Fabiano Ramalho
Nossa Constituição
Federal é, num certo sentido, um "sistema de sentido" (na
conceituação de Max Weber) com força normativa e moral. É essa força moral que,
incrustada na estrutura da Norma Fundamental, diz o que é certo e o que é
errado e autoriza todo o ordenamento jurídico a prever as consequências de
agirmos certo ou errado.
Portanto, sendo a
moral parte necessária do Direito, e, mais especificamente, tendo a Constituição
força moral, é válido admitirmos que uma norma jurídica pode ser constitucional
ou não, segundo seu conteúdo moral.
Vejam que, até aqui,
não há nada de novo, pois essa lição vem dos antigos Romanos, para quem "jus est ars boni et aequi".
O problema é que, com
relativa frequência, o mundo moderno tende a reduzir a moral e,
consequentemente, a ética a um estado de comportamento extrínseco ao Direito,
num purismo artificial monumental, que reduz todo significado jurídico ao
"ser" objetivamente considerado. Quando ouço que, para fins de
aplicação da norma de direito tributário, não importa a "intenção do
agente", chega a soar como blasfêmia. Uma heresia fora de moda, que
persiste em nosso mundo jurídico.
O
"dever-ser" jurídico contém uma premissa moral. Ele é intencional na
sua essência e, sem isso, não faz sentido. Ao negar essa "intenção",
estamos afastando o conteúdo moral da norma jurídica e, por conta disso,
deixamos de pensar o Direito sob o ponto de vista da ética.
A própria expressão
"ética tributária" chega a ser redundante, pois deveria ser da
natureza do sistema de normas tributárias, enquanto parte do ordenamento
jurídico, possuir uma disposição para o seu constante aprimoramento, sempre
visando um conteúdo normativo compatível com a força moral da Constituição
Federal.
Assim é, por exemplo,
quando denunciamos o caráter confiscatório de determinado tributo. Estamos, na
verdade, confrontando-o com a força moral do dispositivo constitucional que
proíbe tal prática. Estamos, por assim dizer, exigindo do Estado uma prestação
de contas sobre o conteúdo moral desse tributo, segundo a Lei Maior.
Ives Gandra da Silva Martins ensina que "a ética [...] está na própria conformação do direito natural, visto que permeia todos os valores definitivos que devem estar integrados nas normas positivas. [...] No direito brasileiro, concretamente, tais valores são inerentes a inúmeras disposições, a começar pelos Títulos I e II da Constituição Federal". (A Ética no Direito e na Economia, in Tributos e Direitos Fundamentais, Coord. Octávio Campos Fischer. São Paulo: Dialética, 2004. pp. 128-129).
Com essa compreensão,
desaparecem as tradicionais dificuldades dos Tribunais em decidir se
determinado caso concreto caracteriza ou não confisco em matéria tributária.
Isso porque o aspecto literal da norma adquire corpo com sua força moral
intrínseca, o que faz com que o julgador fuja da armadilha pragmática de medir
o alcance do conceito de confisco sob o ponto de vista puramente matemático.
Ora, não há um
parâmetro matemático seguro para tal decisão. Não há uma "tabela" de
que se possa dispor para essa finalidade e nem poderia haver, pois o conteúdo
moral da norma não é estático. Assim como a sociedade para a qual se aplica,
ele se movimenta e precisa ser interpretado segundo esse movimento histórico.
Por isso a necessidade do pensar coletivo, compartilhado, em prol de soluções
melhores do que aquelas que tínhamos. E a esse pensamento plural e
multissetorial chamamos de Ética Tributária.
Não é simplesmente o
caso de perguntar se essa multa é válida, mas sim se ela é justa nas condições
de tempo, lugar e pessoa a quem se aplica; se ela é proporcional à infração
cometida; se as diferentes consequências econômicas e sociais que ela gera
foram bem sopesadas, etc.
Eu espero que você
tenha notado até aqui que a ética tributária deve ser o balizador da
compatibilidade moral da norma tributária, levando-a, em última instância, ao
juízo de constitucionalidade, uma vez detectada sua disfuncionalidade teleológica.
Segundo Max Weber, o direito é a parte da moral obrigatória, decorrente de norma cogente.
ResponderExcluirEntão! Depois de tanta elaboração teórica para distinguir o direito da moral, estamos nos aplicando a por a moral dentro do direito. O art. 37 da Constituição já fala em princípio da moralidade administrativa e o art. 5º, LXXIII, admite ação popular contra ato lesivo à moralidade administrativa. Esse retorno da moralidade ao direito, que tanta espécie deve causar aos mais conservadores, aparece como a saída para resolver as aporias do direito contemporâneo.
ResponderExcluirA moral é mais ampla, o direito é apenas parte dela, a parte obrigatória. No direito, a sanção é moral e social, em toda a moral, a sanção é moral.
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