DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A legislação tributária e sua justificação

Velocino Pacheco Filho
Todo texto normativo deve ser acompanhado da respectiva exposição de motivos, onde são expostos os “motivos” (razões que a justificam) da norma proposta, seu objetivo, os efeitos sociais, políticos ou econômicos pretendidos, os valores jurídicos envolvidos etc. Em suma, a exposição de motivos consiste na justificação da proposta de legislação.

Contudo, nem sempre a exposição de motivos atende ao que se espera dela – esclarecer os motivos que justificam a legislação proposta – porque essa importante peça jurídica muitas vezes é redigida sem maiores cuidados, apenas para desincumbir-se de uma tarefa da qual não se percebe o significado e alcance. A exposição de motivos não é um resumo dos dispositivos propostos ou a sua reprodução com outras palavras.

A justificação do texto legal proposto compreende motivos jurídicos e extrajurídicos. Entre os primeiros, trabalha-se com os valores e os princípios que informam o ordenamento jurídico, com a noção de justiça, bem comum, interesse público, direitos e garantias fundamentais. Os motivos extra-jurídicos compreendem a situação fática, política, social e econômica que a norma proposta visa disciplinar.

Enquanto a linguagem do texto de lei é fundamentalmente prescritiva, a linguagem da exposição de motivos é argumentativa e ilocucionária, visando o convencimento do destinatário. A função da exposição de motivos é, em grande parte, esclarecer sobre o sentido das normas propostas, seus fundamentos e objetivos. Com isso, dirige-se aos parlamentares que devem discutir e votar o texto proposto, mas também aos intérpretes e aplicadores da legislação que irão pesquisar na exposição de motivos as razões e os fins visados pela norma (mens legislatoris) e quais os bens juridicamente tutelados a que ela visa proteger.

A exposição de motivos, por dirigir-se ao convencimento do destinatário, situa-se no campo da retórica, sendo retóricos os argumentos empregados (retóricos no sentido positivo e não de argumentos sofísticos e de má fé). A retórica, como processo argumentativo, articula valores discursivamente com vistas a persuadir o destinatário da razoabilidade da norma proposta. Por conseguinte, a retórica absorve a argumentação lógica, no seu potencial de convencimento. Contudo, os argumentos são retóricos, diferindo dos argumentos da lógica clássica (ou apofânticos), por não estarem sujeitos a critérios de verdade e falsidade. Isto porque no direito não existem verdades absolutas, mas apenas pretensões em conflito. Nisso o discurso jurídico difere radicalmente do das ciências naturais, onde se aplicam os critérios de verdade ou de falsidade.

Então, cabe à exposição de motivos a tarefa de promover a aceitação do texto normativo proposto pelo destinatário ou tornar impossível a sua não-aceitação. Nesse caso, dizemos que o texto normativo está epistemicamente justificado.

Por outro lado, a análise pragmática do discurso permite uma medida do grau de compreensão dos objetivos da norma pelo destinatário. Aplicada à linguagem do direito positivo, a análise pragmática procura tornar mais claras as funções do discurso jurídico e, por essa via, proceder à compatibilização entre valores contraditórios. Isto porque a estrutura conceitual do discurso jurídico não pode ser dissociada da ideologia subjacente. Estamos falando dos signos linguísticos e do uso que as pessoas fazem deles, revelando dessa forma em que medida o discurso jurídico foi compreendido pelo destinatário. Pois, os usos concretos da linguagem são determinados pelas relações sociais e pelas interações entre pessoas e entre pessoas e signos.

A justificação é dita conseqüencialista quando explica a necessidade da norma proposta em razão das consequências das proposições jurídicas, vistas em relação à sua conformidade com as necessidades humanas e sociais.  Para tanto, devem ser examinadas em seu contexto (discursivo e fático). A exposição de motivos deve demonstrar a adequação entre a norma proposta e os princípios que informam o ordenamento jurídico.


Em síntese, a justificação do texto normativo – objeto e fim da exposição de motivos – deve demonstrar (i) a consistência do texto proposto, ou seja que não está em contradição com o sistema jurídico, (ii) sua coerência, realizando os fins e valores do ordenamento e, finalmente, (iii) que suas consequências jurídicas são aceitáveis.

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