DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O STJ e a tributação dos pré-moldados

Velocino Pacheco Filho
Qual o tratamento de pré-moldados empregados na construção civil? Em outras palavras, trata-se de circulação de mercadorias, caso em que incide o ICMS, de competência dos Estados, conforme CF, art. 155, II, ou de prestação de serviços, incidindo o ISS, de competência dos Municípios conforme CF, art. 156, III?

Para incidir o ISS, devem estar presentes, cumulativamente, as seguintes condições: (i) deve se tratar de prestação de serviço, (ii) não estar abrangido na competência tributária dos Estados e (iii) estarem os serviços definidos em lei complementar que, no caso, é a Lei Complementar 116/2003. 

O § 2º do art. 1º dessa lei complementar dispõe que “ressalvadas as exceções nela previstas, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao ICMS, ainda que envolva fornecimento de mercadorias”. Em síntese, se a prestação de serviço envolve o fornecimento de mercadorias, as mercadorias integram a base de cálculo do ISS. Caso contrário, se a operação com mercadorias envolve prestação de serviços, os serviços integram a base de cálculo do ICMS (CF, art. 155, § 2º, IX, b).

Conforme art. 7º da mesma Lei, a base de cálculo do ISS é o preço do serviço. Contudo, dispõe o § 2º do mesmo artigo, que não se incluem os valores dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços previstos no item 7.02 (execução de construção civil por empreitada ou subempreitada). Pois bem, o material utilizado pelo prestador de serviços deve ser excluído da BC? Depende! O material produzido pelo prestador do serviço, fora do canteiro de obras, sem dúvida, deve ser excluído da base de cálculo do ISS. Isso porque sobre esse material incide o ICMS. Mas o material utilizado pelo prestador do serviço na própria obra, este deve integrar a base de cálculo do ISS.

Com efeito, o item 7.02 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003 descreve o serviço tributado pelo ISS: “Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, .... (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS)”. O mesmo tratamento constava do Decreto-lei 406/1968 e do item 32 da Lista de Serviços anexa, na redação dada pela Lei Complementar 56/1987.

No caso dos pré-moldados, trata-se de materiais produzidos fora do local da execução da obra, para utilização na obra. Pela regra da Lei Complementar 116/2003 (exceção prevista no item 7.02 da Lista de Serviços), deveria incidir sobre os pré-moldados apenas o ICMS.

Contudo, a Primeira Turma do STJ decidiu, no julgamento do REsp 247.595 MG, relator o Min. José Delgado (DJ 15-5-2000, p. 145), que “não há fornecimento (no sentido de comercializar) aos seus contratantes de peças pré-moldadas produzidas pela empresa a fim de aplicá-las especificamente nas edificações contratadas”, hipótese em que incidiria o ISS sobre os pré-moldados e não o ICMS. Acrescenta o acórdão que a empresa “apenas as transporta, após confeccioná-las, a fim de montá-las no local da obra, de acordo com o projeto previamente estabelecido”. Isto porque, esclarece, não há possibilidade física e técnica, no caso de construções de grande porte pelo sistema de pré-moldados, de serem “produzidas as peças de montagem da edificação no próprio local da obra”. No caso discutido as peças transportadas serviriam, apenas “para a obra a que se destinam especificamente, não possuindo valor individualizado para comercialização”.

O acórdão cita decisão da Segunda Turma (REsp 40356/SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 03/06/1996), no sentido de que "na construção civil pelo sistema de pré-moldados, sob regime de empreitada global, em que a empresa construtora produz as peças a serem montadas em edificação específica, sem comercializá-las individualmente, transportando-as para o local da obra, não incide o ICM cuja base de cálculo para a cobrança é inexistente".

Esta decisão e outras semelhantes sugerem que o STJ entende não ser aplicável aos pré-moldados a regra prevista no item 0.07 da Lista de Serviços, ou seja, a própria Lei Complementar 116/2003.

No entanto, em decisão recente (REsp 1.335.231 RS, da Segunda Turma, relator o Min. Herman Benjamin; DJe 18-12-2012) o STJ reconheceu a incidência do ICMS sobre pré-moldados. Isso representaria uma mudança de entendimento do tribunal? Ou trata-se do reconhecimento que a regra geral é a incidência de ICMS sobre pré-moldados e a incidência de ISS uma situação excepcional?

A controvérsia no referido recurso extraordinário gira em torno da incidência de ICMS sobre o fornecimento de material pré-moldado pela recorrente, para instalação em obras que não foram por ela executadas. Com efeito, trata-se de subempreitada, ou seja, o empreiteiro confia a terceiros a execução da obra (art. 622 do CC). Admite-se a subempreitada de parte da obra e a subempreitada global. Nesse caso, concluiu a Turma que se está diante de operações mercantis, e não de obrigação de fazer obras de construção civil que lhe foram confiadas pelo empreiteiro, hipótese que caracteriza o fato gerador do ICMS.

No julgamento dos embargos de declaração em embargos de declaração, que foram rejeitados, o Tribunal esclareceu que a tributação pelo ICMS alcançou o fornecimento de pré-moldados fabricados em local diverso para instalação em obras executadas por terceiros, o que configura obrigação de dar. Incide ICMS porque a hipótese é de operações mercantis e não de obrigação de fazer obras de construção civil que lhes foram confiadas pelo empreiteiro.

O acórdão acrescenta que mesmo na hipótese de subempreitada, o deslocamento de peças pré-fabricadas do canteiro central para o local da obra, na forma de comercialização individualizada, está sujeito ao ICMS e não ao ISS. O subempreiteiro que fornece materiais produzidos fora do local da prestação dos serviços e os comercializa individualmente é o sujeito passivo do ICMS incidente sobre a circulação dessas mercadorias.

À evidência, parece irrelevante para definir o tratamento tributário o fato dos pré-moldados serem produzidos pela mesma empresa responsável pela obra ou por subempreiteiro. A regra da Lei Complementar 116/2003, bem como do antigo Decreto-lei 406/1968, é que a execução de obra de construção civil constitui serviço tributado pelo ISS, exceto as mercadorias produzidas fora do local da construção, o que compreende os pré-moldados, que são tributadas pelo ICMS. Então, somente em circunstâncias especialíssimas poder-se-ia admitir a tributação dos pré-moldados pelo ISS. 

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