Os convênios Confaz e o princípio da
legalidade
Velocino Pacheco Filho
Conforme art. 155, § 2º, XII, “g”, da
Constituição Federal, os Estados não têm competência para conceder,
unilateralmente, isenções, incentivos e benefícios fiscais, relativamente ao
ICMS. O Estado precisa ser previamente autorizado pelos demais Estados. O fórum
de debate é o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e a autorização
é dada mediante celebração de convênio entre os Estados, na forma prevista pela
Lei Complementar 24/1975.
A disciplina dos Convênios é o remédio
adotado pelo constituinte para prevenir a assim chamada “guerra fiscal” que
tanto prejuízo tem causado às receitas dos Estados federados. O problema que
tem desafiado a Federação é a concessão de benefícios fiscais sem que tenha
sido autorizada por convênio.
Que penalidade pode ser aplicada ao
Estado infrator? Quem tem competência para aplicá-la? O art. 8º, I, da LC 24/1975
dispõe que a sua inobservância acarretará a nulidade do ato e a ineficácia do
crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal
tem desautorizado a glosa dos créditos fiscais, no caso do Estado de origem da
mercadoria ter concedido benefício fiscal não autorizado pelo Confaz. Muito
bem, se os Estados não podem aplicar o art. 8º, I, quem poderá fazê-lo? Estaríamos
diante de uma ineficácia técnico-semântica da norma?
Contudo, o foco da discussão mais
recente tem sido no sentido da facilitação da autorização de benefícios pelo
Confaz. O § 2º do art. 2º da LC 24/75 exige unanimidade para autorizar benefícios,
o que se justifica pelo princípio da Federação: os Estados devem poder se
posicionar contra benefícios concedidos por outro Estado e que lhe sejam
prejudiciais.
Argumenta-se que não é exigida
unanimidade para aprovar uma emenda constitucional. Ora, são coisas diferentes
e lógicas diferentes. As emendas constitucionais são votadas pelos
representantes do povo brasileiro, como poder constituinte derivado. As
decisões do Confaz são tomadas pelos representantes dos Executivos estaduais.
Não representam os Estados, mas apenas um dos Poderes. Além do mais, não têm a
legitimidade que é conferida pelo mandato popular. Como já foi lembrado, o
Confaz é uma reunião de demissíveis ad
nutum.
Por outro lado, há matérias na
Constituição que não podem nem ao menos ser objeto de deliberação, quanto mais
aprovação, mesmo por unanimidade. Estou falando das “cláusulas pétreas”,
contempladas no § 4º do art. 60 da Constituição.
Mas o verdadeiro cerne do problema
está no exercício de atividades legislativas por entidade que não pertence ao
poder legislativo, nem seus integrantes foram legitimados pelo voto popular.
Com efeito, a exoneração tributária está sob reserva absoluta da lei: o art.
97, I, do Código Tributário Nacional, dispõe que somente a lei pode estabelecer
a extinção de tributos.
A própria Constituição Federal, art.
150, § 6º, determina que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de
cálculo, concessão de anistia ou remissão, relativo a impostos, taxas ou
contribuições, só pode ser concedido mediante lei específica, federal, estadual
ou municipal, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, “g”.
A ressalva refere-se exatamente ao
regime dos convênios para concessão de benefícios fiscais. Como devemos
interpretá-la? Que os benefícios do ICMS, diferentemente dos demais tributos,
não está sujeita à reserva legal, mas podem Sr concedidos por decreto do
Executivo, desde que autorizado por convênio? O que justificaria semelhante
privilégio concedido ao ICMS?
Pelo contrário, o convênio não
dispensa a lei, nem se substitui à lei. O convênio é apenas uma condição para
que o benefício seja concedido, mas sempre por ato do legislativo. Essa a
interpretação que foi adotada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 630. 705 MS,
relator Min. Dias Toffoli (DJe 028, Pub. 13-2-2013). O acórdão enfatiza a “imprescindibilidade
de lei em sentido formal”. O benefício fiscal não pode ser concedido “à margem
da participação do Poder Legislativo”. Acrescenta ainda que:
“Os convênios são autorizações para
que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no
ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder
Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o
postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário”.
Os legislativos estaduais não podem
furtar-se ao cumprimento do mandato popular de que se acham investidos: os
representantes eleitos do povo devem decidir sobre todas as matérias, inclusive
sobre exoneração de tributos. O interesse público assim o exige.
Nenhum comentário:
Postar um comentário