DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A base de cálculo do ICMS nas transferências internas e interestaduais

Velocino Pacheco Filho

A Constituição da República define as materialidades sobre as quais as pessoas políticas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) podem instituir impostos. Assim, o art. 155, II, permite que os Estados instituam imposto sobre (i) operações de circulação de mercadorias e (ii) prestações de serviços de transporte e de comunicação. Essas materialidades vão constituir o núcleo ou o(s) aspecto(s) material(is) do ICMS.

Para o imposto ser exigível dos particulares, a lei deve definir o fato gerador, base de cálculo, alíquota e sujeito passivo (contribuinte ou responsável). A base de cálculo do imposto constitui a sua expressão financeira – “a perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência”, como dizia Geraldo Ataliba. No caso do ICMS, a base de cálculo é o valor atribuído pelos contratantes (do serviço ou da compra e venda) à prestação ou à operação. Assim, o legislador não pode eleger como base de cálculo um valor qualquer, alheio à materialidade do respectivo fato gerador. A base de cálculo deve ser tal que permita reconhecer o fato gerador de que ela é expressão.

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, a base de cálculo confirma, afirma ou infirma a materialidade do fato gerador. Confirma, quando reconhece sua pertinência à materialidade do fato gerador; afirma quando aponta a qual fato tributável corresponde; e infirma, quando se revela incompatível com a situação apontada como fato gerador do tributo.

A fim de garantir um mínimo de homogeneidade à legislação do ICMS – de competência dos Estados e do Distrito Federal – o constituinte cometeu à lei complementar federal a competência para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, nelas se incluindo a definição da base de cálculo. Isto porque o direito tributário é de competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, conforme art. 24 da Constituição, cabendo, privativamente à União legislar sobre normas gerais de direito tributário. Nessa hipótese, a União deve exercer sua competência mediante lei complementar, nos termos do art. 146, III, da Lei Maior. 

Então, nos termos do art. 13 da Lei Complementar 87/96, que dispõe sobre normas gerais relativas ao ICMS, a base de cálculo na saída da mercadoria do estabelecimento é o valor da operação que, tratando-se de contrato de compra e venda, é o preço estipulado entre comprador e vendedor. Conforme art. 482 do Código Civil, a compra e venda considera-se obrigatória e perfeita quando as partes acordarem no objeto e no preço. Nasce, a partir daí, a obrigação do comprador de pagar o preço e do vendedor de entregar a coisa. O contrato é considerado nulo se a fixação do preço ficar ao arbítrio exclusivo de uma das partes (art. 489). 

Mas, no caso de transferência entre estabelecimentos da mesma empresa, não há preço, porque não há acordo entre as partes. Na verdade, não há partes. Ninguém celebra contrato consigo mesmo. Nesse caso, o valor da transferência, se a lei não dispuser de modo diverso, é uma decisão unilateral da empresa. Por isso mesmo, o legislador complementar estabeleceu regras para determinar o valor da operação no caso de transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa. 

Como deverá, nesse caso, ser determinado o valor da operação? Não havendo valor (preço), o art. 15 da Lei Complementar 87/96 determina que se adote: (i) o preço corrente da mercadoria ou seu similar no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador; (ii) o preço FOB estabelecimento industrial à vista, caso o remetente seja industrial; e (iii) o preço FOB estabelecimento comercial à vista, na venda a outros comerciantes ou industriais, caso o remetente seja comerciante.

A regra do art. 15 vale para as transferências internas (ambos os estabelecimentos estão localizados no mesmo Estado) e outros casos em que não exista valor da operação. Porém, no caso da operação de transferência ser interestadual (estabelecimentos situados em Estados diferentes), vigora a regra do § 4º do art. 13: na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é: (i) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; (ii) o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento; ou (iii) tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.

O Estado pode adotar regra diversa nas transferências? Não! A competência para dispor sobre a matéria é privativa da União. O § 4º do art. 24 da Constituição é claro ao dizer que, no caso de superveniência de lei federal sobre normas gerais, a legislação estadual tem sua eficácia suspensa, no que lhe for contrária. Portanto, tratando-se de normas gerais, em caso de conflito entre a norma federal e a norma estadual, deve prevalecer a norma federal. A definição da base de cálculo do imposto situa-se entre as normas gerais, por expressa disposição do art. 146, III, “a”, da Constituição Federal.

Conforme o valor que for adotado pela empresa nas transferências interestaduais, poderá estar sendo favorecido um Estado e prejudicado outro. No plano interno, o cálculo do índice de participação dos Municípios no ICMS poderá ser substancialmente alterado de acordo com o valor atribuído à mercadoria transferida. Ora, não é dado aos contribuintes escolher a qual Estado ou a qual Município irá recolher o tributo.

As transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa somente podem ser feitas pelos valores determinados pela Lei Complementar federal 87/1996, sendo vedado aos Estados adotar regra diversa.

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