DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A consulta tributária formulada por não contribuinte

Velocino Pacheco Filho

Ensina Souto Maior Borges que a atribuição expressa de competência para peticionar (gênero constitucional) inclui a competência para consultar (espécie infraconstitucional). A consulta fiscal é um dos modos pelos quais o direito de petição se manifesta. Ainda conforme o mesmo autor, a consulta pode ter por fundamento:

(i) prevenir contra lesão de direitos do contribuinte;

(ii) a pacificação preventiva de situação fiscal pré-contenciosa;

(iii) a incerteza sobre a conduta a ser adotada pelo Fisco ou sobre alternativa de interpretação sustentada pelo contribuinte.

A consulta é legitimada pela persistência de um estado de incerteza objetiva, de modo que, na consulta, há colaboração entre Fisco e contribuinte em busca da preservação da certeza jurídica. Contudo, a consulta não caracteriza contencioso fiscal, pela simples razão de que não há então pretensões em conflito. 

Mesmo quando a consulta volta-se contra ilegalidade ou abuso de poder, na forma do art. 5º, XXXIV, a, da Constituição, não fica caracterizado contencioso, pois sua finalidade é preventiva. Por isso mesmo, a resposta da Administração vincula tanto o contribuinte como a própria Administração. 

Podemos, pois, concluir que o instituto da consulta existe em benefício do contribuinte, resolvendo o estado de incerteza que a motivou. Como modalidade do direito de petição, a consulta tem por objeto a defesa de direitos ou a proteção do cidadão-contribuinte contra ilegalidade ou abuso de poder.

Então, diz Hugo de Brito Machado, a finalidade é assegurar o máximo de certeza possível na relação fisco-contribuinte. Como não pressupõe a existência de lide, nem sua iminência, a consulta pode ser formulada em face de situações hipotéticas. Nesse caso, conforme o mestre cearense, a resposta da Administração tem o valor de simples orientação – o conhecimento antecipado da interpretação da Administração sobre determinada norma.

No entanto, a consulta pode ser formulada em face de caso concreto. O fato não é mais hipotético, mas já aconteceu. A dúvida é sobre os efeitos jurídicos desse fato, em relação a determinada norma. Nesse caso, a resposta da Administração tem efeito vinculante para o contribuinte. A resposta opera como ato administrativo em concreto, afirmando a existência da relação jurídico-tributária e, por conseguinte, a pretensão do Fisco, dela decorrente, sobre o patrimônio do cidadão-contribuinte. À evidência, se não houver fato, não nasce a relação jurídica e, portanto, não haverá efeitos vinculantes da consulta. 

Qual seria o efeito da resposta em relação a terceiros (pessoas diversas do contribuinte)? Nesse caso não haverá efeitos vinculantes, esclarece o mesmo autor, mesmo quando formulada em face de caso concreto. O caso concreto vincula apenas o consulente ao Fisco, não terceiro em relação ao qual não pode ser afirmada a existência da relação jurídico-tributária.

Ainda conforme o mesmo autor, a resposta à consulta, formulada em face do caso concreto, produz efeito em concreto, em relação ao consulente. Em relação a terceiros, produz efeito normativo (vale como norma em tese) seja no caso de fato concreto ou de situação hipotética. 

A resposta, por outro lado, também vincula a Administração que fica adstrita a aplicar a norma conforme o entendimento expresso na consulta, como pondera Kelly Magalhães Faleiro. Desse modo, o contribuinte que proceder de acordo com a resposta estará protegido contra aplicação em sentido diverso da norma consultada. Isto porque a resposta à consulta delimita o motivo de um possível lançamento o que restringe a ação da Administração. 

De tudo que foi dito, resulta que a condição para a formulação da consulta é o interesse do consulente. O simples pedido de informação não caracteriza consulta, pois não está presente a defesa de direitos etc. finalidade prevista na Constituição como fundamento do instituto.

Pelo mesmo motivo, não fica caracterizada como tal a consulta formulada por servidor fazendário. Conforme Valdir de Oliveira Rocha, a consulta por órgão da própria Administração nunca será consulta fiscal em sentido próprio. Falta ao consulente, nesse caso, o requisito do interesse. Mesmo quando prevista pela legislação, a consulta formulada por servidor tem o valor de mera orientação ou instrução, sem produzir os efeitos próprios do instituto, entre eles o efeito vinculante. Por não produzir efeito vinculante, fica frustrada a consulta quando formulada maliciosamente por servidor fazendário, na vã tentativa de garantir a sustentação de crédito tributário constituído de ofício, em sede de contencioso administrativo fiscal. 

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