Qual deveria ser o tratamento
tributário dos brindes?
Velocino
Pacheco Filho
Para início de
conversa, o que é brinde? Há consenso em que se caracteriza como brinde a
mercadoria adquirida pela empresa com a finalidade de distribuição gratuita aos
seus clientes, fornecedores etc. A saída de brindes do estabelecimento é
geralmente considerada tributada pelo ICMS, adotando-se como valor da operação
(base de cálculo do imposto) o valor de aquisição, já que a sua distribuição é
gratuita.
Um caso que tem relação
com o dos brindes é o da bonificação em mercadorias, ou seja, unidades da
mercadoria acrescentadas gratuitamente à compra pelo vendedor. A diferença é
que, no caso dos brindes, as mercadorias doadas não são normalmente
comercializadas pela empresa, enquanto, na bonificação, as unidades doadas ao
cliente são de mercadoria que a empresa normalmente comercializa.
De modo semelhante ao
que ocorre com os brindes, os Estados costumavam tributar as mercadorias dadas
em bonificação, imputando-lhes um valor (o da aquisição) como base de cálculo
do imposto. Esse entendimento verificou-se equivocado, como demonstra Hugo de
Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS):
“Quando o vendedor de
cem unidades de medicamento dá em bonificação dez unidades, na verdade ele está
vendendo cento e dez unidades pelo preço das cem. Não importa que as cem
unidades tenham sido vendidas, e as dez tenham sido doadas. Há, nestes casos,
evidente relação de dependência entre a doação e a venda, de sorte que sem esta
aquela não existiria”.
Ou seja, as mercadorias
dadas em bonificação correspondem a um “desconto incondicionado” e, como tal,
devem ser excluídas da base de cálculo do ICMS. Esse entendimento foi adotado
pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, conforme decidido no
julgamento do Recurso Especial 1.111.156 SP:
“A bonificação é uma modalidade de desconto que consiste na
entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução
do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é beneficiado com a
redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do
preço do negócio”.
Para que não restassem
dúvidas, acrescentou o tribunal que a literalidade do art. 13 da Lei
Complementar 87/96 permite concluir que a base de cálculo do ICMS, nas
operações mercantis, é a efetivamente realizada, não se incluindo os descontos
incondicionais, como é o caso das bonificações em mercadorias.
Retornando ao caso dos
brindes, é lícito ao Estado imputar um valor à saída de brindes e sobre ele
cobrar ICMS? Conforme arts. 12, I, e 13, I, da LC 87/96, a base de cálculo do
imposto, na saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte é o valor da
operação. Ora, os brindes são distribuídos gratuitamente, logo a operação de
saída do estabelecimento não teria valor, salvo se o valor for imputado pelo
Fisco. Ele está autorizado a fazê-lo?
Outro aspecto do
problema envolve a caracterização do fato gerador do ICMS: deve tratar-se de
operação de circulação de mercadorias. Decompondo o fato gerador, devemos
identificar o que é mercadoria e o que é circulação de mercadorias. Conforme
regra do art. 110 do Código Tributário Nacional, o conceito de mercadoria deve
ser pesquisado no direito privado.
Considera-se mercadoria
o bem móvel adquirido para fins de revenda. Assim, toda mercadoria é um bem,
mas o bem pode ou não ser mercadoria, dependendo da intenção com que foi
adquirido. Se houve intenção de revenda, o bem se caracteriza como mercadoria;
se foi adquirido para uso ou consumo, não será mercadoria. Um mesmo bem pode
ser mercadoria em um momento e não sê-lo em outro.
Ora, o brinde não foi
adquirido para ser revendido, mas para distribuição gratuita. Com isso podemos
entender que perdeu a condição de mercadoria? Embora a distribuição de brindes
atenda a um propósito comercial (marketing),
é razoável o entendimento de que não se trata mais de mercadoria? A propósito,
não só as empresas comerciais distribuem brindes, mas também os
estabelecimentos financeiros, os prestadores de serviços, etc.
Por outro lado,
entende-se que a operação é de circulação de mercadoria quando a impulsiona no
sentido do produtor para o consumidor final. Além disso, não se caracteriza com
o seu mero deslocamento, mas é necessária a mudança de titularidade do bem.
Nesse caso, a distribuição de brindes representa uma mudança de titularidade e
a operação destina o bem ao consumidor final.
Assim, a questão
resume-se em saber se o brinde caracteriza-se como mercadoria ou não. Se for
mercadoria, a operação sofre a incidência do ICMS, calculado sobre base de
cálculo imputada pelo Fisco e poderá ser utilizado o crédito relativo à sua
entrada no estabelecimento. Porém, se não for mercadoria, além de não ser
devido o ICMS, na saída do estabelecimento, também não poderá ser apropriado o
crédito correspondente à sua entrada, já que o adquirente seria o consumidor
final dos brindes.
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