DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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sexta-feira, 24 de maio de 2013


O ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa
Velocino Pacheco Filho

Dispõe o art. 12, I, da Lei Complementar 87/1996 (que dispõe sobre normas gerais relativas ao ICMS) que considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.

O § 4º do art. 13 da mesma Lei dispõe sobre a base de cálculo do imposto, na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular.
Parece claro que o legislador complementar considerou como tributadas pelo ICMS as transferências de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte.
Contudo, não tem sido este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: albergando tese majoritária na doutrina nacional, considera que “para a ocorrência do fato imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade” (Agravo Regimental em Recurso Especial 45.856 MG, Primeira Turma, Revista Dialética de Direito Tributário 212, p. 208, maio de 2013).

Trata-se, na verdade, de jurisprudência sumulada: Súmula STJ 166: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento”.

Com efeito, a doutrina nacional tem rejeitado a tese de que a simples saída física da mercadoria do estabelecimento, seja a que título for, constitui fato gerador do tributo. Nas palavras de Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro, 2012, p. 461), a tese “está hoje inteiramente superada”. Prossegue o mesmo autor dizendo que “em seu lugar, contrapôs-se a tese doutrinariamente unânime e juridicamente adequada que entende não haver circulação sem a transferência de propriedade das mercadorias.

Estamos diante de um impasse que precisa ser solucionado. Por um lado, a tese “fiscalista”, adotada pela Lei Complementar 87/96, de um fato gerador amplo, abrangendo qualquer saída da mercadoria do estabelecimento, inclusive para estabelecimento do mesmo contribuinte. Por outro, a tese desenvolvida pela doutrina e acolhida pelo STJ de que a caracterização do fato gerador implica necessariamente a transferência de propriedade das mercadorias.

A Lei Complementar está em vigor. Não foi declarada a exclusão do art. 12, I, e 13, § 4º, do ordenamento jurídico tributário. Os Estados estão impedidos de dispor de modo contrário à Lei Complementar 87, por força do § 4º do art. 24 da Constituição Federal (que trata da competência concorrente, inclusive em matéria tributária). O que temos é uma jurisprudência sumulada que nega aplicação a dispositivos da Lei Complementar, sem retirá-los do ordenamento tributário.

Sem dúvida, a forma mais prática de realizar o princípio da não-cumulatividade é tributar todas as movimentações de mercadorias, mesmo entre estabelecimentos do mesmo titular. Afinal, o mecanismo de transferência do “crédito” fiscal foi concebido, tendo por base o princípio da autonomia do estabelecimento (embora o estabelecimento não tenha personalidade jurídica própria, diversa do sujeito passivo tributário).

Uma conseqüência nefasta de considerar não-tributável as transferências entre estabelecimentos do mesmo titular está na aplicação da regra do art. 155, § 2º, II, “b”, da Constituição Federal: “a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Assim, o “purismo” de não querer tributar as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte acarreta a anulação dos créditos no estabelecimento de origem e torna o imposto cumulativo naquela etapa.

A situação pode se tornar mais complicada nas operações interestaduais em que a transferência de mercadorias ocorre entre estabelecimentos do mesmo contribuinte situados em diferentes unidades da Federação. Nesse caso, muda o próprio sujeito ativo tributário. Roque Antonio Carrazza (ICMS2005, p. 56) demonstrou sesibilidade para o problema: “quando a mercadoria é transferida para estabelecimento do próprio remetente, mas situado no território de outra pessoa política (Estado ou Distrito Federal), nada impede, juridicamente, que a filial venha a ser considerada ‘estabelecimento autônomo’, para fins de tributação por via do ICMS. Assim é para que não se prejudique o Estado (ou o Distrito Federal) de onde sai a mercadoria”.

Essa é uma situação que reclama dos doutos uma solução. O que não pode é os Estados continuarem a ignorar jurisprudência sumulada do STJ e este, por sua vez, continuara a declarar a não-incidência do ICMS nas operações de transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Enquanto não for encontrada uma solução racional, continuará a ser agredido o valor segurança do direito e a presunção de completude do ordenamento jurídico.

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