Transporte
de bens por não-contribuinte do ICMS: é obrigatória a emissão de documento
fiscal?
Velocino
Pacheco Filho
“Ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, conforme enunciado do
inciso II do art. 5º da Constituição Federal (princípio da legalidade). Esse
princípio informa todo o ordenamento jurídico, inclusive o direito tributário.
Assim, ninguém é obrigado a pagar
tributo ou cumprir obrigação acessória senão em virtude de lei. O princípio da
legalidade na tributação é confirmado pelo art. 150, I, da Lei Maior que veda
às pessoas políticas de direito público interno “exigir ou aumentar tributo sem
lei que o estabeleça”.
No caso das obrigações acessórias, admite-se
que não é necessária lei em sentido estrito, mas que podem ser instituídas pela
legislação tributária, entendida no sentido que lhe dá o art. 99 do Código
Tributário Nacional, ou seja, compreendendo decretos e regulamentos.
Com efeito, dispõe o art. 115 do mesmo
diploma normativo que o “fato gerador da obrigação acessória é qualquer
situação que, na forma da legislação
aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure
obrigação principal”.
Vejamos um caso prático. O
deslocamento físico, entre estabelecimentos de mesma titularidade, de bens
móveis (e.g. equipamentos de
escritório) por não contribuinte do ICMS (e.g.
instituição financeira) é obrigado a ser acompanhado de documento fiscal?
A propósito, entende-se por mercadoria
o bem móvel adquirido para fins de revenda. Por conseguinte, um mesmo bem pode
ser mercadoria ou não, conforme o fim a que se destina. Como o ICMS incide
apenas sobre operações de circulação de mercadorias, então a situação
descrita acima não constitui hipótese de incidência desse imposto.
Ainda assim, o transporte dos
equipamentos de escritório de um para outro estabelecimento da instituição
financeira pode ser obrigado a estar acompanhado de documento fiscal, desde que
a legislação tributária assim o exija.
Conforme disposição do parágrafo único
do art. 194 do CTN, a legislação tributária que trata da competência e dos
poderes das autoridades administrativas aplica-se inclusive aos
não-contribuintes. A legislação tributária pode exigir a emissão de documento
fiscal, ainda que se trate de não-contribuinte do imposto e que o bem
transportado não se caracterize como mercadoria.
Esse entendimento foi corroborado pela
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – que reúne as turmas de direito
público – no julgamento do Recurso Especial 1.116.792 PB, como representativo
de controvérsia, tendo como Relator o Min. Luiz Fux:
Entendeu o tribunal que o “ente
federado legiferante pode instituir dever instrumental .... ainda que o sujeito
passivo da aludida ‘obrigação acessória’ não seja contribuinte do tributo ... desde
que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos no
ordenamento jurídico”. Isto por que os “deveres instrumentais, previstos na
legislação tributária, ostentam caráter autônomo em relação à regra matriz
de incidência do tributo”, devendo ser cumpridos “até mesmo por não
contribuintes, desde que constituam instrumento relevante para o pleno
exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Pública Tributária,
assecuratório do interesse público na arrecadação”.
No caso dos autos, revelou-se
incontroverso, mediante norma inserta no Regulamento do ICMS, que o
Estado-membro envolvido “instituiu o dever instrumental consistente na
exigência de nota fiscal para circulação de bens do ativo imobilizado e de
material de uso e consumo entre estabelecimentos de uma mesma instituição
financeira”.
Mas, se não houver norma expressa
exigindo o porte de documento fiscal por não-contribuinte, estará este obrigado
a portá-la? Pelo princípio da
legalidade, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei. O não-contribuinte estará obrigado à emissão de documento
fiscal se, e somente se, a legislação tributária o exigir expressamente.
Ora, suponhamos que o Estado-membro,
titular da competência para exigir o ICMS, tenha instituído “nota fiscal avulsa
eletrônica” que poderia servir para documentar o transporte de bens por
não-contribuinte. Pode-se dizer que “implicitamente” está instituída a
obrigação acessória de portar o referido documento?
Obrigação tributária não se deduz. Ou
a lei quis e disse ou não quis e guardou silêncio. Não existe obrigação
tributária implícita.
A legislação tributária pode, de fato,
exigir que o não-contribuinte faça acompanhar o transporte de documento fiscal.
Contudo, se a legislação for silente a esse respeito, não se pode exigir do
não-contribuinte a emissão de documento fiscal. Ninguém está obrigado a cumprir
obrigação não prevista na legislação.
Nessa hipótese, seria insubsistente o
ato administrativo de imposição de multa pelo transporte de bens desacompanhados
de documento fiscal. Ninguém pode ser punido quando a conduta em questão
(emitir documento fiscal) não é obrigatória.
"De fato, no tocante à obrigação acessória, não havendo previsão na legislação, não há que se falar em documento fiscal.
ResponderExcluirEntretanto, lembro que tal fato não desobriga o não contribuinte de fazer prova de que o bem é de sua propriedade, que pode ser feito por meio de nota fiscal avulsa".
Com efeito, o modo mais prático e seguro de fazer essa prova é mediante nota fiscal avulsa. Mas, diante da omissão do legislador, ele pode escolher qualquer outro meio de prova que julgar conveniente e - isto é importante - não poderá ser punido.
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