DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

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quarta-feira, 8 de maio de 2013


Transporte de bens por não-contribuinte do ICMS: é obrigatória a emissão de documento fiscal?  
          Velocino Pacheco Filho
         
          “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, conforme enunciado do inciso II do art. 5º da Constituição Federal (princípio da legalidade). Esse princípio informa todo o ordenamento jurídico, inclusive o direito tributário.
          Assim, ninguém é obrigado a pagar tributo ou cumprir obrigação acessória senão em virtude de lei. O princípio da legalidade na tributação é confirmado pelo art. 150, I, da Lei Maior que veda às pessoas políticas de direito público interno “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
          No caso das obrigações acessórias, admite-se que não é necessária lei em sentido estrito, mas que podem ser instituídas pela legislação tributária, entendida no sentido que lhe dá o art. 99 do Código Tributário Nacional, ou seja, compreendendo decretos e regulamentos.
          Com efeito, dispõe o art. 115 do mesmo diploma normativo que o “fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”.
          Vejamos um caso prático. O deslocamento físico, entre estabelecimentos de mesma titularidade, de bens móveis (e.g. equipamentos de escritório) por não contribuinte do ICMS (e.g. instituição financeira) é obrigado a ser acompanhado de documento fiscal?
          A propósito, entende-se por mercadoria o bem móvel adquirido para fins de revenda. Por conseguinte, um mesmo bem pode ser mercadoria ou não, conforme o fim a que se destina. Como o ICMS incide apenas sobre operações de circulação de mercadorias, então a situação descrita acima não constitui hipótese de incidência desse imposto.
          Ainda assim, o transporte dos equipamentos de escritório de um para outro estabelecimento da instituição financeira pode ser obrigado a estar acompanhado de documento fiscal, desde que a legislação tributária assim o exija.
          Conforme disposição do parágrafo único do art. 194 do CTN, a legislação tributária que trata da competência e dos poderes das autoridades administrativas aplica-se inclusive aos não-contribuintes. A legislação tributária pode exigir a emissão de documento fiscal, ainda que se trate de não-contribuinte do imposto e que o bem transportado não se caracterize como mercadoria.
          Esse entendimento foi corroborado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – que reúne as turmas de direito público – no julgamento do Recurso Especial 1.116.792 PB, como representativo de controvérsia, tendo como Relator o Min. Luiz Fux:
          Entendeu o tribunal que o “ente federado legiferante pode instituir dever instrumental .... ainda que o sujeito passivo da aludida ‘obrigação acessória’ não seja contribuinte do tributo ... desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos no ordenamento jurídico”. Isto por que os “deveres instrumentais, previstos na legislação tributária, ostentam caráter autônomo em relação à regra matriz de incidência do tributo”, devendo ser cumpridos “até mesmo por não contribuintes, desde que constituam instrumento relevante para o pleno exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Pública Tributária, assecuratório do interesse público na arrecadação”.
          No caso dos autos, revelou-se incontroverso, mediante norma inserta no Regulamento do ICMS, que o Estado-membro envolvido “instituiu o dever instrumental consistente na exigência de nota fiscal para circulação de bens do ativo imobilizado e de material de uso e consumo entre estabelecimentos de uma mesma instituição financeira”.
          Mas, se não houver norma expressa exigindo o porte de documento fiscal por não-contribuinte, estará este obrigado a portá-la?  Pelo princípio da legalidade, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O não-contribuinte estará obrigado à emissão de documento fiscal se, e somente se, a legislação tributária o exigir expressamente.
          Ora, suponhamos que o Estado-membro, titular da competência para exigir o ICMS, tenha instituído “nota fiscal avulsa eletrônica” que poderia servir para documentar o transporte de bens por não-contribuinte. Pode-se dizer que “implicitamente” está instituída a obrigação acessória de portar o referido documento?
          Obrigação tributária não se deduz. Ou a lei quis e disse ou não quis e guardou silêncio. Não existe obrigação tributária implícita.
          A legislação tributária pode, de fato, exigir que o não-contribuinte faça acompanhar o transporte de documento fiscal. Contudo, se a legislação for silente a esse respeito, não se pode exigir do não-contribuinte a emissão de documento fiscal. Ninguém está obrigado a cumprir obrigação não prevista na legislação.
          Nessa hipótese, seria insubsistente o ato administrativo de imposição de multa pelo transporte de bens desacompanhados de documento fiscal. Ninguém pode ser punido quando a conduta em questão (emitir documento fiscal) não é obrigatória.

2 comentários:

  1. "De fato, no tocante à obrigação acessória, não havendo previsão na legislação, não há que se falar em documento fiscal.
    Entretanto, lembro que tal fato não desobriga o não contribuinte de fazer prova de que o bem é de sua propriedade, que pode ser feito por meio de nota fiscal avulsa".

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    1. Com efeito, o modo mais prático e seguro de fazer essa prova é mediante nota fiscal avulsa. Mas, diante da omissão do legislador, ele pode escolher qualquer outro meio de prova que julgar conveniente e - isto é importante - não poderá ser punido.

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