DIREITO TRIBUTÁRIO EM DEBATE

Este é um espaço dedicado à reflexão e à troca de idéias sobre tributação e as relações entre fisco e contribuintes. A manifestação da opinião de cada um é livre, sem qualquer espécie de patrulhamento. Mas, como toda a liberdade, deve ser exercida com responsabilidade, sujeita à moderação.O espírito crítico e questionador dos paradigmas estabelecidos deve ser incentivado, mas não será permitido utilizar este espaço para ataques contra pessoas ou instituições, ou para publicidade.

sexta-feira, 17 de maio de 2013


Os convênios Confaz e o princípio da legalidade
Velocino Pacheco Filho

          Conforme art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, os Estados não têm competência para conceder, unilateralmente, isenções, incentivos e benefícios fiscais, relativamente ao ICMS. O Estado precisa ser previamente autorizado pelos demais Estados. O fórum de debate é o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e a autorização é dada mediante celebração de convênio entre os Estados, na forma prevista pela Lei Complementar 24/1975.
          A disciplina dos Convênios é o remédio adotado pelo constituinte para prevenir a assim chamada “guerra fiscal” que tanto prejuízo tem causado às receitas dos Estados federados. O problema que tem desafiado a Federação é a concessão de benefícios fiscais sem que tenha sido autorizada por convênio.
          Que penalidade pode ser aplicada ao Estado infrator? Quem tem competência para aplicá-la? O art. 8º, I, da LC 24/1975 dispõe que a sua inobservância acarretará a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria.
          No entanto, o Supremo Tribunal Federal tem desautorizado a glosa dos créditos fiscais, no caso do Estado de origem da mercadoria ter concedido benefício fiscal não autorizado pelo Confaz. Muito bem, se os Estados não podem aplicar o art. 8º, I, quem poderá fazê-lo? Estaríamos diante de uma ineficácia técnico-semântica da norma?
          Contudo, o foco da discussão mais recente tem sido no sentido da facilitação da autorização de benefícios pelo Confaz. O § 2º do art. 2º da LC 24/75 exige unanimidade para autorizar benefícios, o que se justifica pelo princípio da Federação: os Estados devem poder se posicionar contra benefícios concedidos por outro Estado e que lhe sejam prejudiciais.
          Argumenta-se que não é exigida unanimidade para aprovar uma emenda constitucional. Ora, são coisas diferentes e lógicas diferentes. As emendas constitucionais são votadas pelos representantes do povo brasileiro, como poder constituinte derivado. As decisões do Confaz são tomadas pelos representantes dos Executivos estaduais. Não representam os Estados, mas apenas um dos Poderes. Além do mais, não têm a legitimidade que é conferida pelo mandato popular. Como já foi lembrado, o Confaz é uma reunião de demissíveis ad nutum.
          Por outro lado, há matérias na Constituição que não podem nem ao menos ser objeto de deliberação, quanto mais aprovação, mesmo por unanimidade. Estou falando das “cláusulas pétreas”, contempladas no § 4º do art. 60 da Constituição.
          Mas o verdadeiro cerne do problema está no exercício de atividades legislativas por entidade que não pertence ao poder legislativo, nem seus integrantes foram legitimados pelo voto popular. Com efeito, a exoneração tributária está sob reserva absoluta da lei: o art. 97, I, do Código Tributário Nacional, dispõe que somente a lei pode estabelecer a extinção de tributos.
          A própria Constituição Federal, art. 150, § 6º, determina que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de anistia ou remissão, relativo a impostos, taxas ou contribuições, só pode ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, “g”.
          A ressalva refere-se exatamente ao regime dos convênios para concessão de benefícios fiscais. Como devemos interpretá-la? Que os benefícios do ICMS, diferentemente dos demais tributos, não está sujeita à reserva legal, mas podem Sr concedidos por decreto do Executivo, desde que autorizado por convênio? O que justificaria semelhante privilégio concedido ao ICMS?
          Pelo contrário, o convênio não dispensa a lei, nem se substitui à lei. O convênio é apenas uma condição para que o benefício seja concedido, mas sempre por ato do legislativo. Essa a interpretação que foi adotada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 630. 705 MS, relator Min. Dias Toffoli (DJe 028, Pub. 13-2-2013). O acórdão enfatiza a “imprescindibilidade de lei em sentido formal”. O benefício fiscal não pode ser concedido “à margem da participação do Poder Legislativo”. Acrescenta ainda que:
          “Os convênios são autorizações para que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário”.
                Os legislativos estaduais não podem furtar-se ao cumprimento do mandato popular de que se acham investidos: os representantes eleitos do povo devem decidir sobre todas as matérias, inclusive sobre exoneração de tributos. O interesse público assim o exige.

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