DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O ICMS e o adequado tratamento do ato cooperativo

Velocino Pacheco Filho

O art. 146, III, da Constituição diz que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Causa certa estranheza, no entanto, a inclusão entre as normas gerais, na alínea “c” desse inciso, o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Lembremos que a competência para dispor sobre normas gerais é privativa da União e que os Estados não podem dispor de modo contrário à lei complementar federal (CF, art. 24, §§ 1º e 4º. O vocábulo “limitar-se-á” utilizado pelo constituinte quer dizer que a União não pode invadir a competência legislativa reservada aos Estados, como a instituição do tributo, suas alíquotas etc. Mas, implicitamente, dispõe também que a competência para legislar sobre normas gerais é da União.

Mas, o que são “normas gerais em matéria de legislação tributária”? Para espancar dúvidas o inciso III do art. 146 enumera as matérias compreendidas nas normas gerais: fato gerador, base de cálculo, crédito, prescrição, decadência etc. Sem maiores cogitações doutrinárias, o tratamento tributário do ato cooperativo está incluído nas normas gerais, por expressa determinação legal.

A enumeração do inciso III esgota as normas gerais possíveis (numerus clausus) ou é facultado ao intérprete acrescentar outras (numerus apertus)? Para isso precisaríamos de um conceito de norma geral que a legislação não esclarece. De todo modo, embora seja difícil estabelecer um conceito suficientemente abrangente, o tratamento tributário do ato cooperativo classifica-se como norma geral porque a Constituição assim o faz.

A inclusão do ato cooperativo entre as normas gerais parece não ter outro objetivo senão o de chamar para a União a competência para legislar sobre a matéria. Com efeito, o que concerne às cooperativas de produtores, o constituinte procurou deliberadamente privilegiá-las. Assim, o art. 187, VI, dispõe que a política agrícola será planejada e executada com a participação efetiva do setor de produção, levando em conta, entre outras coisas, o cooperativismo.

Mas, o que é incluído entre as normas gerais é o adequado tratamento tributário do ato cooperativo, praticado pelas sociedades cooperativas. Então, precisamos saber o que é ato cooperativo e o que é sociedade cooperativa. 

Conforme art. 3º da Lei 5.764/1971, que define a política nacional de cooperativismo,  celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. As cooperativas, como definido pelo art. 4º, são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades, entre outras características, por (i) adesão voluntária, com número ilimitado de associados; (ii) variabilidade do capital social representado por quotas-partes que não podem ser cedidas a terceiros, estranhos à sociedade; (iii) singularidade de voto; (iv) indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; (v) neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; e (vi) prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos seus empregados. 

Conforme art. 79 da mesma Lei, denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais. O parágrafo único desse artigo esclarece que o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

Qual o tratamento tributário do ato cooperativo previsto pela lei complementar, em relação ao ICMS? Tanto o Código Tributário Nacional quanto a Lei Complementar 87/96 são omissas a respeito. Sucede que o fato gerador do ICMS compreende (i) operações de circulação de mercadorias e (ii) prestação de serviços de transporte e comunicação. Quanto ao primeiro caso, classifica-se uma operação como de circulação de mercadorias quando as movimente do produtor até o consumidor final. Diverge a doutrina quanto a ser a circulação econômica ou jurídica (há transferência da titularidade das mercadorias).

Mercadoria, por sua vez, define-se como o bem móvel objeto de mercancia, ou seja, adquirido para fins de revenda ou produzido para ser vendido. A intenção é elemento fundamental para a caracterização do bem móvel como mercadoria.

Fácil perceber que há uma correspondência entre ato cooperativo e operação de circulação de mercadoria. No silêncio da lei complementar, os Estados consideram-se autorizados a exigir o imposto, salvo concessão de isenção ou outra forma de exoneração tributária.

Seria defensável a concessão de regime tributário favorecido às cooperativas de produtores? Sem dúvida, na medida em que contribua para o desenvolvimento nacional e para a redução das desigualdades. A tendência do mercado, considerando a elasticidade-renda dos produtos agrícolas em relação aos manufaturados, é de perda de receita do setor agrícola. Assim, o tratamento tributário diferenciado teria um caráter mais corretivo que de benefício fiscal propriamente dito.

Os Estados poderiam, unilateralmente, tentar corrigir esse desequilíbrio, mediante concessão de benefícios fiscais? Sim e não. Sim, na medida em que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência supletiva dos Estados (CF, art. 24,§ 2º). Não, porque as isenções, incentivos e benefícios fiscais, em matéria de ICMS, somente podem ser concedidos se previamente autorizados pelos demais Estados e pelo Distrito Federal, mediante celebração de convênio, na forma da Lei Complementar 24/1975 (CF, art. 155, § 2º, XII, g).

Na falta de convênio Confaz, autorizando o tratamento diferenciado, este poderia ser instituído por lei complementar federal de normas gerais.

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