Velocino Pacheco Filho
Todo texto normativo
deve ser acompanhado da respectiva exposição de motivos, onde são expostos os
“motivos” (razões que a justificam) da norma proposta, seu objetivo, os efeitos
sociais, políticos ou econômicos pretendidos, os valores jurídicos envolvidos
etc. Em suma, a exposição de motivos consiste na justificação da proposta de
legislação.
Contudo, nem sempre a
exposição de motivos atende ao que se espera dela – esclarecer os motivos que
justificam a legislação proposta – porque essa importante peça jurídica muitas
vezes é redigida sem maiores cuidados, apenas para desincumbir-se de uma tarefa
da qual não se percebe o significado e alcance. A exposição de motivos não é um
resumo dos dispositivos propostos ou a sua reprodução com outras palavras.
A justificação do
texto legal proposto compreende motivos jurídicos e extrajurídicos. Entre os
primeiros, trabalha-se com os valores e os princípios que informam o
ordenamento jurídico, com a noção de justiça, bem comum, interesse público,
direitos e garantias fundamentais. Os motivos extra-jurídicos compreendem a
situação fática, política, social e econômica que a norma proposta visa
disciplinar.
Enquanto a linguagem
do texto de lei é fundamentalmente prescritiva, a linguagem da exposição de
motivos é argumentativa e ilocucionária, visando o convencimento do
destinatário. A função da exposição de motivos é, em grande parte, esclarecer
sobre o sentido das normas propostas, seus fundamentos e objetivos. Com isso,
dirige-se aos parlamentares que devem discutir e votar o texto proposto, mas
também aos intérpretes e aplicadores da legislação que irão pesquisar na
exposição de motivos as razões e os fins visados pela norma (mens legislatoris) e quais os bens
juridicamente tutelados a que ela visa proteger.
A exposição de
motivos, por dirigir-se ao convencimento do destinatário, situa-se no campo da
retórica, sendo retóricos os argumentos empregados (retóricos no sentido
positivo e não de argumentos sofísticos e de má fé). A retórica, como processo
argumentativo, articula valores discursivamente com vistas a persuadir o
destinatário da razoabilidade da norma proposta. Por conseguinte, a retórica
absorve a argumentação lógica, no seu potencial de convencimento. Contudo, os
argumentos são retóricos, diferindo dos argumentos da lógica clássica (ou
apofânticos), por não estarem sujeitos a critérios de verdade e falsidade. Isto
porque no direito não existem verdades absolutas, mas apenas pretensões em
conflito. Nisso o discurso jurídico difere radicalmente do das ciências
naturais, onde se aplicam os critérios de verdade ou de falsidade.
Então, cabe à
exposição de motivos a tarefa de promover a aceitação do texto normativo
proposto pelo destinatário ou tornar impossível a sua não-aceitação. Nesse
caso, dizemos que o texto normativo está epistemicamente justificado.
Por outro lado, a
análise pragmática do discurso permite uma medida do grau de compreensão dos
objetivos da norma pelo destinatário. Aplicada à linguagem do direito positivo,
a análise pragmática procura tornar mais claras as funções do discurso jurídico
e, por essa via, proceder à compatibilização entre valores contraditórios. Isto
porque a estrutura conceitual do discurso jurídico não pode ser dissociada da
ideologia subjacente. Estamos falando dos signos linguísticos e do uso que as
pessoas fazem deles, revelando dessa forma em que medida o discurso jurídico
foi compreendido pelo destinatário. Pois, os usos concretos da linguagem são determinados
pelas relações sociais e pelas interações entre pessoas e entre pessoas e
signos.
A justificação é dita
conseqüencialista quando explica a necessidade da norma proposta em razão das
consequências das proposições jurídicas, vistas em relação à sua conformidade
com as necessidades humanas e sociais.
Para tanto, devem ser examinadas em seu contexto (discursivo e fático).
A exposição de motivos deve demonstrar a adequação entre a norma proposta e os
princípios que informam o ordenamento jurídico.
Em síntese, a
justificação do texto normativo – objeto e fim da exposição de motivos – deve
demonstrar (i) a consistência do texto proposto, ou seja que não está em
contradição com o sistema jurídico, (ii) sua coerência, realizando os fins e
valores do ordenamento e, finalmente, (iii) que suas consequências jurídicas
são aceitáveis.
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