ICMS:
saldo credor e saldo credor acumulado
Velocino
Pacheco Filho
O crédito do ICMS corresponde à
operacionalização do princípio da não-cumulatividade do imposto (CF, art. 155, §
2º, I), ou seja, trata-se de ICMS que onerou a mesma mercadoria (ou os insumos
utilizados em sua fabricação) em etapas anteriores do seu ciclo de
comercialização. Esse crédito cumpre “exclusivamente” a função de compensar o
imposto devido em cada operação de circulação de mercadorias.
Estamos tratando de operações de
circulação de mercadorias, mas o mesmo se aplica às prestações de serviço de
transporte e de comunicação, tributados pelo ICMS.
Trata-se de um crédito especificamente
vocacionado para a compensação do ICMS devido. Portanto, quando não há ICMS a
compensar, o “crédito” perde sua razão de ser e deve ser estornado. É o que
dispõe o inciso II, “a” do dispositivo citado: “a isenção ou não incidência,
salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para
compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes”.
Assim, não havendo imposto a compensar
na operação seguinte e a legislação for silente a respeito, o crédito
correspondente deve ser estornado. Para que o crédito seja mantido, é
necessário que a legislação tributária o diga expressamente.
É o que ocorre nas exportações para o
exterior do País: conforme CF, art. 155, § 2º, X, “a”, o ICMS não incide sobre
operações que destinem mercadorias para o exterior, “assegurada a manutenção e
o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações
anteriores”.
Então, no caso da mercadoria ser exportada,
não só não incide o ICMS, como também o crédito correspondente (que onerou a
entrada da mercadoria) poderá ser mantido e a Constituição assegura que seja “aproveitado”.
O objetivo é reduzir o custo da exportação, tornando a mercadoria mais
competitiva no mercado internacional, mediante uma completa desoneração do
ICMS, não só o que incidiria na exportação, mas também o que onerou a mercadoria
em operações anteriores (permitindo a manutenção do crédito). Mas, para que a
medida seja eficaz, não basta assegurar a manutenção do crédito: é preciso que
seja “aproveitado”, compensando o ICMS relativo a outras saídas tributadas.
Se o contribuinte não tiver outros
débitos a serem compensados, deve ser assegurada a sua transferência a outros
contribuintes que tenham débitos do imposto, conforme art. 25, § 1º, II, da Lei
Complementar 87/1996, “mediante emissão, pela autoridade competente de
documento que reconheça o crédito”.
Esse é o “crédito acumulado” de que
fala a legislação e que pode ser transferido a terceiros (com ou sem deságio,
conforme acordarem as partes). Com efeito, o § 2º do art. 31 da Lei 10.297/1996
define crédito acumulado, para fins de transferência, “os saldos credores
decorrentes de manutenção expressamente autorizada de créditos fiscais
relativos a operações ou prestações subseqüentes isentas ou não tributadas” – a
Lei 14.605/2008 ampliou o tratamento para abranger também as hipóteses de
diferimento do imposto para etapa posterior de circulação da mercadoria.
A manutenção do crédito é da natureza
do diferimento – há incidência do imposto, mas o recolhimento é postergado para
operação subseqüente. A regra, no caso, aplica-se à transferência do crédito.
A simples ocorrência de saldo credor,
porque as entradas foram superiores às saídas e não por causa de disposição
legislativa que permite a manutenção de créditos, sem a qual deveriam ser
estornados, não autoriza a transferência de créditos para terceiros ou mesmo
para outro estabelecimento do contribuinte.
É o que acontece quando o contribuinte
está fazendo estoques, como no comércio de confecções quando termina uma
estação. Promove-se uma liquidação em que os saldos de mercadorias são vendidos
abaixo do custo, para dar lugar às novas coleções. Para fins de transferência a
terceiros, não se considera como “saldo credor acumulado”.
São coisas distintas: saldo credor,
crédito acumulado (devido a expressa manutenção de crédito que sem ela deveria
ser estornado) e transferência de créditos. Assim, podemos ter crédito
acumulado, mas não ser permitida a sua transferência. Apenas no caso da
exportação para o exterior, à manutenção de crédito deve seguir a autorização
para sua transferência a terceiros, por expressa disposição constitucional. Em todos
os demais casos, depende de previsão expressa na legislação
infraconstitucional.
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