmente os seus dispositivos. Por outro lado, considerando a repartição constitucional de competências legislativas, em sede de legislação concorrente, a legislação federal sobre normas gerais é autoaplicável: não depende de sua confirmação pela legislação estadual.
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